Dizem que Juiz de
Fora é a cidade carioca mais perto de Minas. Quando passa por lá um
ônibus que vai do Rio para Belo Horizonte, o juiz-forano pergunta,
puxando o xis: “Vai para Minasx?”.
Mais ainda: quando a estrada União Indústria foi corrigida, e, em vez de cinco horas, o Rio ficou a duas horas de viagem, o pessoal de Juiz de Fora começou a reclamar da maresia… E criaram a linha Parque Halfeld-Leblon.
Vou me lembrando dessas coisas amenas ao ler o que Jorge Sanglard (perpétuo secretário de Cultura daquela cidade) me envia sobre a violência crescente e a quantidade de mortes na Manchester Mineira.
Quando vivi lá, no Grupo Escolar Fernando Lobo e no Granbery cantávamos o hino da cidade: “Viva a Princesa de Minas, viva bela Juiz de Fora/ que caminha na vanguarda/ do progresso estrada afora”. Rachel Jardim cantava esse hino. Fernando Gabeira cantava esse hino. Querem mais? José Rubem Fonseca, Pedro Nava, Murilo Mendes e, claro, os Arcuris, responsáveis pelos prédios preciosos da cidade, o poeta Belmiro Braga, o historiador Dormevelly Nóbrega e as abastadas famílias Hargreaves e Penido cantavam assim.
Até minha mãe, que em Juiz de Fora nasceu, cantava orgulhosamente essa letra. Ela, seus irmãos e meu avô Affonso Romano, que veio da Itália no final do século 19. Morava lá na Tapera, mas cantava o mesmo hino. As fábricas de Juiz de Fora eram famosas. Minha mãe e suas irmãs trabalharam como operárias na Bernardo Mascarenhas. Os colégios religiosos de Juiz de Fora eram famosos, acolhiam jovens de todo o país. O Granbery teria sido a primeira universidade brasileira, não fossem as querelas religiosas.
Diante da notícia de que só este ano mais de 100 pessoas foram assassinadas ali, torna-se difícil cantar “Demos palmas, demos flores/ Aos encantos da princesa!/ Ela é rica de primores/ Da poesia e da beleza”. Não sei se o pintor Carlos Bracher e sua família ainda cantam assim. Os diretores do Pró-Música – a família Sousa Santos faz anualmente aquele inigualável festival de música colonial – entoam essa música. Não garanto que Itamar Franco (que tirou este país do buraco inflacionário) poderia cantar isso no outro mundo.
Quando de Juiz de Fora saí, em 1957, a cidade tinha algo em torno de 150 mil habitantes. Havia árvores e bondes na Avenida Rio Branco. Queria ser baleiro do Cine Central, tentava arrebatar as almas do “lamaçal do pecado” para o reino dos céus, pregando na Cachoeirinha e na Serrinha. Morria-se quase nada naquele tempo. As notícias policiais que o José Carlos Lery Guimarães apregova no seu Ronda policial eram muito ingênuas perto do que se ouve hoje. Não acontecia muita coisa. Os mais ousados iam ao Rio assistir às comédias eróticas de Walter Pinto. Eu queria ser locutor da PRB-3. Com cinco colegas criamos um grupo de poesia que foi notícia até no Rio: Pentágono 56. A coisa era tão pacífica que um desses poetas era investigador de polícia. Imaginem poesia e criminalidade juntas. Foi então que comecei a trabalhar na Gazeta Comercial e no Diário Mercantil. Frequentávamos o lindo Museu Mariano Procópio, remávamos em seu lago e comíamos jabuticaba na árvore.
A cidade tem hoje uma bela universidade, oferece misses para concursos de beleza e seus moradores ainda se sentem felizes de morar sob o Morro do Imperador. Mas queriam que houvesse menos mortes, menos violência.
Lembro-me da emoção provinciana no dia em que descobri que Manuel Bandeira havia escrito uns versos citando Juiz de Fora. Chama-se “Declaração de amor?”. Diz assim o poema: “Juiz de Fora! Juiz de Fora!/ Guardo entre as minhas recordações/ Mais amoráveis, mais repousantes/ Tuas manhãs! Um fundo de chácara na Rua Direita/ Coberto de trapoerabas./ Uma velha jabuticabeira cansada de doçura./ Tuas três horas da tarde.../ Tuas noites de cineminha namorisqueiro.../ Teu lindo parque senhorial mais Segundo Reinado/ do que a própria Quinta da Boa Vista.../ Teus bondes sem pressa dando voltas vadias... / Juiz de Fora! Juiz de Fora!/ Tu tão de dentro deste Brasil!/ Tão docemente provinciana.../ Primeiro sorriso de Minas Gerais!”.
