terça-feira, 20 de agosto de 2013

MARIA ESTHER MACIEL » Conversa no táxi‏


Estado de Minas: 20/08/2013 


Tento, sempre que possível, não dirigir no trânsito infernal de Belo Horizonte. Carros em excesso, gentileza de menos, descuidos em nome da pressa e escassez de vagas para estacionar são alguns dos motivos. Mas não é disso que quero tratar aqui hoje. Se menciono tais problemas é apenas para introduzir o caso que se segue.

Tudo aconteceu na semana passada, quando resolvi tomar um táxi para ir até o Barro Preto. Assim que entrei no carro e indiquei meu trajeto, reparei que havia uma caixa de sabão em pó sobre o assento, ao meu lado. Mostrei-a ao motorista e ele me disse que devia ser da mulher que tinha embarcado na porta de um supermercado e descido perto de onde o chamei. E completou: “As pessoas vivem esquecendo coisas no carro”. Curiosa, perguntei que tipo de objetos elas costumavam esquecer lá. “Quando o tempo está ruim, todo mundo esquece o guarda-chuva. Tenho um monte lá em casa. Mas fora desses dias, o que o povo mais esquece é celular.”Aí me explicou que, quando isso acontece, liga para o último número registrado no telefone para tentar localizar o dono. Depois, pôs-se a listar vários outros objetos já encontrados no banco traseiro: documentos, sacolas de compras, óculos, pastas, livros e mochilas.

Quando lhe perguntei qual tinha sido a coisa mais estranha deixada no carro, ele riu e não hesitou na resposta: “Uma dentadura”. Contou-me que pertencera a um senhor idoso que, quase na hora de desembarcar, deu um forte espirro. “Foi tão forte que a dentadura voou para longe”, completou. Disse ainda que o tal senhor, de tão constrangido com a situação, preferiu não procurar a dentadura no chão. Saiu apressado, com a mão sobre a boca, sem dar uma palavra. “Tive pena, mas não pude fazer nada”, acrescentou.

Já quase no final da viagem, o motorista ainda relatou outro caso, qualificando-o de “horrível”. Segundo ele, um cara engravatado tinha esquecido sobre o assento uma carteira com US$ 3 mil e um molho de chaves. Em suas palavras: “Quando vi a quantidade de dinheiro, procurei na carteira algum documento do sujeito. Achei a identidade e um maço de cartões de visita com o mesmo nome. Como no cartão tinha um número de telefone, liguei. Quem atendeu confirmou ter perdido aquelas coisas e marcou um encontro comigo no segundo andar da rodoviária”.

O motorista, então, contou ter ido lá na hora marcada. Mas para sua surpresa, o tal engravatado estava acompanhado de dois policiais. Tão logo se identificou como taxista, foi acuado por eles e revistado de forma rude. Assustado, perguntou o que estava acontecendo. Aí soube que as chaves eram dos cofres de uma empresa e o dinheiro fora retirado para um pagamento importante. O engravatado, com receio de alguma chantagem, tinha chamado a polícia para ir junto. Mas tão logo constatou que se tratava, mesmo, apenas de um homem honesto que queria devolver os dólares e as chaves, pediu desculpas a ele, dizendo que pretendia recompensá-lo. O taxista, por sua vez, recusou a gratificação e foi embora furioso, deixando todos desconcertados. O que ele me falou quando saí do carro foi o seguinte: “Neste país, quem é honesto só leva ferro. Vivo me ferrando. Mas não vou virar bandido por conta disso, né?”.

De fato, um moço de brio. Será que, um dia, o Brasil vai aprender a respeitá-lo?


>>  memaciel.em@gmail.com

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