11 dependentes químicos foram selecionados para tratamento em instituição filantrópica de Campinas, interior de SP
Estado anunciou meta de 300 parcerias, mas só 34 entidades já toparam receber internos por R$ 1.350
Os primeiros 11 dependentes químicos selecionados para receber um crédito mensal de R$ 1.350 para tratamento estão sendo atendidos em uma instituição filantrópica de Campinas (a 93 km de SP).
Sorocaba e Ribeirão Preto devem ser as próximas.
O Estado, no entanto, ainda patina para conseguir as parcerias com entidades interessadas no programa --batizado de "Recomeço".
Da meta de 300 anunciada no primeiro semestre, só 34 já toparam receber residentes pelo valor estipulado e deram início ao credenciamento na Secretaria de Justiça.
A bolsa que ficou conhecida como "anticrack" foi anunciada pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) em maio, com a justificativa de tentar evitar que viciados que passaram por desintoxicação em hospitais e clínicas públicas tenham recaídas.
Cada beneficiado terá R$ 1.350 mensais, repassados pelo governo às comunidades terapêuticas (entidades que acolhem dependentes químicos), por até seis meses.
A iniciativa é motivo de divergência entre especialistas.
As 11 pessoas que já estão em tratamento--nove dependentes de crack e dois de entorpecentes como cocaína-- estão acolhidas na instituição Padre Haroldo.
Encaminhadas pela Prefeitura de Campinas ao Estado, elas dividem quartos e passam por atividades físicas e acompanhamento psicológico, com tarefas que vão das 5h30 às 22h. No local, há 120 dependentes, dos quais 11 estão incluídos na "bolsa anticrack" do Estado. Os demais pagam R$ 2.400 por mês.
Na rotina da entidade, além do tratamento, os residentes participam da limpeza e do preparo da comida.
Apesar de ter sido criada por um padre, a instituição não se define como religiosa.
Por enquanto, não houve desistência. Mas, segundo Cesar Rosolen Jorge, gestor técnico da Padre Haroldo, cerca de 50% dos residentes costumam desistir do tratamento logo no primeiro mês.
Os primeiros dependentes estão participando de uma fase para testar principalmente a tecnologia biométrica (de identificação das digitais) para controle do tratamento.
É como um cartão de ponto: todos os dias, o residente coloca a digital em uma máquina que fica na instituição. Depois disso, o governo faz o pagamento da sua diária.
Para receber a "bolsa" não é preciso ter baixa renda.
"Mas quem tem dinheiro acaba pagando", diz Gleuda Apolinário, coordenadora do projeto na Secretaria de Desenvolvimento Social.
Para dar início ao tratamento é preciso estar com a saúde estável. Essa parte é monitorada pela Secretaria Estadual de Saúde, que, via SUS, atesta tanto a dependência quanto o estado clínico.
O Estado atribui a adesão de só 34 entidades até agora à quantidade de documentos para credenciamento. Mas mantém a meta de 300.
Internação de dependentes é controversa
DE SÃO PAULOO acolhimento de dependentes químicos em comunidades terapêuticas divide opiniões de especialistas em todo o mundo.De um lado, há quem seja contra o tratamento fora de casa. Isso porque o dependente químico não estaria "doente" a ponto de precisar de uma internação e precisaria manter laços familiares
Outros, além de preferir a internação, defendem que ela seja compulsória (que aconteça mesmo contra a vontade do paciente).
"O primeiro grande engano [do Recomeço] é que já se determina de antemão uma estratégia terapêutica fundamentada na internação", diz Dartiu Xavier da Silveira, psiquiatra da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e diretor do Proad (Programa de Orientação e Assistência a Dependentes).
De acordo com o professor, que trabalha com dependentes há 24 anos, não existe fundamentação científica para privilegiar o tratamento via internação em detrimento de um tratamento ambulatorial.
"A eficácia tende a ser maior quando o dependente é atendido ambulatorialmente por uma equipe multidisciplinar", afirma.
No Recomeço, o acolhimento é voluntário. Se a triagem na prefeitura constatar necessidade de acolhimento, o residente deve escrever uma carta concordando com os termos.
"E ele pode sair a qualquer momento", explica Cesar Rosolen Jorge, da instituição Padre Haroldo.
No dia em que a reportagem visitou o espaço, uma senhora de 80 anos pedia a internação compulsória do filho de 40, viciado em crack. "Se eu chegar em casa agora, ele vai me matar", disse.
ANÁLISE
Com drogas nas ruas, sociedade pede respostas do poder público
APARECIDA ROSÂNGELA SILVEIRAESPECIAL PARA A FOLHAHá na atualidade uma intensa mobilização da sociedade em relação ao tratamento de usuários de drogas.Esse debate tem sido provocado pelo mal-estar que o consumo abusivo de drogas promove na vida nas cidades, onde as pessoas passam a conviver rotineiramente com vidas degradadas, especialmente na "era do crack". Tal situação tem levado à exigência de respostas do Estado.
A questão gira em torno da recuperação, da reabilitação ou do tratamento do dependente químico, pautada pelo ideal de superação do uso de drogas na sociedade e pela busca de uma vida saudável sem o uso de entorpecentes.
É sabido que o uso de drogas ultrapassa culturas e acompanha o ser humano ao longo da sua história.
Mas não podemos recuar diante da necessidade de tratamento para alguns casos.
Experiências internacionais apontam duas tendências: um modelo de tratamento que busca remodelar o comportamento dos usuários pela via da abstinência, do isolamento e da tutela e outra abordagem que busca saídas possíveis construídas por cada sujeito em liberdade.
Há um tensionamento entre as demandas da sociedade, os direitos de cidadania e os sujeitos.
Políticas públicas precisam ser construídas para dar respostas à sociedade. No entanto, nenhum tratamento é possível sem levar em consideração cada sujeito em sua singularidade, sua história e seus laços sociais.
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