sábado, 7 de setembro de 2013

Tradição de aliança e paz - Cavalhada de Nossa Senhora de Nazareth‏

Tradição de aliança e paz 


Geraldo Lopes

Estado de Minas: 07/09/2013 


Um dos pontos altos da encenação são as embaixadas dos dois imperadores diante da bandeira de Nossa Senhora de Nazareth (Acervo da Cavalhada/Divulgação)
Um dos pontos altos da encenação são as embaixadas dos dois imperadores diante da bandeira de Nossa Senhora de Nazareth


Palco da primeira eleição direta das Américas, da revolta contra a cobrança do quinto do ouro e do primeiro grito pelas Diretas-Já, o povoado de Morro Vermelho, em Caeté, na Grande BH, celebra hoje os 309 anos da Cavalhada de Nossa Senhora de Nazareth, uma das mais antigas tradições culturais do Brasil, introduzida em Minas por colonizadores portugueses no apogeu do Ciclo do Ouro e jamais interrompida. Neste ano, a festa ganha um marco especial com a comemoração do tricentenário da matriz de estilo barroco, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Durante três séculos, a manifestação folclórica e religiosa vem sendo repassada de geração a geração e mantém suas características originais. É assistida por mais de 10 mil moradores e turistas. Apesar de enfocar a luta entre mouros e cristãos, a cavalhada de Morro Vermelho representa o fim da guerra, culminando com a vitória dos cristãos, a conversão, o batismo e o pacto de aliança.

No século 6, os mouros ou muçulmanos invadiram a Europa, de onde só foram expulsos 800 anos depois. Um dos episódios dessa luta ficou conhecido como a batalha de Carlos Magno e os 12 pares da França. Esse fato foi relembrado em toda parte e encenado em cavalhada para incentivar a fé cristã. A tradição começou em Portugal no século 13 e se espalhou pelo Brasil.

Hoje, moradores e visitantes do povoado serão acordados às 4h com banda de música, fogos e repique de sinos anunciando as festividades. Ao meio-dia começa o desfile dos mascarados, que percorrem ruas e casas expulsando males e limpando caminhos para a cavalhada, à noite. Pontualmente às 20h, 12 cavaleiros cristãos e 12 mouros conduzem a bandeira de Nossa Senhora de Nazareth à praça, onde são recebidos com fogos de artifício, repiques de sino e banda de música.

O imperador mouro saúda com embaixadas a bandeira, recebida do embaixador cristão, que também a venera. Os mouros hasteiam a bandeira em seu reino, simbolizando a adoção da fé cristã. Para selar a paz entre os povos, os imperadores dão novas embaixadas. Cristãos e mouros entrelaçam fitas no mastro, amarrando o compromisso de fé aos pés da Virgem Maria. Unidos, os cavaleiros fazem uma série de evoluções. Encenam um 8 (união de dois povos), uma meia-lua (início de uma amizade crescente) e assistem a um espetáculo pirotécnico (queima de deuses pagãos). Cristãos e mouros fazem novas evoluções e se despedem da multidão.

Para o presidente da cavalhada, Nildo de Jesus Leal, a permanência da tradição por 309 anos, sem nenhuma interrupção e praticamente sem ajuda oficial, se deve em grande parte ao repasse dos eventos de geração a geração. “Este bem histórico imaterial já faz parte da vida das crianças, que criaram inclusive uma cavalhada mirim, com cavalos de pau, para manter viva a tradição de seus pais e avós. É a festa de maior relevância no distrito e envolve toda a comunidade no planejamento, organização e execução.”

Amanhã, dia do nascimento de Nossa Senhora, há missa cantada em latim a quatro vozes, acompanhada de orquestra. À noite, moradores e visitantes percorrem, em procissão, ruas enfeitadas. A chegada da imagem à matriz é transformada em apoteose e queima de fogos, sendo a festa encerrada com o Te Deum, um agradecimento a Deus.

COMO CHEGAR Para quem está em Belo Horizonte, o acesso a Morro Vermelho pode ser feito pela BR-381, via Serra da Piedade até Caeté, seguindo-se por 10 quilômetros por estrada de terra até o distrito. O acesso a Caeté pode ser feito também por Sabará em estrada asfaltada de 21 quilômetros. Outra opção é por Nova Lima e Raposos, seguindo-se 16 quilômetros por estrada de terra.

Uma relíquia de 300 anos

O povo de Morro Vermelho e visitantes participam amanhã de solenidade especial para celebrar as Bodas de Esplendor dos 300 anos da Matriz de Nossa Senhora de Nazareth, que inclui bênção do óleo, acendimento da lâmpada do Santíssimo Sacramento e abertura do ano do tricentenário do templo.