Mais ainda: quando a estrada União Indústria foi corrigida, e, em vez de cinco horas, o Rio ficou a duas horas de viagem, o pessoal de Juiz de Fora começou a reclamar da maresia… E criaram a linha Parque Halfeld-Leblon.
Vou me lembrando dessas coisas amenas ao ler o que Jorge Sanglard (perpétuo secretário de Cultura daquela cidade) me envia sobre a violência crescente e a quantidade de mortes na Manchester Mineira.
Quando vivi lá, no Grupo Escolar Fernando Lobo e no Granbery cantávamos o hino da cidade: “Viva a Princesa de Minas, viva bela Juiz de Fora/ que caminha na vanguarda/ do progresso estrada afora”. Rachel Jardim cantava esse hino. Fernando Gabeira cantava esse hino. Querem mais? José Rubem Fonseca, Pedro Nava, Murilo Mendes e, claro, os Arcuris, responsáveis pelos prédios preciosos da cidade, o poeta Belmiro Braga, o historiador Dormevelly Nóbrega e as abastadas famílias Hargreaves e Penido cantavam assim.
Até minha mãe, que em Juiz de Fora nasceu, cantava orgulhosamente essa letra. Ela, seus irmãos e meu avô Affonso Romano, que veio da Itália no final do século 19. Morava lá na Tapera, mas cantava o mesmo hino. As fábricas de Juiz de Fora eram famosas. Minha mãe e suas irmãs trabalharam como operárias na Bernardo Mascarenhas. Os colégios religiosos de Juiz de Fora eram famosos, acolhiam jovens de todo o país. O Granbery teria sido a primeira universidade brasileira, não fossem as querelas religiosas.
Diante da notícia de que só este ano mais de 100 pessoas foram assassinadas ali, torna-se difícil cantar “Demos palmas, demos flores/ Aos encantos da princesa!/ Ela é rica de primores/ Da poesia e da beleza”. Não sei se o pintor Carlos Bracher e sua família ainda cantam assim. Os diretores do Pró-Música – a família Sousa Santos faz anualmente aquele inigualável festival de música colonial – entoam essa música. Não garanto que Itamar Franco (que tirou este país do buraco inflacionário) poderia cantar isso no outro mundo.
Quando de Juiz de Fora saí, em 1957, a cidade tinha algo em torno de 150 mil habitantes. Havia árvores e bondes na Avenida Rio Branco. Queria ser baleiro do Cine Central, tentava arrebatar as almas do “lamaçal do pecado” para o reino dos céus, pregando na Cachoeirinha e na Serrinha. Morria-se quase nada naquele tempo. As notícias policiais que o José Carlos Lery Guimarães apregova no seu Ronda policial eram muito ingênuas perto do que se ouve hoje. Não acontecia muita coisa. Os mais ousados iam ao Rio assistir às comédias eróticas de Walter Pinto. Eu queria ser locutor da PRB-3. Com cinco colegas criamos um grupo de poesia que foi notícia até no Rio: Pentágono 56. A coisa era tão pacífica que um desses poetas era investigador de polícia. Imaginem poesia e criminalidade juntas. Foi então que comecei a trabalhar na Gazeta Comercial e no Diário Mercantil. Frequentávamos o lindo Museu Mariano Procópio, remávamos em seu lago e comíamos jabuticaba na árvore.
A cidade tem hoje uma bela universidade, oferece misses para concursos de beleza e seus moradores ainda se sentem felizes de morar sob o Morro do Imperador. Mas queriam que houvesse menos mortes, menos violência.
Lembro-me da emoção provinciana no dia em que descobri que Manuel Bandeira havia escrito uns versos citando Juiz de Fora. Chama-se “Declaração de amor?”. Diz assim o poema: “Juiz de Fora! Juiz de Fora!/ Guardo entre as minhas recordações/ Mais amoráveis, mais repousantes/ Tuas manhãs! Um fundo de chácara na Rua Direita/ Coberto de trapoerabas./ Uma velha jabuticabeira cansada de doçura./ Tuas três horas da tarde.../ Tuas noites de cineminha namorisqueiro.../ Teu lindo parque senhorial mais Segundo Reinado/ do que a própria Quinta da Boa Vista.../ Teus bondes sem pressa dando voltas vadias... / Juiz de Fora! Juiz de Fora!/ Tu tão de dentro deste Brasil!/ Tão docemente provinciana.../ Primeiro sorriso de Minas Gerais!”.
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