terça-feira, 20 de agosto de 2013

Os sinais inglórios da demência

Segundo cientistas, adultos com dificuldade para reconhecer famosos têm mais chances de desenvolver problemas neurodegenerativos 


Bruna Sensêve


Estado de Minas: 20/08/2013 

De repente, uma certa dificuldade em reconhecer a Xuxa, o Sílvio Santos ou mesmo o Pelé em fotografias. As imagens podem até passar uma sensação de “essa pessoa tinha um programa de televisão” ou “jogava futebol”, mas continua impossível recordar o nome dela. Segundo pesquisadores da Escola de Medicina da Northwestern University Feinberg, em Chicago (EUA), esses são sinais de uma demência inicial característica de doenças neurodegenerativas, como a afasia. A equipe liderada por Tamar Gefen aplicou testes simples de reconhecimento e nomeação de pessoas famosas em voluntários saudáveis e diagnosticados com o mal. Os resultados, segundo Gefen, podem ajudar no diagnóstico clínico de pacientes ainda jovens, com idade entre 40 e 65 anos, que vão desenvolver o problema.

A dificuldade em recordar os nomes das pessoas é um sintoma comum do avanço da idade. Mas déficits mais graves, especialmente quando acompanhados por prejuízos de reconhecimento de face, fazem parte de doenças neurodegenerativas que danificam a linguagem e as redes neurológicas de identificação de objetos. Com o objetivo de também avaliar as correlações anatômicas do cérebro com essas funções cognitivas, os pesquisadores usaram um teste desenvolvido na própria universidade conhecido como Nufface. Foram selecionados 30 indivíduos já diagnosticados com afasia primária progressiva e outros 27 voluntários saudáveis.

Os voluntários analisaram 20 imagens em preto e branco de pessoas bastante conhecidas do público americano, como Elvis Presley, princesa Diana, Oprah Winfrey e o ex-presidente George W. Bush. Os cientistas buscaram registrar a capacidade dos participantes em nomear os rostos famosos, além do simples reconhecimento da pessoa ao citar uma característica sobre ela. Os participantes receberam pontos para cada rosto que puderam nomear. Se não conseguissem fazer essa tarefa, eram convidados a identificar a pessoa famosa por meio de uma descrição ou um detalhe relevante. Ganharam mais pontos aqueles que forneceram pelo menos dois detalhes. Os dois grupos também foram submetidos a exames cerebrais de ressonância magnética funcional.
Frente à imagem de Albert Einstein, alguns pacientes se mostraram confusos. “Não sei… cientista... E=MC²”, disse um deles, sem lembrar o nome do físico alemão. Barbra Streisand foi identificada como uma política ou jurista por pacientes que não conseguiram se lembrar da atriz ganhadora de dois Oscars e íntima do público americano. “Os rostos famosos foram especificamente escolhidos pela relevância deles para os indivíduos com menos de 65 anos para que o teste fosse útil no diagnóstico de demência em indivíduos mais jovens”, explica Emily Rogalski, coautora do trabalho publicado, neste mês, na revista científica Neurology, da Academia Americana de Neurologia.

Os resultados mostraram que pessoas com demência inicial tiveram um desempenho significativamente pior no teste, marcando uma média de 79% no reconhecimento de rostos famosos e 46% na nomeação, comparados a 97% e 93% atingidos, respectivamente, pelos participantes saudáveis. “Além do valor prático para nos ajudar a identificar as pessoas com demência precoce, esse teste pode ajudar a compreender como funciona o cérebro no momento de lembrar e recuperar palavras e objetos conhecidos”, acredita Gefen. 

Para a pesquisadora, os resultados também demonstraram que pacientes com afasia podem ter deficiências de identificação de rosto que refletem de forma diferente os déficits de nomeação e de reconhecimento no cérebro. Com a análise dos exames de ressonância magnética, o estudo também mostrou que pessoas com dificuldade em nomear os rostos eram mais propensas a uma perda de tecido no lobo temporal esquerdo do cérebro, enquanto que aquelas com dificuldade de reconhecer os rostos tinham uma perda de tecido em ambos os lados do lobo temporal.

Adaptações Neurologista do Centro de Dor e Neurologia Funcional do Hospital 9 de Julho, em São Paulo, Custódio Michailowsky acredita que esse deve ser mais um teste para o diagnóstico precoce da demência, mas há a necessidade de ele ser regionalizado com figuras mais íntimas ao público brasileiro. Michailowsky explica que a afasia é um dos 140 tipos de demência, geralmente associada a uma atrofia do lobo temporal, sendo as de maior incidência o mal de Alzheimer, a demência vascular e a demência de corpos de Lewy. Ele estima que a afasia atinge entre 1% e 5% da população. 

“A pessoa tem dificuldade em nomear objetos. Ela anda e exerce as atividades normalmente, mas tem dificuldade de se comunicar. Já no Alzheimer acontece a perda da memória ultrarrecente. A pessoa esquece o que iria fazer, por exemplo. Sai do quarto, vai para a sala e esquece o que faria lá, mas vai reconhecer os rostos. A memória retrógrada funciona bem e ela consegue reconhecer tudo.”

O neurologista acredita ainda que a demência pugilista, causada pelas pancadas na cabeça durante lutas, deverá estar, em cerca alguns anos, entre as mais prevalentes. São pequenos traumatismos que podem levar a inflamações e a uma perda neuronal que ocasiona problemas cognitivos. “O Maguila tem o tipo de demência pugilista, assim como o famoso boxeador Muhammad Ali, que desenvolveu o mal de Parkinson por causa do pugilismo e, agora, apresenta quadro de demência”, exemplifica. Michailowsky ressalta que, para as doenças neurodegenerativas, ainda não existe cura ou tratamento que estacione a deterioração neural. São feitos cuidados paliativos com fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais.

Aplicação limitada

“A afasia é um tipo de doença neurodegenerativa menos conhecida que a doença de Alzheimer, mas se comporta de forma semelhante. O trabalho busca relacionar os sintomas iniciais com a região anatômica comprometida no primeiro estágio da doença. Clinicamente, os resultados encontrados não possibilitam muita coisa. O estudo busca o conhecimento anatômico mais relacionado ao diagnóstico: dependendo da forma de apresentação, é possível denominar qual tipo de doença mais provável. Talvez, no futuro, ele dê indícios de mudança de comportamento da doença, o que pode facilitar a descoberta de algum tratamento para ajudar, de alguma forma, a detectar a doença precocemente. 

Ainda assim, é pouco animador porque, independentemente do que for diagnosticado, ainda não há um tratamento diferenciado que possa ser aplicado. E não tem nada que a gente possa fazer na fase inicial para impedir a doença de se definir como um quadro demencial.” 

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