O tempo da poesia
Nahima Maciel
Estado de Minas: 17/08/2013
Antonio Cícero avisa: "O poema é bom quando vale por si" |
O poeta admite que não sabe contar histórias, mas passa um bom tempo, praticamente o tempo inteiro, tentando agarrar o “passageiro”, aquilo que é breve, transitório. Ele compara o ofício da poesia com um vasto continente. “(…) ser um poeta é uma África”, escreve. Nessa imensidão sem fim, o poeta cego, abandonado pelo ego e pelo próprio ser, continua a versejar. A poesia é um dos temas mais frequentes de Porventura (Companhia das Letras), o terceiro livro de poemas de Antonio Cícero, que lhe deu o Prêmio ABL em 2013, concedido pela Academia Brasileira de Letras.
Parece que escrever sobre a própria arte de versejar ajuda a encontrá-la, a agarrá-la e a compreendê-la. Mas há outros temas que permeiam os versos e motivam o poeta. O tempo e a efemeridade da vida são alguns deles. “Conhece da humana lida/ a sorte:/ o único fim da vida/ é a morte/ e não há, depois da morte,/ mais nada”, escreve.
O conjunto de versos de Porventura é fruto de uma lentidão própria da poesia. Cícero ficou conhecido quando se tornou parceiro da irmã, Marina Lima, ao assinar os versos de canções como Fullgás e Pra começar. A poesia veio em seguida, mas sempre de maneira muito esporádica. Guardar, o primeiro livro de versos dele, foi publicado em 1996, e A cidade e os livros, em 2002.
Os versos de Porventura levaram uma década para amadurecer. Ao fim de 2011, quando escreveu um poema chamado “Nihil”, Cícero achou que poderia lapidar o livro excluindo alguns versos, escrevendo outros e modificando uns tantos. A poesia, para ele, é uma forma de acessar outra temporalidade, e independe da vontade e da disciplina do poeta. Ela simplesmente acontece e, quando bate à porta, já vem com a intenção de carregar o autor dos versos. “Quem começa a fazer um poema tem que se deixar levar pelo tempo que ele exija”, alerta.
Não basta querer escrever um poema, é preciso ser escolhido por ele. É diferente da filosofia, à qual Cícero, de 67 anos, dedicou a formação acadêmica e com a qual se posiciona no mundo. “Quando decido escrever um texto filosófico, faço-o para intervir, isto é, para tomar posição, para tomar partido em discussões sobre questões fundamentais que dizem respeito ao sentido do conhecimento, do ser, da vida, dos valores éticos e estéticos etc. Em última análise, quando escrevo um texto filosófico, faço-o porque suponho ter algo a dizer que possa fazer alguma diferença”, diz. No ano passado, ele também publicou Poesia e filosofia (Civilização Brasileira), série de ensaios sobre as ligações entre os dois gêneros.
Duas perguntas para...
Antonio Cícero
Poeta e filósofo
Qual o espaço da filosofia na sua escrita?
Em última análise, quando escrevo um texto filosófico, faço-o porque suponho ter algo a dizer que possa fazer alguma diferença: algo que possa mudar para melhor o modo de as pessoas pensarem ou agirem em relação a alguma coisa. E tenho a pretensão de que tal mudança possa ser, de algum modo, importante: de que, ainda que numa escala ínfima, ela possa tornar o mundo melhor. Logo, sinto certa urgência, e mesmo certa obrigação ética de escrevê-lo.
E qual é o espaço da poesia?
A maravilha da poesia consiste justamente em nos dar acesso a outra temporalidade, que nada tem a ver com essa temporalidade prática, política, utilitária, instrumental a que, em última análise, a filosofia está ligada. Por isso, não sinto a mesma urgência em escrever poemas. Quem começa a fazer um poema tem que se deixar levar pelo tempo que ele exija. Ele pode ficar pronto em pouco tempo, mas pode demorar dias, semanas, meses, anos. E pode jamais ficar pronto ou ficar bom. E o poema é bom quando vale por si. Ora, nada me dá tanta satisfação quanto fazer algo que penso valer por si.
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