terça-feira, 20 de agosto de 2013

Editoriais FolhaSP - Charge

folha de são paulo
Detenção sob suspeita
Soa como tentativa de intimidação da imprensa a detenção temporária, por autoridades de segurança britânicas, do brasileiro David Miranda, 28.
Miranda namora Glenn Greenwald, o jornalista americano que revelou o escândalo de espionagem global de telecomunicações conduzido por agências dos EUA.
A maior parte das reportagens de Greenwald, radicado no Rio de Janeiro, foi publicada pelo jornal britânico "The Guardian". Para escrevê-las, o profissional se baseou em documentos obtidos por Edward Snowden, ex-técnico do serviço de segurança americano.
Jornalistas, como se sabe, prestam um serviço ao divulgar informações de interesse público e não estão sujeitos às mesmas leis que criminalizam o delator --e que permitiram que os EUA formalizassem acusação contra Snowden.
Por essa razão, governos democráticos recorrem a expedientes diversos quando pretendem atingir jornalistas incômodos. Foi, sem dúvida, o que fez o Reino Unido.
A lei britânica de combate ao terrorismo autoriza agentes a parar, revistar, questionar e deter, sem motivação prévia, qualquer indivíduo que transite por porto, aeroporto ou fronteira do país.
Sobre David Miranda não pairam suspeitas de ligação com terrorismo. Sem sua relação com Greenwald, é improvável que a lei fosse aplicada. Fortalecem tal interpretação a anuência dos EUA e o fato de que menos de 3 a cada 10 mil pessoas que passam pelo país são submetidas a esse procedimento.
Mais de 97% das detenções levam menos de uma hora. Miranda passou oito horas e 55 minutos sob interrogatório --o prazo máximo previsto pela lei é de nove horas.
Todos os seus aparelhos eletrônicos foram confiscados. O brasileiro viajara a Berlim, com despesas pagas pelo "Guardian", para encontrar uma colaboradora de Greenwald, com quem Miranda trocou informações sobre os documentos de Snowden.
O ouvidor da legislação de terrorismo britânica declarou que o caso foi incomum e requer explicações. O chanceler brasileiro, Antonio Patriota, disse que questionará o governo do Reino Unido.
O mais provável é que Londres insista no amparo legal da ação. Mas a lamentável verdade é que, mesmo que se retrate, já terá contribuído para macular o princípio segundo o qual, nas democracias, a imprensa não deve sofrer ameaças enquanto faz o seu trabalho.
    eDITORIAIS
    editoriais@uol.com.br
    Cenário perigoso
    Disparada do dólar agrava risco de inflação e ameaça bandeira dos juros baixos; condução da economia torna-se ainda mais difícil
    Por dever de ofício, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou na semana passada que não têm fundamento as análises pessimistas a respeito do crescimento da economia brasileira.
    Não se exclui, é claro, que o ministro de fato acredite no que diz. Ele tem razão, por exemplo, ao lembrar que a inflação está em queda --ao menos por ora-- e ao depositar alguma esperança nas licitações de obras de infraestrutura, neste segundo semestre.
    A realidade, porém, se mostra mais complexa --a começar pelo câmbio. Apesar das intervenções do Banco Central, o dólar disparou nas últimas semanas e, ontem, fechou o dia acima de R$ 2,40.
    Verdade que a valorização da moeda americana é um fenômeno global. Mas sua intensidade no Brasil tem sido maior que a média.
    Uma das consequências para o país é o agravamento do risco inflacionário. Com o dólar mais caro, aumentam os custos das empresas que utilizam insumos importados, e repasses ao consumidor tendem a ser inevitáveis. Estima-se que, com a atual cotação, a inflação possa subir de 6,27% (acumulada em 12 meses) para até 7%.
    A desvalorização do real também impõe prejuízos bilionários à Petrobras --a estatal importa combustíveis e os revende a um preço inferior, sob controle do governo. A empresa clama por um reajuste para não inviabilizar planos de investimento, mas cada 10% de aumento na gasolina eleva o IPCA em meio ponto percentual.
    Há também o represamento das tarifas de transporte e energia. A falta de planejamento do governo desorganizou a área elétrica. Esgotaram-se os recursos de fundos setoriais e será inevitável um repasse ao consumidor.
    Fica claro que o trabalho de combate à inflação do BC não é facilitado pelo governo. Não por acaso, os juros no mercado só fazem subir, a despeito do crescimento pífio da economia e da grande probabilidade de alta no desemprego.
    O mercado financeiro já projeta juros de 10% ao final deste ano e acima de 12% a longo prazo. Começa a desbotar outra das sonhadas bandeiras do governo --a dos juros baixos. Questiona-se, assim, se o crescimento de 2014 será mesmo maior que o deste ano.
    O acúmulo de decisões voluntaristas e inconsistentes cobra sua fatura. O ambiente externo mais adverso é apenas o estopim.
    Ainda não chega a ser o caso de falar em crise, pois há margem de manobra --do lado fiscal, por exemplo, há o que fazer para restaurar um semblante de seriedade.
    Não se pode ignorar, contudo, que certas crises demoram a chegar, mas atingem com mais força aqueles que não se preparam para seus efeitos. E o governo Dilma Rousseff não parece ter-se dado conta de que as dificuldades se avolumam.

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