Namorado de jornalista que revelou esquema de espionagem americano cobra ação do Brasil
Chanceler brasileiro pede explicações a colega britânico e critica "desvios" na política de combate ao terrorismo
O Reino Unido minimizou ontem a detenção do estudante brasileiro David Miranda, 28, que no domingo foi retido com base em uma lei antiterrorismo quando fazia uma escala no aeroporto de Heathrow, em Londres.
Miranda, que foi liberado após interrogatório, é companheiro do jornalista Glenn Greenwald, autor das reportagens que revelaram a existência de esquema de espionagem da NSA (a agência de segurança nacional dos EUA).
Um porta-voz do premiê David Cameron saiu em defesa da lei antiterror. "Cabe à polícia decidir quanto à necessidade e à proporção do uso desses poderes", afirmou ao jornal "The Guardian".
Em nota, a embaixada britânica no Brasil afirmou que o assunto "continua sendo uma questão operacional da Polícia Metropolitana de Londres". O comunicado foi divulgado após o chanceler Antônio Patriota ter abordado o assunto em conversa telefônica com seu colega britânico William Hague.
Antes do telefonema, Patriota afirmara no Rio que a ação "não é justificável com base numa lei que se aplica a suspeitos por terrorismo".
Em evento para lembrar os dez anos da morte de Sergio Vieira de Mello, o chanceler disse que o brasileiro, funcionário da ONU, não aceitaria "desmandos e desvios no combate ao terrorismo", em clara referência ao caso.
"O terrorismo precisa ser combatido com muita seriedade, mas defendemos que seja dentro das boas práticas multilaterais. [...] Sem enquadrar pessoas em que não há justificativa alguma de suspeita de envolvimento com terrorismo", disse.
Miranda ficou detido em uma sala com seis agentes da Scotland Yard, quando fazia escala no país para voltar de Berlim ao Rio. De acordo com os britânicos, sua detenção durou menos de nove horas, mas, em entrevista à Folha, ele disse ter passado onze horas em poder dos agentes.
Miranda teve equipamentos apreendidos e permaneceu incomunicável. "Perguntaram sobre a minha vida inteira, sobre tudo. Seguraram o meu computador, videogame, celular, pen drives, máquina fotográfica", contou.
A viagem de Miranda foi financiada pelo "Guardian", para o qual Greenwald trabalha. Lá, ele visitou Laura Poitras, documentarista que auxilia o jornalista na divulgação dos documentos repassados pelo ex-técnico da NSA Edward Snowden.
A Casa Branca informou que as autoridades britânicas avisaram os EUA antes de prender Miranda, mas negou ter pedido a prisão e o interrogatório do brasileiro.
O embaixador britânico no Brasil, Alex Ellis, foi convocado para dar explicações.
Ao desembarcar no Brasil, o estudante de Comunicação disse esperar uma atitude firme do governo brasileiro.
"Espero que o governo brasileiro faça alguma coisa, porque a gente não sabe o que está acontecendo de verdade", afirmou Miranda. (DIANA BRITO, ITALO NOGUEIRA E BERNARDO MELLO FRANCO)
BERNARDO MELLO FRANCODE LONDRESO brasileiro David Miranda só poderia ser detido pela polícia britânica se fosse suspeito de terrorismo. A afirmação é do ouvidor independente David Anderson, que vai investigar se houve abuso na ação da Scotland Yard.
Ele disse à Folha que pode recomendar mudanças na lei antiterror se ficar constatado que o brasileiro foi detido ilegalmente no aeroporto.
"Posso dizer que a ação da polícia foi muito atípica. É raro alguém ser detido por nove horas com base na lei antiterror", afirmou o ouvidor.
"A lei dá poderes excepcionais e só pode ser usada em casos específicos. Se a polícia não tiver motivo para acreditar que o cidadão seja terrorista, ele deve ser liberado imediatamente", disse.
Anderson vai investigar se houve abuso na aplicação das leis antiterrorismo, que dão poderes especiais às autoridades desde 2000.
As autoridades britânicas são obrigadas, por lei, a apresentar uma justificativa clara ao ouvidor.
Se concluir que houve abusos, ele deve enviar um relatório especial ao Parlamento e sugerir mudanças imediatas na legislação.
Mais cedo, deputados da oposição trabalhista criticaram a detenção do brasileiro. Yvette Cooper, responsável por fiscalizar o Ministério do Interior, cobrou uma investigação urgente do caso.
"Qualquer suspeita de que os poderes contra o terrorismo estão sendo usados de forma incorreta deve ser investigada e esclarecida com urgência", afirmou.
Ele disse à Folha que pode recomendar mudanças na lei antiterror se ficar constatado que o brasileiro foi detido ilegalmente no aeroporto.
"Posso dizer que a ação da polícia foi muito atípica. É raro alguém ser detido por nove horas com base na lei antiterror", afirmou o ouvidor.
"A lei dá poderes excepcionais e só pode ser usada em casos específicos. Se a polícia não tiver motivo para acreditar que o cidadão seja terrorista, ele deve ser liberado imediatamente", disse.
Anderson vai investigar se houve abuso na aplicação das leis antiterrorismo, que dão poderes especiais às autoridades desde 2000.
As autoridades britânicas são obrigadas, por lei, a apresentar uma justificativa clara ao ouvidor.
Se concluir que houve abusos, ele deve enviar um relatório especial ao Parlamento e sugerir mudanças imediatas na legislação.
