domingo, 22 de setembro de 2013

Mensagem cósmica - Marcelo Gleiser

Neste mês, pela primeira vez na história, uma sonda construída por seres humanos deixou os confins do Sistema Solar e penetrou o espaço interestelar. A sonda, Voyager 1, foi lançada pela NASA 36 anos atrás, em setembro de 1977, durante o governo de Jimmy Carter, quando pessoas ainda usavam calça boca-de-sino. A era das viagens interestelares, coisa que até aqui era mais ficção do que realidade, começou.
O Sol, como toda estrela, emite quantidades enormes de partículas eletricamente carregadas (principalmente prótons e elétrons, constituintes do "vento solar") que ficam confinadas numa bolha chamada de heliosfera. O limite desta bolha, a heliopausa, marca a região onde a influência do sol no meio interestelar passa a ser desprezível. A transição entre o sistema solar e o espaço interestelar se deu quando a sonda Voyager I atravessou a heliopausa, localizada cerca de 100 vezes a distância entre a Terra e o Sol. Mesmo a luz demora em torno de 14 horas para chegar de lá até aqui.
O feito serve de metáfora tanto para a missão da ciência quanto para o espírito humano. Ciência, enquanto criação nossa, representa um esforço marcadamente humano de superar fronteiras, no caso, as fronteiras do conhecimento. A cada descoberta, aprendemos mais sobre o mundo e sobre nosso lugar nele. Existe um lado heróico nessa empreitada, que tem valor tanto na prática-à medida que as descobertas científicas são usadas pela sociedade de diversas formas-quanto numa dimensão mais mitológica, onde buscamos, juntos como espécie, responder às questões tão antigas quanto nossa existência neste planeta. Superar fronteiras, portanto, significa aprender mais sobre quem somos, como espécie e como indivíduos.
Como disse o poeta americano T. S. Eliot, "apenas aqueles que se arriscam a ir mais longe sabem quão longe podem ir."
Este é o espírito da ciência e, a meu ver ao menos, deveria ser também a mola propulsora de cada um de nós em nossas vidas. Existe aqui uma visão anticonformista, de lutar contra a mesmice que marca nosso dia-a-dia. Na pesquisa científica, o novo é imperativo: temos de inventar um pouco mais do mundo todos os dias, por assim dizer, dado que não sabemos o que existe além do que sabemos.
Claro, cientistas não têm a liberdade do poeta ou do pintor, visto que o mundo que "inventam" é uma descrição do mundo que existe, ao menos do modo como o percebemos através de nossas observações. Afinal, nosso objetivo é entender a natureza: a última palavra é sempre dela, mesmo que sejamos forçados-e com frequência-a descartar ideias que têm grande apelo e beleza.
São nessas outras estrelas, ou melhor, nos planetas à sua volta, que podem existir outros seres vivos, talvez mesmo outros seres pensantes. A sonda Voyager 1 leva consigo uma placa revestida em ouro, repleta de sons e informações sobre a Terra, sua posição, os seres que nela vivem, nossas obras culturais, línguas etc. O projeto foi obra de Carl Sagan, que queria usar esta oportunidade para, quem sabe, anunciar aos nossos vizinhos que não estão sozinhos no espaço.
Apesar da sonda ter pouquíssima chance de ser encontrada por outra civilização (são mais de 50 mil anos até a estrela mais próxima), o gesto é essencialmente simbólico: reflete nossa esperança de que não estamos sozinhos no Cosmo, de que outros seres pensantes existem, de preferência amantes da vida e da criatividade.
Marcelo Gleiser
Marcelo Gleiser é professor de física e astronomia do Dartmouth College, em Hanover (EUA). É vencedor de dois prêmios Jabuti e autor, mais recentemente, de "Criação Imperfeita". Escreve aos domingos na versão impressa de "Ciência".
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcelogleiser/2013/09/1345440-mensagem-cosmica.shtml

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