Em estilo barroco, a matriz de Morro Vermelho foi construída em 1713, em substituição à antiga capela, que foi encontrada em ruínas pelo capitão-mor Paulo Rodrigues Durão, pai do poeta de O Caramuru, frei José de Santa Rita Durão. A data existente na capela-mor (1869) corresponde à sua reforma. A igreja é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

A devoção a Nossa Senhora de Nazareth tem sua origem ligada à história do nobre português dom Fuás Roupinho, que, durante uma caçada, viu seu cavalo saltar sobre um penhasco. Lembrando-se de uma pequenina imagem da Virgem Maria que avistara, implorou por seu socorro e, milagrosamente, o cavalo estancou, salvando-o da queda. Dom Roupinho mandou erguer no local um santuário que perpetuasse o culto a Nossa Senhora de Nazareth. A igreja foi construída no alto de um penedo, em Portugal, e é visível do mar, a longa distância, por isso a santa tornou-se padroeira dos navegantes. Foram eles que propagaram o seu culto, transportando-o para o Brasil.

A paróquia foi criada em 30 de novembro de 1880 pela Lei 2.709 e hoje pertence à Arquidiocese de Belo Horizonte. Seu primeiro vigário foi o padre Francisco de Assis Chagas. A imagem de Nossa Senhora de Nazareth mostra a Virgem de túnica, véu, brincos e colares, com o Menino Jesus nos braços. A matriz foi restaurada recentemente com a ajuda dos moradores e abriga acervo de altares e imagens, com as da padroeira, do Senhor dos Passos e de São José de Botas.
O forro da capela-mor apresenta pintura rococó, cujo quadro central tem por tema a assunção. O altar-mor exibe monograma da Virgem Maria, símbolos da Eucaristia e representação do Espírito Santo no forro. Nele está entronizada a imagem de Nossa Senhora de Nazareth, peça de origem portuguesa, obra de artista erudito, com tratamento requintado.



Programa

   HOJE
    4h    Tradicional matina, com banda de música, fogos e repique de sinos, para acordar os moradores e anunciar as festividades.

    12h    Desfile dos mascarados pelas ruas e casas para expulsar os males e trazer a paz.

    18h    Encerramento da novena e retreta na praça.

    20h    Tradicional Cavalhada de Nossa Senhora de Nazareth.

   AMANHÃ

    10h50    Solenidade de abertura da Bula Papal de Indulgência Plenária, de Pio IX, que concede graça especial aos visitantes do templo no dia da natividade de Maria.

    11h    Missa solene orquestrada e cantada em latim a quatro vozes.

    17h    Celebração eucarística presidida por dom Walmor Oliveira de Azevedo

    19h    Procissão luminosa pelas ruas, encerrada na matriz com bênção do Santíssimo e canto do Te Deum.


Saiba mais

TERRA DE REBELIÕES

Morro Vermelho é conhecida na história de Minas Gerais como sede da primeira eleição direta das Américas. Em 1707, como ato de resistência às determinações de Portugal e dos desmandos de paulistas nas comarcas mineiras, os povos de Sabará, Rio das Velhas e de Caeté marcharam para Morro Vermelho, onde elegeram o líder da comunidade Manuel Nunes Viana governador das Minas Gerais. Foi o início da Guerra dos Emboabas. Também foi marcante no povoado a insurreição, em 1715, contra a cobrança do quinto do ouro por bateias. O imposto foi aceito pelas comarcas, mas Morro Vermelho se rebelou, expulsou o governador, que revogou a medida. Em 7 de setembro de 1983, a comunidade se concentrou para mais um levante, dando início ao grito de liberdade pelas eleições diretas para presidente da República. Até então um ato isolado da oposição, o movimento tomou as ruas das metrópoles brasileiras e no ano seguinte se tornou um clamor nacional.


LINHA DO TEMPO
Publicação: 07/09/2013 04:00
1641

Bandeirantes fundam o arraial de Vira Copos. Após incêndio, é erguido o atual povoado de Morro Vermelho

1690

Descoberto no distrito um grande veio de ouro em afluente do Rio das Velhas

1704

Portugueses e nordestinos promovem a primeira Cavalhada de Nossa Senhora de Nazareth


1708

Manuel Nunes Viana é eleito governador das Gerais. Começa a Guerras dos Emboabas, movimento que deu início à formação de Minas

1713

Construção da Matriz de Nossa Senhora de Nazareth, cuja paróquia foi criada em 1880

1714

Morro-vermelhenses promovem o Levante das Bateias, expulsam governador e derrubam imposto

1866

Papa Pio IX concede indulgência plenária aos fiéis que participarem da Festa de Nazareth

1983


Povo do distrito vai às ruas pelas Diretas-Já. Movimento avança Brasil afora no ano seguinte.

2013

Distrito comemora os 300 anos da Matriz de Nossa Senhora de Nazareth e os 309 da cavalhada

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