Os trilhardários
SÃO PAULO - As obras de revitalização do largo da Batata revelaram nesta semana um artefato arqueológico incomum aos paulistanos do século 21: trilhos de bonde.Os tais estavam embaixo do asfalto da rua Teodoro Sampaio e, após limpos e estudados, serão expostos na praça em construção no local.
Em texto para o site da revista "sãopaulo", a repórter Letícia Mori notou "a perplexidade dos operários e a excitação dos pedestres --diversos pararam para tirar fotos" (veja imagens em folha.com/no1322674).
Perplexidade justa. Os trilhos da Teodoro Sampaio remetem à saudosa época em que os bondes da Tramway Light, ou da Companhia Carris, singravam a cidade com homens de chapéu e moças de vestido.
Até a extinção, nos anos 1960, a cidade chegou a ter 350 km de trilhos. Nos bondes, anúncios de Magnésia Bisurada disputavam atenção com os do Biotônico Fontoura, do Guaraná Champagne, do Licor de Cacau Xavier e do colírio Lavolho.
Um deles rimava. "Veja, ilustre passageiro/ O belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado/ E no entanto, acredite, quase morreu de bronquite/ Salvou-o o Rhum Creosotado!"
A linha desenterrada pelos arqueólogos ligava, em 1909, o centro à zona oeste e chegava até o rio Pinheiros (onde, aliás, se nadava).
Nem tudo era bacana: em 1958, o aumento das passagens em 50 centavos (de cruzeiro) irritou estudantes. A intervenção policial resultou em quatro mortes, três delas à bala.
A qualidade dos vagões paulistanos já era objeto de desentendimento desde os anos 1920. Em 1933, a "Folha da Noite" publicou charge que criticava a lotação dos bondes, com gente saindo pelas janelas.
Coincidentemente, as relíquias do largo da Batata são desenterradas ao mesmo tempo em que o governo estadual se vê às voltas com um novo escândalo envolvendo trilhos.
Para melhor entendimento de nós, passageiros, talvez possamos chamá-lo de cartel trilhardário.
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