domingo, 1 de setembro de 2013

Amálgama, a nossa originalidade - JORGE MAUTNER


O Globo - 01/09/2013

Nosso Itamaraty está certíssimo ao pedir
explicações sobre a espionagem
das polícias políticas secretas dos Estados
Unidos e da Grã-Bretanha ao
nos espionarem indevidamente. Mas aqui pretendo
mostrar os profundos laços e abraçaços
que ligam os EUA com o Brasil, e vice-versa. Aliás,
o Brasil, como maior país pacifista, é amigo
de todos. Temos representação diplomática
também na Coreia do Norte. Este é o maior
trunfo civilizatório do nosso país-continente.

O primeiro ato de amizade foi por ocasião da
Conspiração Mineira. Os poetas de Vila Rica fizeram
contatos com Thomas Jefferson, que havia
substituído Benjamin Franklin como observador
permanente dos recém-criados Estados Unidos.
Jefferson entusiasticamente apoiou a Conspiração
Mineira e disponibilizou armas e até, se necessário,
envolvimento mais denso. No entanto, os
conspiradores eram todos poetas, inclusive Tiradentes,
e ele falou demais.

O segundo foi quando a Inglaterra quis, com o
apoio dos nossos queridos amigos vizinhos, que
o Brasil devolvesse parte imensa do seu território,
depois da guerra em que rechaçamos a invasão
do ditador Solano López. Território há
muito conquistado pelos bandeirantes, cruzando
o Tratado de Tordesilhas, e também as terras
do Acre. Os Estados Unidos foram único país
que se posicionou ao lado do Brasil contra essa
aspiração da Inglaterra, que ainda estava em
seu esplendor de império absoluto. Os EUA ainda
não eram o grande Império democrático de
nosso dias, viviam na splendid isolation, isolamento
esplêndido, mas foi quem, através do
grande Barão do Rio Branco, acabou com essa
ideia, garantindo ao Brasil a consolidação deste
tamanho de país-continente.

A terceira grande demonstração veio com o
episódio que está descrito na minha música com
Gilberto Gil intitulada “Outros viram”. Eu me lembro
que Gil, ainda ministro da Cultura, exibiu-se
em Washington, NY etc, cantando esta nossa música
da qual ele fez uma versão genial em inglês, o
que fez com que os jornalistas boquiabertos quisessem
saber se o que estava na letra era verdade.

O presidente Theodore Roosevelt era contra a
Ku Klux Klan. É bom lembrar que, quatro anos depois
da libertação dos escravos e do fim da Guerra
Civil nos EUA, a Ku Klux Klan se apodera de várias
áreas do poder político e que o primeiro filme, genial
porém terrível, chamado “O nascimento de
uma nação”, do cineasta genial Griffith, tem uma
cena em que quatro advogados negros de terno e
gravata estupram uma menininha órfã, loira e
branca. Theodore Roosevelt adorava um musical
intitulado “Melting Pot”, em que se proclamava
que um cidadão anglo-saxão de olhos verdes, puritano,
poderia se casar com uma italiana, talvez
até mesmo com uma irlandesa, e quem sabe, uma
espanhola!

Ao chegar ao Brasil, Theodore Roosevelt, que
gostava de caçar, deslumbrou-se com o Amazonas,
com o Pantanal, que ele conheceu acompanhado
por Roquette Pinto e pelo Marechal Rondon.
Quando, no entanto, viu a nossa Amálgama,
que representa a nossa originalidade absoluta, segundo
José Bonifácio de Andrada e Silva, enlouqueceu
de alegria e disse que esta Amálgama teria
que ser imitada pelos Estados Unidos imediatamente.
Quando voltou, falou no Congresso sobre
essa Amálgama, e o Congresso rechaçou essa
ideia em quase unanimidade.

O laço seguinte é a nossa participação na Segunda
Guerra Mundial, ajudando a vitória dos
aliados com o heroísmo de nossas tropas em
Monte Castelo, e também por causa da borracha.
Não havia borracha sintética, sobrava nossa
imensa Amazônia, onde era farta a borracha
natural e também o quartzito, mineral essencial
para a Força Aérea de guerra.

É bom lembrar também as palavras entusiásticas
do poeta Walt Whitman em seu poema “Aos
nossos amigos brasileiros”, fundamentando esta
imensa amizade. Como também é bom lembrar
nossa presença profunda em todos os nossos países
vizinhos, recordando Simon Bolívar, que disse
só ter conseguido fazer o que fez por ter como braço
direito o general brasileiro Abreu e Lima.

Por último, o fato de o primeiro presidente negro,
o genial Barack Obama, ter nascido por causa
de Vinícius de Moraes e Tom Jobim. A mãe de
Obama era uma filósofa e, como todos os filósofos,
queria saber como era a vivacidade da filosofia
grega. Quando foi assistir ao filme “Orfeu Negro”,
viu que a Grécia antiga e verdadeira era no
Brasil, era negra, era da escola de samba, e morava
no morro. Dias depois encontrou-se, em um
encontro filosófico, com um pensador do Quênia,
com o qual teve o filho Barack Obama. A nossa
Amálgama em forma de imanência poética e musical
fez com que nascesse o futuro presidente dos
Estados Unidos, o mais brasileiro de todos os presidentes
americanos.

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