Na quinta-feira de Cinzas que baixou na mídia depois que alguns condenados do mensalão ganharam o direito a mais uma defesa, a Folha destoou do bloco dos indignados.
No editorial "Não é pizza", o jornal aprova o voto do ministro Celso de Mello e defende a tese de que, apesar da frustração pelo "processo longuíssimo", é melhor isso que o arbítrio. "Seria mais simples se a Justiça se dividisse entre linchadores e comparsas, entre carrascos e quadrilheiros. Felizmente, as instituições republicanas e o Estado democrático não se resumem a tal esquema -por mais alto que seja o preço a pagar, em tempo, tolerância e paciência, em função disso."
Ao recusar a tese de que dar mais uma chance aos réus é uma afronta à democracia, a Folha ficou praticamente sozinha. A manchete do "Globo" era um lamento: "A Justiça tarda: STF mantém impunidade de mensaleiros até 2014".
O "Agora", jornal popular editado pela mesma empresa que a Folha, publicou uma grande foto de Mello rindo ao lado do título "Quadrilha do mensalão tem nova chance". Seu principal concorrente, o "Diário de S. Paulo", desejou "Feliz Natal, mensaleiros!", já que as prisões devem ficar para 2014.
O "Correio Braziliense" foi de "Aos vencedores, a pizza". No site da "Veja", "Mello não evoluiu: mensaleiros terão novo julgamento".
O "Estado" fez uma cobertura neutra, mas afirmou, em editorial, que, caso aceitasse os embargos infringentes, o Supremo Tribunal Federal se tornaria "objeto de profundo descrédito", o que acarretaria "grave risco (...) de enfraquecimento institucional da democracia".
O jornal não foi o único a lançar sobre os ombros do ministro a responsabilidade sobre o futuro da nação. "Eis o homem", dizia a capa da "Veja" do domingo passado, sobre uma foto de Celso de Mello e com um aviso de que ele "corre o risco de ser crucificado".
Há muito não se via tamanha pressão sobre uma figura pública. Boa parte da imprensa rasgou a fantasia, deixou de lado a preocupação com a neutralidade, em nome de um objetivo maior: impedir que o julgamento continuasse, porque equivaleria a celebrar a impunidade de corruptos.
A Folha não entrou nessa dança, mas exerceu sua cota de pressão com a pesquisa sobre o julgamento, divulgada na quarta-feira, o "dia D". O levantamento mostrou que, em São Paulo, só 50% sabiam que o STF decidiria sobre os embargos -19% estavam bem informados.
A análise escrita pelos diretores do Datafolha alertava para o alto grau de desconhecimento do processo entre os entrevistados, mas o jornal destacou apenas que a maioria (55%) era contra prolongar o julgamento. O número não combinava com os 79% que defenderam a prisão imediata dos réus, mostrando que a barafunda jurídica não foi bem digerida pela população.
Apenas na elite, entre os mais escolarizados, havia uma maioria clara (72%) torcendo para que Celso de Mello não desse uma nova oportunidade aos condenados.
O tal "clamor popular", citado pelo próprio ministro e evocado por tantos porta-vozes da "opinião pública", não existiu. Tanto que as ruas ficaram vazias, salvo o protesto de 30 entregadores de pizza no STF e o luto de cinco atrizes globais.
Por outro lado, não é correto dizer que a população acha que o julgamento foi um processo político, como argumentam os petistas. Praticamente todo o mundo acredita que o mensalão foi um caso de corrupção e não de caixa 2 (90%).
A verdade não está nem com os "carrascos" nem com os "quadrilheiros", como definiu o editorial da Folha, mas em algum lugar no meio do caminho, como costuma ser.
A PEGADINHA DO CHIQUINHO
O playboy Chiquinho Scarpa pregou uma peça na imprensa. Nas redes sociais, avisou que enterraria seu carro predileto, um Bentley avaliado em R$ 1,5 milhão. Divulgou uma foto em que aparece ao lado de uma cova, no jardim de sua casa, com o carro ao fundo.
Os jornalistas morderam a isca. A Folha deu a notícia na quarta-feira, com Scarpa dizendo que seguia a "tradição dos faraós do Egito" de enterrar "seu maior tesouro para esperá-lo na outra vida".
Dezenas de jornalistas foram ao funeral automotivo. O carro começou a ser colocado no buraco até que Scarpa parou tudo e revelou que ele queria apenas promover uma campanha de
doação de órgãos. Era uma forma de mostrar que algo precioso não tem valor embaixo da terra.
doação de órgãos. Era uma forma de mostrar que algo precioso não tem valor embaixo da terra.
Além de divulgar a sua causa, Chiquinho escancarou como são frágeis os filtros da imprensa.
Suzana Singer é a ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2010. No jornal desde 1987, foi Secretária de Redação na área de edição, diretora de Revistas e editora de "Cotidiano". Escreve aos domingos na versão impressa.
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