Zero Hora -07/08/2013
Passei mais de um mês fora do jornal – torço para que tenham reparado.
Estive estudando em Londres e virando a cidade do avesso. Sigo não
falando inglês com fluência: é projeto para uma vida. Mas o vocabulário
se expandiu e a cabeça também, como acontece sempre que se sai em viagem
de descobrimento. Voltei me perguntando o que ainda faz de Londres
minha cidade preferida no mundo, e, sendo ela tão diversa, não há uma
resposta única.
Não importa em que bairro, em que pub, em que estação de metrô você
esteja: sempre escutará de três a quatro idiomas diferentes ao mesmo
tempo, o que anula nossa nacionalidade e nos dá a sensação arejada de
pertencer ao planeta – Londres não é uma capital humilde, como se sabe.
Falando em metrô: o primeiro trem subterrâneo de Londres começou a
circular em 1863, antes mesmo da invenção da energia elétrica (era
movido a vapor). Mind the gap. O nosso começará a circular em algum ano
entre 2017 e o infinito.
O.k., evitarei comparações, até porque o londrino está menos
londrino: já não é pontual e polido com fanatismo, deu uma relaxada, e
isso de certa forma o democratiza. Até a rainha está mais “gente como a
gente”. Uma semana antes de o bisneto vir ao mundo, foi perguntada se
tinha preferência por menino ou menina: “Tanto faz, desde que nasça
logo, pois quero sair de férias”. Foi-se o tempo em que responder “desde
que venha com saúde” é que era nobre.
Aliás, se ouvia falar do pequeno George na imprensa, e só na
imprensa. Nas ruas, nem um pio. Ninguém se mobilizou. Aquele grupo
reunido em frente ao Palácio de Buckingham no dia 22 de julho era
composto apenas de turistas estrangeiros, em mesmo número dos que estão
lá hoje e que estarão lá amanhã. O inglês está mais interessado na vida
real do que na realeza.
Londres perdeu um pouco a fleuma até no clima. Com temperaturas
acima dos 30 graus, sem um pingo de chuva por semanas seguidas, a falta
de compostura diante do calor virou notícia. Nunca se viu tanto homem
sem camisa pelas ruas – para eles, prova irrefutável da decadência do
império.
Ou seja, Londres está mais solta – me segurei para não escrever
“mais brasileira”, mas não ando bebendo tanto assim. Continua majestosa
em sua arquitetura, com museus de tirar o fôlego (a exposição do
fotógrafo Sebastião Salgado no Museu de História Natural é de nos encher
de orgulho – absolutamente espetacular) e com parques cujo paisagismo
você jura que ficou a cargo de algum pintor impressionista.
Aliás, foi em um parque que meu queixo tremeu e quase fui às
lágrimas, e não por causa dos esquilos e das flores: enquanto o Papa
abençoava nossa terra, eu dizia amém para os Rolling Stones em show
satânico em pleno Hyde Park, com Mick Jagger a poucos metros de
distância, em carne, osso, rugas e testosterona. Como se sabe, o sublime
pode se manifestar de maneiras variadas e insuspeitas.
Enferrujada do jeito que estou, considere este texto apenas como um
“oi, cheguei”. Um breve sumário de assuntos que logo adiante serão mais
bem desenvolvidos. Por ora, ofereço esse patchwork só para dizer que
estava com saudades e que, por mais que viajar seja fascinante, nada
como estar de volta à casa.
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