Em 28 palavras, duas que soam mal por aqui: fotão e Proca
Estado de Minas: 16/08/2013
No televisor aqui de casa, tenho tido um
problema que não me lembro de ter visto noutros lugares. O som das vozes
dos apresentadores chega depois, muito depois de suas falas. Explico: o
cavalheiro e a dama mexem os lábios indicativos de que estão falando e a
fala só chega aqui alguns segundos depois. Não é sempre que o fenômeno
acontece, mas tem acontecido com frequência nos programas ao vivo e em
cores.
Pensei que o descompasso entre imagem e som tivesse
cabimento e fui ao Google para ver as velocidades da luz e do som. Logo
de saída esbarrei num negócio chamado fotão, que soa mal no português do
Brasil, mas é como se chama o fóton em Portugal: “Acredita-se que o
fotão, a partícula de luz que medeia a força electromagnética, não
possui massa. A chamada acção de Proca descreve a teoria de um fotão
massivo”. Em 28 palavras, duas que soam mal por aqui: fotão e Proca.
Parei
com a luz e fui ao som para fugir do “princípio da incerteza de
Heisenberg na teoria quântica do campo”. Entre outras cousas igualmente
graves, descobri que a luz não viaja apenas à velocidade da luz. Sai
dessa, caro e preclaro leitor.
No capítulo da velocidade do som
aprendi que varia em diferentes materiais: borracha, 60 m/s; chumbo,
1250 m/s; ouro, 3240 m/s; vidro, 4540 m/s; cobre, 4600 m/s; alumínio,
6320 m/s.
Tirei meu time de campo. Depois do fotão e da acção de
Proca, só de imaginar a luz viajando acima da velocidade da luz deu-me
vontade de tomar um vinho tinto. Faz frio. Salut!
Cretinsom
Custei,
mas descolei belo neologismo para o som que se ouve por aí: cretinsom.
Recorri ao antepositivo do francês crétin (século XVIII), vocábulo
dialetal que designava, por comiseração, os 'débeis mentais acometidos
de papeira, muito numerosos outrora nas regiões montanhosas', e depois,
com intenção pejorativa, 'idiota, beócio', equivalente dialetal de
chrétien 'cristão'. Ocorre em vocábulos introduzidos desde o século XIX:
cretinação, cretinice, cretinismo, cretinístico, cretinização,
cretinizado, cretinizador, cretinizante, cretinizar, cretinizável,
cretino, cretinoide, cretinoso. E agora, com o apoio entusiasmado das
pessoas sérias, cretinsom.
Não consigo explicar esta onda quase
universal de botar o som nas alturas de alto-falantes cada vez mais
potentes. Faz tempo que ouço falar de sons automobilísticos que rebentam
os tímpanos, mas arrebentam mesmo e o idiota sai do seu carro surdo e
sangrando.
Nos bares e nas festas é impossível conversar. Ainda
que a esmagadora maioria das pessoas nada tenha para dizer, há 3% que
têm e ficam impedidas de externar suas opiniões e de ouvir sentenças
judiciosas. Ainda me lembro de entrevista do maestro Zubin Mehta, que
amanhã vai reger no Municipal do Rio, dizendo que depende de sua audição
para trabalhar. Convidado de honra para um show dos Rolling Stones,
mereceu cadeira de pista, o assento mais cobiçado e mais caro,
infelizmente ao pé de imensas caixas de som. O maestro passou o show
inteiro protegendo os ouvidos para não ficar surdo. Aparentemente
inevitável depois de “certa” idade, a surdez vem sendo antecipada pelas
novas gerações em nome sabe-se lá de quê. É burrice das grossas. Tenho
dito.
Filósofos
De uns tempos a esta
parte, venho notando que o pessoal exagera na outorga do título de
“filósofo” a cavalheiros e damas que podem ser muito simpáticos,
eventualmente inteligentes e bem-informados, sem que sejam filósofos. Se
o sujeito sabe tudo de futebol é comentarista esportivo, sem que seja
filósofo; se conhece história, política, segurança pública, não é
filósofo, mas historiador, analista político ou especialista em
segurança.
Filósofo é outro departamento. Basta ver na história
deste planeta quantos filósofos se destacaram nos últimos 2.600 anos. É
um Buda aqui, um Sócrates mais adiante, um Platão, um Aristóteles, um
Montaigne – talvez seja possível listar 100 nomes importantes, mas é
improvável uma listagem de 200 bons filósofos entre bilhões de pessoas
que passaram desta para a pior e bilhões que continuam por aí.
Chamar
certos idiotas de filósofos, como chamam aquela imbecil petista, é
ofender o pensar, o filosofar, a inteligência, a história da humanidade.
O mundo é uma bola
16 de agosto: faltam
137 dias para acabar o ano que parece ter começado ontem. Em 1519, após
se desfazer de suas naus, Hernán Cortés e seus homens adentram, como
dizem os locutores esportivos, o território mexicano. É aquela conversa
de “queimar os navios”. Em 1570, início da Inquisição nas colônias
espanholas da América estabelecida por carta assinada em Madrid.
Em
1773, publicação do Breve de Clemente XIV dissolvendo a Companhia de
Jesus em todo o planeta: pois sim! O papa Francisco é jesuíta e a Zona
da Mata de Minas tem um colégio da Companhia de Jesus, que me deu a
subida honra de reunir o seu corpo docente só para falar mal de mim.
Motivo: sugeri em crônica a fabricação de camisinhas sabor pêssego,
sabor laranja, sabor caju.
Ruminanças
“O
artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder
ser imbecil para todos, melhor ainda” (Nelson Rodrigues, 1912-1980).
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