domingo, 22 de setembro de 2013

Entre carrascos e quadrilheiros - Suzana Singer [folha ombudsman]

Na quinta-feira de Cinzas que baixou na mídia depois que alguns condenados do mensalão ganharam o direito a mais uma defesa, a Folha destoou do bloco dos indignados.
No editorial "Não é pizza", o jornal aprova o voto do ministro Celso de Mello e defende a tese de que, apesar da frustração pelo "processo longuíssimo", é melhor isso que o arbítrio. "Seria mais simples se a Justiça se dividisse entre linchadores e comparsas, entre carrascos e quadrilheiros. Felizmente, as instituições republicanas e o Estado democrático não se resumem a tal esquema -por mais alto que seja o preço a pagar, em tempo, tolerância e paciência, em função disso."
Ao recusar a tese de que dar mais uma chance aos réus é uma afronta à democracia, a Folha ficou praticamente sozinha. A manchete do "Globo" era um lamento: "A Justiça tarda: STF mantém impunidade de mensaleiros até 2014".
O "Agora", jornal popular editado pela mesma empresa que a Folha, publicou uma grande foto de Mello rindo ao lado do título "Quadrilha do mensalão tem nova chance". Seu principal concorrente, o "Diário de S. Paulo", desejou "Feliz Natal, mensaleiros!", já que as prisões devem ficar para 2014.
O "Correio Braziliense" foi de "Aos vencedores, a pizza". No site da "Veja", "Mello não evoluiu: mensaleiros terão novo julgamento".
O "Estado" fez uma cobertura neutra, mas afirmou, em editorial, que, caso aceitasse os embargos infringentes, o Supremo Tribunal Federal se tornaria "objeto de profundo descrédito", o que acarretaria "grave risco (...) de enfraquecimento institucional da democracia".
O jornal não foi o único a lançar sobre os ombros do ministro a responsabilidade sobre o futuro da nação. "Eis o homem", dizia a capa da "Veja" do domingo passado, sobre uma foto de Celso de Mello e com um aviso de que ele "corre o risco de ser crucificado".
Há muito não se via tamanha pressão sobre uma figura pública. Boa parte da imprensa rasgou a fantasia, deixou de lado a preocupação com a neutralidade, em nome de um objetivo maior: impedir que o julgamento continuasse, porque equivaleria a celebrar a impunidade de corruptos.
A Folha não entrou nessa dança, mas exerceu sua cota de pressão com a pesquisa sobre o julgamento, divulgada na quarta-feira, o "dia D". O levantamento mostrou que, em São Paulo, só 50% sabiam que o STF decidiria sobre os embargos -19% estavam bem informados.
A análise escrita pelos diretores do Datafolha alertava para o alto grau de desconhecimento do processo entre os entrevistados, mas o jornal destacou apenas que a maioria (55%) era contra prolongar o julgamento. O número não combinava com os 79% que defenderam a prisão imediata dos réus, mostrando que a barafunda jurídica não foi bem digerida pela população.
Apenas na elite, entre os mais escolarizados, havia uma maioria clara (72%) torcendo para que Celso de Mello não desse uma nova oportunidade aos condenados.
O tal "clamor popular", citado pelo próprio ministro e evocado por tantos porta-vozes da "opinião pública", não existiu. Tanto que as ruas ficaram vazias, salvo o protesto de 30 entregadores de pizza no STF e o luto de cinco atrizes globais.
Por outro lado, não é correto dizer que a população acha que o julgamento foi um processo político, como argumentam os petistas. Praticamente todo o mundo acredita que o mensalão foi um caso de corrupção e não de caixa 2 (90%).
A verdade não está nem com os "carrascos" nem com os "quadrilheiros", como definiu o editorial da Folha, mas em algum lugar no meio do caminho, como costuma ser.
A PEGADINHA DO CHIQUINHO
O playboy Chiquinho Scarpa pregou uma peça na imprensa. Nas redes sociais, avisou que enterraria seu carro predileto, um Bentley avaliado em R$ 1,5 milhão. Divulgou uma foto em que aparece ao lado de uma cova, no jardim de sua casa, com o carro ao fundo.
Os jornalistas morderam a isca. A Folha deu a notícia na quarta-feira, com Scarpa dizendo que seguia a "tradição dos faraós do Egito" de enterrar "seu maior tesouro para esperá-lo na outra vida".
Dezenas de jornalistas foram ao funeral automotivo. O carro começou a ser colocado no buraco até que Scarpa parou tudo e revelou que ele queria apenas promover uma campanha de
doação de órgãos. Era uma forma de mostrar que algo precioso não tem valor embaixo da terra.
Além de divulgar a sua causa, Chiquinho escancarou como são frágeis os filtros da imprensa.
Suzana Singer
Suzana Singer é a ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2010. No jornal desde 1987, foi Secretária de Redação na área de edição, diretora de Revistas e editora de "Cotidiano". Escreve aos domingos na versão impressa.

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