sábado, 17 de agosto de 2013

A reprovação melhora o desempenho escolar? [tendências/debates]

folha de são paulo
CESAR CALLEGARI
TENDÊNCIAS/DEBATES
A reprovação melhora o desempenho escolar?
SIM
O direito à aprendizagem
A aprovação automática, sem compromisso com a aprendizagem e o desenvolvimento, vem sendo um grande mal para a educação de crianças e jovens brasileiros.
Essa prática, ainda comum em muitas escolas, compromete o futuro de milhões de estudantes, que, na vida, logo descobrirão que conhecimentos importantes lhes foram sonegados e que condições indispensáveis para a sua plena cidadania lhes foram subtraídas.
Aprovação automática é o desvirtuamento sinistro da correta concepção de que os alunos têm direito ao aprendizado contínuo e progressivo e de que a escola, a família, o Estado e a sociedade têm o dever de assegurar isso a eles.
A recusa omissa em levar os processos avaliativos a todas as suas consequências nada tem a ver com progressão continuada dos alunos, desejo e compromisso de todos os educadores sérios.
Evidente que o objetivo maior da escola e do trabalho dos professores é o sucesso educacional dos seus alunos. A reprovação de um estudante é o fracasso de todos.
Porém, mais grave é o fracasso escamoteado, escondido em ilusões estatísticas, como se na escola fosse possível aprender sem esforço, construir sem trabalhar, criar sem perseverar. Um engodo que deseduca e desorienta.
As crianças e jovens da rede pública municipal de São Paulo estão entre as vítimas desse processo.
Das crianças com 9 ou 10 anos de idade, 38% chegam ao final do primeiro ciclo sem estar plenamente alfabetizadas. Em qualidade do ensino fundamental medida pelo Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), São Paulo está em 35º lugar entre os 39 municípios da região metropolitana.
Contudo, o profissionalismo e a boa formação da maioria de seus educadores, bem como a experiência acumulada na rede mostram que a cidade reúne todas as condições necessárias para avançar e superar seus desafios.
O programa Mais Educação São Paulo, recentemente anunciado pelo governo municipal, se propõe a mobilizar toda essa força criativa para o enfrentamento dos problemas. Mudanças importantes estão sendo propostas, a maior parte destinada a promover avanços no ensino fundamental. Entre elas, o fim da aprovação automática e o compromisso com a efetiva aprendizagem e desenvolvimento dos alunos.
Avaliações bimestrais foram sugeridas para que haja monitoramento em tempo real do progresso de cada estudante. Apoio pedagógico complementar a todos os que dele necessitem e boletins com notas e orientações são propostas para garantir que estudantes e suas famílias possam melhor participar de seu percurso formativo.
A reorganização curricular com a criação de três ciclos --alfabetização, interdisciplinar e autoral-- traz propostas e objetivos melhor definidos e ampla cooperação entre os profissionais que deles participam.
É fundamental valorizar os educadores, dando maior apoio e incentivo à autoria criativa, deles e de seus alunos.
Propõe-se uma nova estrutura do currículo e do trabalho pedagógico, orientada a projetos que integrem disciplinas, áreas de conhecimento e profissionais, ampliando a exposição dos estudantes à aprendizagem e diversificando, nos campos da cultura, do esporte e da pesquisa, as suas oportunidades de descobertas prazerosas e significativas.
Essas e outras propostas estão submetidas a consulta pública para que, com a contribuição de educadores, estudantes e suas famílias, São Paulo passe a ser, de fato, uma cidade educadora.
    OCIMAR MUNHOZ ALAVARSE
    TENDÊNCIAS/DEBATES
    A reprovação melhora o desempenho escolar?
    NÃO
    Muito barulho e pouca luz
    Entre as medidas anunciadas pelo prefeito Fernando Haddad, afastada a hipótese de uma intenção demagógica de "agradar" professores e amplos setores sociais, salta aos olhos aquela que reintroduz, depois de 21 anos, a possibilidade de reprovação ao final de vários anos do ensino fundamental.
    O questionamento da promoção automática --ou qualquer de suas formas assemelhadas, como progressão continuada, avanços progressivos-- pode se caracterizar como uma iniciativa simplista ou revestida de um retrocesso.
    No Brasil, os professores tradicionalmente têm se utilizado da "pedagogia da repetência", quer por crenças didáticas, quer por crenças liberais de mérito educacional. Mas observa-se que a possibilidade de reprovação seguida da repetência ou da evasão prejudica os alunos em piores condições socioeconômicas. Para eles, devemos indicar verdadeiras "pedagogias de sucesso".
    Dados da Prova São Paulo relativos ao quinto ano contestam a suposição generalizada de que a reprovação ajuda os alunos.
    Observa-se que os alunos de baixa proficiência aprovados têm ganhos mais significativos de aprendizagem do que os de baixa proficiência reprovados, ainda que tais ganhos não sejam suficientes para colocá-los em patamares de desempenho adequado.
    Esse quadro, adicionalmente, alimenta o debate sobre os critérios adotados pelos professores para definir o rendimento de seus alunos.
    É constatável que a reprovação depende mais da turma do que de supostos critérios objetivos dos professores. Salvo honrosas exceções, os alunos repetentes nunca têm um tratamento à altura de suas necessidades. Isso só faz agravar a condição para avançarem nos estudos.
    O desempenho dos estudantes da rede municipal de ensino de São Paulo está aquém do que se poderia considerar adequado, tanto em leitura quanto em resolução de problemas. Essa avaliação pode comprometer em grande medida o processo de escolarização e, portanto, deve merecer redobrada atenção por parte do gestor público.
    No entanto, paradoxalmente, a retomada da possibilidade de reprovação tende mais a aumentar o fracasso escolar do que efetivamente enfrentá-lo, opondo-se à efetiva democratização da escola.
    Outras medidas anunciadas pela Prefeitura de São Paulo parecem reforçar o imaginário popular sobre a atividade escolar. Aplicar notas em vez de conceitos, como se apurassem melhor o desempenho do aluno e facilitassem o cálculo do professor, não é uma medida que atinge o cerne da questão, qual seja, aprimorar a avaliação. Tampouco tornar a lição de casa obrigatória terá efeito prático. Qual é o controle que a Secretaria de Educação terá sobre a tarefa de cada aluno?
    A decisão, em abril, de encerrar a realização da Prova São Paulo já afrontava a articulação com o planejamento pedagógico das unidades educacionais. A defesa do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e da Prova Brasil pelo prefeito parece ignorar quase 40 características que fazem da Prova São Paulo uma avaliação superior.
    Suas matrizes são mais completas que as nacionais. Além disso, o Inep divulga seus dados com atraso e impede a identificação das proficiências de cada aluno. Isso cria obstáculos intransponíveis para o acompanhamento individual e impossibilita o cotejamento de resultados de avaliações internas e externas, condição a fortiori para se incrementar o processo de avaliação em cada escola.
    Com efeito, a tentativa de superar um problema --as baixas proficiências-- pode gerar outro --o aumento do fracasso escolar.

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