Vesículas no céu
RIO DE JANEIRO - No dia 1º último, o jornalista, professor e psicólogo Ruy Fernando Barboza, em seu blog, despediu-se da vesícula que estava prestes a operar: "Setenta anos juntos, meu amor, sem nenhuma briga nem discussão. Apesar de todas as minhas traições e pecados --picanhas, torresmos, quibes, tartares, dendês e olivas, chantilis, castanhas e abacates a granel. A tudo você, processando, perdoava. Até que um dia --a última quinta-feira-- você teve morte súbita."Meu luto foi dos mais doloridos desta vida. E, como o primeiro médico achou que era gastrite, foi uma semana gemendo, desesperado. (...) Bem, amanhã me torno definitivamente viúvo de você. Nunca vou te esquecer, nem a vida maravilhosa que você me proporcionou. Tomara que, se existir céu, haja um lugar para as vesículas, e sei que, lá, você terá um lugar de destaque, ao lado das do Orson Welles, Hitchcock, Tim Maia, Pavarotti e outras referências culturais de nós dois, minha eterna amada".
Ruy fechou o computador e internou-se num hospital em Florianópolis, onde estava morando, para uma videolaparoscopia --a retirada da vesícula. A cirurgia só pôde ser feita no dia 8, depois de uma endoscopia para a remoção das pedras que haviam migrado para o canal biliar. Os dois procedimentos foram um sucesso, mas, no dia seguinte, surgiram complicações respiratórias. Tudo foi tentado, mas, no domingo, 11, ele se foi.
Em São Paulo, sua cidade, Ruy era amado e admirado. Em 1979, resolveu trocar a imprensa pela psicologia e demitiu-se da "Playboy". Fui eu que o sucedi. Daquela Redação, das melhores que conheci, desde então já perdemos Mario Escobar de Andrade, Fernando Pessoa Ferreira, Marco Aurélio Borba, Geraldo Mayrink e Geraldo (Kiko) Galvão Ferraz. E, agora, Ruy.
Não podia adivinhar que seu adeus à vesícula era também a todos nós.
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