Mais cedo, deputados da oposição trabalhista criticaram a detenção do brasileiro. Yvette Cooper, responsável por fiscalizar o Ministério do Interior, cobrou uma investigação urgente do caso.
"Qualquer suspeita de que os poderes contra o terrorismo estão sendo usados de forma incorreta deve ser investigada e esclarecida com urgência", afirmou.
Sob ameaça
'Guardian' diz ter destruído dados Vazados
Emissários do premiê britânico, David Cameron, obrigaram o jornal "The Guardian" a destruir material sobre espionagem vazado pelo americano Edward Snowden, escreveu o editor-chefe do jornal, Alan Rusbridger. Se não cumprisse a recomendação, o jornal seria processado, segundo Rusbridger. Agentes teriam acompanhado a destruição de discos rígidos no porão do jornal, no mês passado.
Entrevista
Estudante de marketing, ele é companheiro do jornalista britânico Glenn Greenwald, que revelou o conteúdo de parte dos arquivos de Snowden.
Folha - Qual o motivo da ida para a Alemanha?
David Miranda - Levar alguns dados para a Laura [Poitras], que trabalha com o Glenn desde o início do caso Snowden e trazer dados armazenados em dois pendrives e um HD. Tudo foi apreendido. Não sei nada sobre o conteúdo.
Como foi a abordagem da polícia britânica?
Embarquei em Berlim, com conexão em Londres. Lá a comissária avisou que todos deveriam sair com o passaporte em mãos. Três oficiais me esperavam. Ao verem meu passaporte, um disse: "Me acompanhe por favor, senhor."
A Scotland Yard informou que você foi detido por nove horas com base na Lei de Combate ao Terrorismo.
Mentira. Foram 11 horas. Antes de seguir para a sala, fiquei duas horas circulando com os oficiais.
Como foi o interrogatório?
Fui levado para uma sala branca, sem janelas, com quatro cadeiras, uma mesa e uma máquina para registrar impressões digitais. Fiquei ali nove horas, sendo ameaçado de prisão. De 30 em 30 minutos, me ofereciam água. Eu não bebia. Jogavam o líquido fora. Pegaram minha bagagem de mão. Vasculharam tudo. Sumiram um aparelho roteador e um "smartwatch".
O que eles queriam saber?
Eles me perguntaram várias vezes sobre minha relação com Glenn e minha participação no trabalho dele. Andavam em volta de mim enquanto falavam. Foi um ataque psicológico. Queriam saber se eu tinha acesso ao conteúdo enviado por Snowden. Expliquei que meu trabalho com Glenn estava restrito à área de marketing.
O que mais perguntaram?
Por que as pessoas protestavam nas ruas do Brasil.
Você suspeitou que estava sendo monitorado?
Estranhei quando não pude antecipar o voo a Londres e quando disseram que não tinha como comprar outra passagem. Na Alemanha, fui a um bar com a Laura e uma funcionária dela, que estava com uma mochila, que cheguei a carregar por alguns momentos. Quando estávamos no bar, a mochila sumiu.
'Fiquei 9 horas na sala recebendo ameaça de prisão'
FABIO BRISOLLADO RIOO carioca David Michael dos Santos Miranda, 28, diz que, após duas horas circulando no aeroporto de Heathrow (Londres) sob custódia de agentes da Scotland Yard, ficou nove horas sendo interrogado. Ele diz que teve confiscados equipamentos em que havia arquivos de Edward Snowden.Estudante de marketing, ele é companheiro do jornalista britânico Glenn Greenwald, que revelou o conteúdo de parte dos arquivos de Snowden.
Folha - Qual o motivo da ida para a Alemanha?
David Miranda - Levar alguns dados para a Laura [Poitras], que trabalha com o Glenn desde o início do caso Snowden e trazer dados armazenados em dois pendrives e um HD. Tudo foi apreendido. Não sei nada sobre o conteúdo.
Como foi a abordagem da polícia britânica?
Embarquei em Berlim, com conexão em Londres. Lá a comissária avisou que todos deveriam sair com o passaporte em mãos. Três oficiais me esperavam. Ao verem meu passaporte, um disse: "Me acompanhe por favor, senhor."
A Scotland Yard informou que você foi detido por nove horas com base na Lei de Combate ao Terrorismo.
Mentira. Foram 11 horas. Antes de seguir para a sala, fiquei duas horas circulando com os oficiais.
Como foi o interrogatório?
Fui levado para uma sala branca, sem janelas, com quatro cadeiras, uma mesa e uma máquina para registrar impressões digitais. Fiquei ali nove horas, sendo ameaçado de prisão. De 30 em 30 minutos, me ofereciam água. Eu não bebia. Jogavam o líquido fora. Pegaram minha bagagem de mão. Vasculharam tudo. Sumiram um aparelho roteador e um "smartwatch".
O que eles queriam saber?
Eles me perguntaram várias vezes sobre minha relação com Glenn e minha participação no trabalho dele. Andavam em volta de mim enquanto falavam. Foi um ataque psicológico. Queriam saber se eu tinha acesso ao conteúdo enviado por Snowden. Expliquei que meu trabalho com Glenn estava restrito à área de marketing.
O que mais perguntaram?
Por que as pessoas protestavam nas ruas do Brasil.
Você suspeitou que estava sendo monitorado?
Estranhei quando não pude antecipar o voo a Londres e quando disseram que não tinha como comprar outra passagem. Na Alemanha, fui a um bar com a Laura e uma funcionária dela, que estava com uma mochila, que cheguei a carregar por alguns momentos. Quando estávamos no bar, a mochila sumiu.
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