sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Eduardo Almeida Reis-Velocidades‏

Em 28 palavras, duas que soam mal por aqui: fotão e Proca 



Estado de Minas: 16/08/2013 


No televisor aqui de casa, tenho tido um problema que não me lembro de ter visto noutros lugares. O som das vozes dos apresentadores chega depois, muito depois de suas falas. Explico: o cavalheiro e a dama mexem os lábios indicativos de que estão falando e a fala só chega aqui alguns segundos depois. Não é sempre que o fenômeno acontece, mas tem acontecido com frequência nos programas ao vivo e em cores.

Pensei que o descompasso entre imagem e som tivesse cabimento e fui ao Google para ver as velocidades da luz e do som. Logo de saída esbarrei num negócio chamado fotão, que soa mal no português do Brasil, mas é como se chama o fóton em Portugal: “Acredita-se que o fotão, a partícula de luz que medeia a força electromagnética, não possui massa. A chamada acção de Proca descreve a teoria de um fotão massivo”. Em 28 palavras, duas que soam mal por aqui: fotão e Proca.

Parei com a luz e fui ao som para fugir do “princípio da incerteza de Heisenberg na teoria quântica do campo”. Entre outras cousas igualmente graves, descobri que a luz não viaja apenas à velocidade da luz. Sai dessa, caro e preclaro leitor.

No capítulo da velocidade do som aprendi que varia em diferentes materiais: borracha, 60 m/s; chumbo, 1250 m/s; ouro, 3240 m/s; vidro, 4540 m/s; cobre, 4600 m/s; alumínio, 6320 m/s.

Tirei meu time de campo. Depois do fotão e da acção de Proca, só de imaginar a luz viajando acima da velocidade da luz deu-me vontade de tomar um vinho tinto. Faz frio. Salut!

Cretinsom

Custei, mas descolei belo neologismo para o som que se ouve por aí: cretinsom. Recorri ao antepositivo do francês crétin (século XVIII), vocábulo dialetal que designava, por comiseração, os 'débeis mentais acometidos de papeira, muito numerosos outrora nas regiões montanhosas', e depois, com intenção pejorativa, 'idiota, beócio', equivalente dialetal de chrétien 'cristão'. Ocorre em vocábulos introduzidos desde o século XIX: cretinação, cretinice, cretinismo, cretinístico, cretinização, cretinizado, cretinizador, cretinizante, cretinizar, cretinizável, cretino, cretinoide, cretinoso. E agora, com o apoio entusiasmado das pessoas sérias, cretinsom.

Não consigo explicar esta onda quase universal de botar o som nas alturas de alto-falantes cada vez mais potentes. Faz tempo que ouço falar de sons automobilísticos que rebentam os tímpanos, mas arrebentam mesmo e o idiota sai do seu carro surdo e sangrando.

Nos bares e nas festas é impossível conversar. Ainda que a esmagadora maioria das pessoas nada tenha para dizer, há 3% que têm e ficam impedidas de externar suas opiniões e de ouvir sentenças judiciosas. Ainda me lembro de entrevista do maestro Zubin Mehta, que amanhã vai reger no Municipal do Rio, dizendo que depende de sua audição para trabalhar. Convidado de honra para um show dos Rolling Stones, mereceu cadeira de pista, o assento mais cobiçado e mais caro, infelizmente ao pé de imensas caixas de som. O maestro passou o show inteiro protegendo os ouvidos para não ficar surdo. Aparentemente inevitável depois de “certa” idade, a surdez vem sendo antecipada pelas novas gerações em nome sabe-se lá de quê. É burrice das grossas. Tenho dito.

Filósofos

De uns tempos a esta parte, venho notando que o pessoal exagera na outorga do título de “filósofo” a cavalheiros e damas que podem ser muito simpáticos, eventualmente inteligentes e bem-informados, sem que sejam filósofos. Se o sujeito sabe tudo de futebol é comentarista esportivo, sem que seja filósofo; se conhece história, política, segurança pública, não é filósofo, mas historiador, analista político ou especialista em segurança.

Filósofo é outro departamento. Basta ver na história deste planeta quantos filósofos se destacaram nos últimos 2.600 anos. É um Buda aqui, um Sócrates mais adiante, um Platão, um Aristóteles, um Montaigne – talvez seja possível listar 100 nomes importantes, mas é improvável uma listagem de 200 bons filósofos entre bilhões de pessoas que passaram desta para a pior e bilhões que continuam por aí.

Chamar certos idiotas de filósofos, como chamam aquela imbecil petista, é ofender o pensar, o filosofar, a inteligência, a história da humanidade.

O mundo é uma bola

16 de agosto: faltam 137 dias para acabar o ano que parece ter começado ontem. Em 1519, após se desfazer de suas naus, Hernán Cortés e seus homens adentram, como dizem os locutores esportivos, o território mexicano. É aquela conversa de “queimar os navios”. Em 1570, início da Inquisição nas colônias espanholas da América estabelecida por carta assinada em Madrid.

Em 1773, publicação do Breve de Clemente XIV dissolvendo a Companhia de Jesus em todo o planeta: pois sim! O papa Francisco é jesuíta e a Zona da Mata de Minas tem um colégio da Companhia de Jesus, que me deu a subida honra de reunir o seu corpo docente só para falar mal de mim. Motivo: sugeri em crônica a fabricação de camisinhas sabor pêssego, sabor laranja, sabor caju.

Ruminanças
“O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda”  (Nelson Rodrigues, 1912-1980).


Nenhum comentário:

Postar um comentário