Zero Hora - 01/09/2013
Não é porque ele foi grosseiro comigo que eu tinha que ser grosseira com
ele também, mas fiz, está feito, agora acabou, solidão pra sempre é o
que me espera, assim como aquela dívida maldita que só aumenta, meus
credores não têm nenhuma compaixão, vou ter que vender meu carro para
pagá-la, e essa tosse insistente só pode significar que estou condenada,
sem falar que minha filha ainda não voltou da festa, pai nosso que
estais no céu, santificado seja o vosso nome, como está quente nesse
quarto, eu nunca mais vou conseguir dormir, nunca mais, vou acordar com
olheiras até o queixo, sou uma miserável que... zzzzzz.
E então você acorda, abre as cortinas da janela, e recebe um
telefonema do seu amor reconhecendo que andou abusando da sua paciência e
que está morrendo de saudades, e entra um trabalho freelancer que
ajudará a pagar a conta atrasada, e a tosse passa com Melagrião, e a
filha está dormindo feito um anjo no quarto ao lado, e as suas olheiras
estão aparentes mesmo, mas nada que um corretivo não disfarce. Olhe só,
suas preocupações ficaram desse tamanhozinho, de quem foi a mágica?
Do primeiro raio de sol. Durante o dia, nossa cabeça pensa melhor e
as soluções aparecem no decorrer das horas. A mente ajusta o foco e não
dá trela a fantasmas. Já a madrugada não conhece a palavra sanidade.
A escuridão e o silêncio transformam pequenas chateações em dramas
diabólicos, e a gente cai nessa cilada, achando mesmo que estamos
lidando com o pior da vida. Mas que vida? Hipercansados, ansiosos,
deprimidos, paranoicos, isso é vida? A insônia desperta em nós a morte,
isso sim. Ficamos todos ferrados não pela falta de sono, mas pelo
excesso de dilemas. Como disse Dostoievski, ser extremamente consciente é
uma doença. A gente morre por pensar demais. E pensar é só o que nos
resta durante uma insônia.
Mas é possível controlar esses pensamentos malditos.
Em vez de permitir que o cérebro maximize nossos problemas, o melhor
seria transformar nossa miséria noturna em algo produtivo. Porém, nem
todos conseguem levantar da cama – ainda mais no inverno – a fim de
guerrear com seus demônios. Até porque sempre há a esperança de se
conseguir dormir pelo menos por uma ou duas horas, o que não acontecerá
no caso de acendermos as luzes para pintarmos quadros, escrevermos
poemas, fritarmos omeletes, cortarmos o próprio cabelo – ai, não corte o
cabelo às quatro da manhã, vá por mim.
Posso fazer uma sugestão? Sem precisar levantar, sem acender a luz,
jogue “stop” mentalmente com você mesmo. Países: a, Alemanha; b,
Bélgica; c, Canadá; d, Dinamarca... Há grande chance de, antes de chegar
no p, Portugal, você já ter adormecido. Se não, siga com o jogo,
fazendo seu a-b-c para títulos de livros, comidas, profissões, ruas da
cidade. O truque é simples: trocar de preocupação. Ou você prefere
continuar fazendo o a-b-c das doenças que poderá contrair ou das pessoas
a quem já magoou?
Parece bobagem, e é, mas quase sempre funciona. Jogue “stop” noturno com você mesmo, e stop a insônia.
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