Banho de sangue
SÃO PAULO - A culpa pelo massacre no Egito cabe obviamente às autoridades que determinaram a ação policial, mas o Ocidente tem lá sua parcela de responsabilidade ao não ter condenado com a veemência necessária o golpe militar que apeou a Irmandade Muçulmana do poder.
Como todo ateu, tenho horror a agendas religiosas e pânico de teocracias. Temo, porém, que a solução fácil de cortar pelas armas os destemperos de governos de inspiração islâmica, como o era o de Mohammed Mursi, contribua mais para perenizar o problema do que para resolvê-lo.
O precedente clássico é o da Argélia. Em 1992, o partido religioso FIS (Frente Islâmica de Salvação) estava prestes a vencer as eleições, o que levou o governo a cancelar o pleito, num gesto que foi aplaudido por várias democracias ocidentais. O golpe, contudo, deu lugar a uma sangrenta guerra civil que durou quase uma década e produziu 100 mil cadáveres.
A grande verdade é que países não se tornam democracias porque um dia acordam dispostos a virar uma. O processo é bem mais conturbado e exige que os principais atores meçam forças e concluam que a busca da hegemonia política seria mais custosa que um acordo que permita, em princípio, a todas as partes exercer o poder por prazo limitado. O fato de um dos grupos acreditar-se legitimado por uma força superior só complica a equação. No Ocidente, levamos uns 500 anos para promover a revolução secular, que enfim destronou a igreja do reino da política.
Pode-se argumentar que golpe no Egito, ao mostrar aos religiosos que não poderiam mandar sozinhos, inscreve-se nesse esquema. Talvez, mas um avanço real teria exigido que os egípcios, com apoio do Ocidente, tivessem passado esse mesmo recado sem recorrer à força. A democracia, afinal, só vem quando todos aceitam que as regras de disputa controlada com alternância no poder e continuidade institucional são a forma menos custosa de administrar conflitos.
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