Na trilha do cartel
Há duas semanas, a Folha vem sendo sendo alvo de uma "guerrilha verbal" na internet, para usar uma expressão que o jornal cunhou no editorial "Mitos das redes sociais", do domingo passado.
O objetivo dos "guerrilheiros cibernéticos" é levar a Folha a publicar denúncias sobre o envolvimento de políticos tucanos no cartel formado em licitações de trem e metrô de São Paulo.
As armas dessa guerrilha são a divulgação de reportagens da "IstoÉ", posts em blogs governistas e correntes no Facebook acusando o jornal de "blindar o PSDB".
Para saber se a causa dessa militância é justa, é preciso separar opinião e fato. Foi aFolha quem primeiro divulgou que a multinacional Siemens fechou um acordo com as autoridades antitruste brasileiras para delatar a existência do cartel, do qual ela própria fazia parte.
Em 14 de julho, o assunto ocupou a manchete. A reportagem informava que o cartel funcionou em ao menos seis licitações, mas alertava que "não se sabe ao certo o tamanho real, o alcance, o período em que atuou e o prejuízo causado".
Dez dias depois, a "IstoÉ" estampou "O propinoduto do tucanato paulista", com uma reportagem que retomava o depoimento, de 2008, de um ex-funcionário da Siemens. O denunciante, anônimo, tinha planilhas que comprovariam a formação de cartel e o repasse de dinheiro para offshores de lobistas.
Embora a revista tenha rasgado duas fotos de Geraldo Alckmin e José Serra, o texto não trazia evidência de envolvimento dos governadores nem de pagamento de propina. Havia apenas o ex-funcionário falando de subornos a políticos, "na maioria tucanos", e a diretores da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
Esse mesmo depoimento tinha sido publicado em 2009 pela "CartaCapital", mas, na época, não teve maior repercussão.
Segundo a Secretaria de Redação, a Folha não recuperou a informação publicada pela revista porque o denunciante se recusou a falar sobre o caso para o jornal.
No final da semana passada, a "IstoÉ" voltou à carga, desta vez tentando quantificar o tamanho do prejuízo causado pelo superfaturamento de trens e metrô. A fonte eram "pessoas ligadas à investigação", que corre no Ministério Público de São Paulo e no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). A conclusão era que os cofres paulistas perderam R$ 425 milhões.
A Folha "respondeu" com uma reportagem em que afirmava que o "cálculo do que foi superavaliado depende de levantamento de contratos assinados pela CPTM e pelo Metrô", o que ainda não foi feito.
O jornal, acertadamente, evitou repercutir o que não era apuração própria, mas cometeu um erro: as duas reportagens publicadas até então não mencionavam que partido estava no governo quando o cartel atuava.
O quadro publicado junto aos textos listava várias licitações sob suspeita sem mencionar que elas ocorreram em gestões tucanas --entre a "prática criminosa que trafegou sem restrições pelas administrações Covas, Serra e Alckmin" ("IstoÉ") e a assepsia do noticiário da Folha, era possível deixar o noticiário mais informativo e equilibrado.
"Folha noticia caso do superfaturamento do Metrô de SP (...) e não cita o nome de ninguém do governo tucano. Nunca vi nada igual!! Rabo preso com o PSDB??", tuitou, na segunda-feira, o deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP). O blog "Tijolaço" lançou outra frase de efeito para ser repassada pelos "guerrilheiros": a Folha inventou a corrupção sem corruptor.
A manchete de anteontem --"Governo paulista deu aval a cartel do metrô, diz Siemens"-- silenciou boa parte dos críticos. Pela primeira vez, o nome de um tucano (Mário Covas) apareceu em destaque no jornal.
A reportagem, baseada em documento apresentado pela Siemens ao Cade, dizia que o governo de São Paulo é acusado de ter dado aval para a formação do cartel e que esse conluio teria perdurado durante as administrações Alckmin e Serra.
Foi dado espaço ao "outro lado" e tomou-se o cuidado de não partir para conclusões precipitadas, como fez a "guerrilha cibernética", interessada em divulgar, com estridência, acusações não fundamentadas.
Como lembrou o colunista Elio Gaspari, o fato de uma empresa do tamanho da Siemens estar disposta a colaborar cria uma oportunidade ímpar de "expor o metabolismo das roubalheiras nacionais".
O jornal não pode perder essa chance. Só que sem timidez nem açodamento.
Suzana Singer é a ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2010. No jornal desde 1987, foi Secretária de Redação na área de edição, diretora de Revistas e editora de "Cotidiano". Escreve aos domingos na versão impressa.
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