ANA MARIA MACHADO
Comida para o pensamento
Em termos ideais, não é grave que a venda de livros didáticos caia. Grande parte deles é de literatura e já deveria compor o acervo das escolas
De certo modo, uma pesquisa recente desempenha agora esse papel no mercado editorial brasileiro. É de responsabilidade da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), do Sindicato Nacional de Editores de Livros e da Câmara Brasileira do Livro.
Ela aponta queda de 7,36% na venda de livros no país, de 2011 para 2012. Esse foi o pior desempenho da década: o faturamento do setor cresceu abaixo da inflação, mesmo aumentando de R$ 4,8 bilhões para R$ 5 bilhões (dos quais, as publicações digitais representam 0,1%; são desprezíveis).
Já que trouxeram esse prato à mesa, o pensamento quer prová-lo. Degustar seus ingredientes e temperos. Não tem de concordar com quem nele só percebe sabores ácidos ou amargos. Números exigem vagar e combinações para que possam ser apreciados. Há que ir além da primeira sensação.
O número de exemplares vendidos caiu os já citados 7,36%. Mas a derrocada não foi geral. O segmento que engloba ficção e não ficção (ensaios, reportagens, biografia) subiu 7,65%. O de obras técnicas e científicas aumentou 1,16%.
O que despencou mesmo foi a venda de livros religiosos e de autoajuda: 19,18%. É um dado interessante, que faz pensar. Será que indica algum refluxo do setor até aqui em franca expansão? E por quê? Saturação? Migração desse tipo de conteúdo para outros canais?
Só o tempo e a continuidade na análise indicarão a tendência, embora a recente viagem do papa ao Brasil deva influir no surgimento de uma nova onda de publicações e consumo nessa área, o que repercutirá na série.
Outro número que chama a atenção é o que constata a queda de 11,09% na venda de didáticos. É mais fácil de entender esse caso se os dados forem contextualizados. Essas pesquisas costumam misturar dois canais e com isso mascaram a realidade, ao somar livros de literatura infantojuvenil com didáticos. Faz parte do paternalismo vigente, num quadro mais amplo que se repete nos catálogos de editoras, de olho nos termos de editais para compra governamental.
Assim, qualquer obra literária para crianças e jovens, passível de ser adotada por meio de aquisição oficial, vira didática --coisa que não acontece quando se trata da literatura para adultos, mesmo que comprada e distribuída pelo governo. É uma distorção a se levar em conta.
As compras governamentais contemplam alternadamente diferentes séries e segmentos escolares. Quando se destinam a faixas com mais alunos, as quantidades aumentam. Diminuem se o público-alvo é menor. É uma oscilação cíclica, a ser esperada.
Além disso, em termos ideais, seria até desejável que esse número pudesse diminuir, na medida em que grande parte desses livros são de literatura e se destinam a formar e abastecer bibliotecas escolares.
Ao fim de alguns anos de aquisições, as bibliotecas tenderiam a já ter um acervo básico. As compras, então, se destinariam a atualização e reposição, necessariamente menores. Afinal, esses programas existem desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. Cobrar números crescentes equivale a querer que o programa Bolsa Família só aumente, sem porta de saída.
Seja como for, é bom ter essas pesquisas. Mastigadas e transformadas em palavras, podem garantir pensamentos bem nutridos sobre o livro no Brasil.
EDUARDO DE CARVALHO ANDRADE
A irrelevância do nome
Dilma é quem controla a política econômica. Substituir o ministro da Fazenda por alguém não respeitado não contribuiria com nada
No contexto atual, o nome do ministro é irrelevante. Se Mantega sair, o mais provável é que ele seja substituído pelo "Guido do Mantega".
Questão importante para o governo é impedir que a inflação rompa o teto da meta de 6,5%. A pergunta que se coloca é a mesma já feita: o governo do PT fará os ajustes necessários nas políticas monetária e fiscal, ambas caminhando na mesma direção, para segurar a inflação?
Ao Banco Central foi concedido o direito de subir as taxas de juros. Não se sabe se terá autonomia para elevá-las na magnitude necessária.
No âmbito fiscal, questiona-se a pertinência da manutenção de Mantega. Ele é o que se pode chamar de "soldado do partido": segue as ordens do seu comandante. No governo Lula, respeitou o tripé macroeconômico --câmbio flexível, meta de inflação e seriedade fiscal-- herdado do antecessor, Antonio Palocci.
Quando veio a crise internacional de 2008, usou todos os instrumentos à disposição para impedir a recessão econômica. Por um lado, seguiu uma política fiscal expansionista anticíclica, com elevação dos gastos e concessão de isenções tributárias. Por outro, seguiu políticas menos convencionais, aumentando os desembolsos do BNDES e forçando os bancos públicos a expandirem os créditos. As medidas foram elogiadas ou toleradas em face da gravidade da crise.
No governo Dilma, Mantega seguiu a heterodoxia. A defesa da indústria nacional, a meta para a taxa de juros e políticas discricionárias com isenções fiscais para setores escolhidos de forma ad-hoc passaram a dar o tom.
Ele priorizou o câmbio desvalorizado, abandonou a seriedade no trato das contas públicas --com a contabilidade criativa-- e o centro da meta de inflação foi deixado de lado. Enfim, abandonou o tripé macroeconômico seguido por ele mesmo no passado.
Talvez o verdadeiro Mantega esteja mais próximo deste do governo Dilma do que aquele do governo Lula. Tendo em vista o perfil da presidenta, é impossível imaginar que ela tivesse permitido seu ministro dar uma guinada na política econômica sem o seu consentimento.
Depois de seguir a heterodoxia, é difícil para ele recuperar a credibilidade e fazer o ajuste fiscal.
Mas o ponto central é que o controle da política econômica está nas mãos da presidenta. Substituir o ministro da Fazenda por alguém desconhecido ou não respeitado não contribuiria em nada. A desconfiança de que seria mais um "soldado do partido" não se dissiparia.
A alternativa seria eleger um nome de peso como Henrique Meirelles, já especulado, que adotaria o próprio estilo. Seria uma postura pragmática da presidenta, na linha da adotada por Lula, além de um reconhecimento de que a política econômica até aqui foi um equívoco.
Se um dia essa possibilidade chegou a ser cogitada, hoje ela é remota. O motivo é simples: caso recebesse a autonomia na condução da política econômica, um nome de peso teria incentivos para aceitar fazer um ajuste fiscal no curto prazo, contando com a perspectiva de se manter mais quatro anos no cargo, com a presidenta reeleita. A reeleição se tornou bem mais incerta depois das manifestações que tomaram as ruas do país.
Nesse cenário, o nome do ministro da Fazenda é irrelevante, assim como especulações sobre a mudança do seu titular.
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