Ana Clara Brant
Estado de Minas: 06/10/2013
João Cezar de Castro Rocha fez mapeamento inédito dos brasilianistas brasileiros que estudam a literatura nacional |
O termo brasilianista costumava se referir ao estrangeiro que estuda o Brasil ou é especializado no país. De uns anos para cá, o perfil desse profissional mudou, o que torna necessário rever a expressão. “Foi-se o tempo em que o estudioso/historiador era aquele típico gringo, a grande maioria norte-americanos, sem domínio total da nossa língua. Nos anos 1970 e 1980, a proporção de estrangeiros que estudavam nosso país era de 95%. Justamente por isso, implicava um olhar até exótico sobre o Brasil. Hoje, há uma novidade: o crescimento considerável de brasileiros radicados no exterior que se interessam pela terra de origem”, avisa o professor associado de literatura comparada da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) João Cezar de Castro Rocha.
Ele realizou diagnóstico atual da pesquisa em literatura brasileira produzida em universidades no exterior e conseguiu um mapeamento inédito dos chamados brasilianistas brasileiros que estudam nossa literatura.
Boa parte desses pesquisadores se constitui naqueles que foram fazer mestrado ou doutorado fora e por lá ficaram, sobretudo nos Estados Unidos, país com extenso número de universidades, bibliotecas e melhores condições financeiras. “Os laços entre instituições norte-americanas e a academia brasileira se estreitaram muito nos últimos anos. Há uma noção melhor no estrangeiro sobre a qualidade do pensamento e da pesquisa no Brasil. Por um lado, isso é reflexo da maior circulação de brasileiros no exterior. Por outro, cria-se círculo virtuoso: mais conhecimento sobre o Brasil produz mais curiosidade e interesse também”, opina o carioca Bruno Carvalho, professor assistente no Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Princeton. Ele está escrevendo livro que relaciona as Minas Gerais de Cláudio Manuel da Costa e a Virginia de Thomas Jefferson.
Autocentrado
Há anos em território norte-americano, onde é professora de literatura brasileira na Universidade de Stanford, na Califórnia, a paulista Marilia Librandi Rocha nota que há sim um crescimento da presença brasileira no câmpus onde trabalha, seja de colegas professores visitantes, de alunos de pós-graduação ou da graduação. No entanto, segundo ela, a maioria fica curto período de tempo. “E o Brasil pode ser tema de seus estudos ou não. Só o fato de sair do Brasil e desenvolver sua pesquisa (sobre qualquer tema, nacional ou não) faz muito bem para a internacionalização do país, em geral muito autocentrado”, diz. Marilia, que no momento prepara o livro Escritas de ouvido, sobre a prosa de ficção moderna brasileira, de Machado de Assis a Hilda Hilst, revela que não se vê necessariamente como brasilianista.
“Fora do Brasil, é útil ser reconhecida assim, pois na função de professores nativos somos chamados a representar o país, um pouco como embaixadores culturais. Ao mesmo tempo, somos levados também a vincular os estudos sobre o Brasil ao mundo exterior, sobretudo a América hispânica, aos países lusófonos e também, claro, aos Estados Unidos, Europa e outros continentes”, acrescenta.
Esforço enriquecedor
Mineiro de Belo Horizonte, Gustavo Furtado é professor de estudos luso-brasileiros na Universidade de Duke, na Carolina do Norte (EUA). Foi para lá como imigrante, em 1994, e só depois de legalizado formou-se e conseguiu bolsas de estudo. Gustavo, que se interessa bastante pela produção audiovisual brasileira, admite que, a princípio, o termo brasilianista o incomodou. Mas de qualquer forma, segundo o professor, na prática, o termo designa um papel pedagógico na universidade americana.
“O fato é que, como pesquisadores, temos áreas de conhecimento e interesse bem específicas, assim como os professores universitários no Brasil ou em qualquer lugar do mundo. Mas como professores temos que fazer uma performance mais ampla e complexa – até porque, se não o fizéssemos, não teríamos alunos. Um especialista na narrativa contemporânea acaba tendo que ensinar cursos sobre Machado de Assis ou sobre o cinema novo, por exemplo. Isso reflete o fato de que muitos departamentos de romance languages and literatures ou romance studies (que combinam estudos de literatura e cultura nas línguas latinas) têm só um ou dois brasilianistas, que naturalmente têm que oferecer ampla grade de cursos”, analisa. Gustavo acrescenta que isso acaba implicando grande esforço, especialmente no começo da carreira acadêmica, mas é também experiência enriquecedora. “Enfim, ainda que eu veja o termo com certa distância irônica, o brasilianismo é a realidade da distribuição de trabalho na universidade norte-americana”, conclui.
Outro brasileiro radicado nos EUA é o carioca Pedro Rabelo Erber. Professor assistente de estudos brasileiros na Universidade de Cornell, em Ithaca, Nova York, ele também vê um aumento de compatriotas lecionando temas relacionados ao Brasil em universidades norte-americanas. Com relação ao termo brasilianista, acredita que, no contexto institucional em que está inserido, desempenha sim este papel, o que, de acordo com o professor, inclui não só o ensino de literatura, história, arte e política brasileiras, como a administração do currículo universitário relacionado ao Brasil no nível interdepartamental.
Armadilha
Curioso é que o escopo de interesses desses pesquisadores é bem diversificado. Passa por Machado de Assis, literatura indígena, cinema marginal, arte contemporânea, MST, tropicalismo, cinema novo e até poesia concreta. “Acho que o traço comum mais forte entre nós é termos um pé em cada hemisfério do continente intelectual americano, participarmos ao mesmo tempo do debate acadêmico no Brasil e nos Estados Unidos”, acrescenta Pedro Erber. Para ele, há vantagens e desvantagens em ser brasilianista brasileiro e elas se equilibram. Se por um lado a facilidade com o português ajuda, em contrapartida o pesquisador brasileiro tem que chegar a um nível de proficiência na língua estrangeira em que trabalha que também requer muito esforço.
“Um dos desafios é não sucumbir à tentação de se colocar no papel de informante nativo, de ‘explicar o Brasil’ aos estrangeiros. É uma expectativa recorrente na universidade americana, que é preciso frustrar. Pois é também uma armadilha. É importante se posicionar em relação a temas brasileiros como pesquisador e não como brasileiro. Nesse sentido, o próprio aspecto contraditório da ideia do brasilianista brasileiro torna-se produtivo, pois recorda essa tensão entre o sujeito e o objeto da pesquisa”, explica.
Dimensão plural
A maioria dos especialistas está nos Estados Unidos, mas a Europa também concentra parte significativa deles, principalmente França, Alemanha e Inglaterra. Professor de literatura brasileira no Departamento de Estudos Lusófonos da Universidade Paris-Sorbonne, o paulistano Leonardo Tonus revela que não há uma semana em que não se fale do Brasil na França, e que, além do boom econômico dos últimos anos, os grandes eventos culturais, esportivos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e o trabalho que a Embaixada Brasileira vem promovendo no país contribuíram para toda essa visibilidade e interesse.
Leonardo lembra também que a facilidade de intercâmbios e o encurtamento das distâncias ampliaram o fluxo de pesquisadores tupiniquins na Europa. Mas, ao contrário dos Estados Unidos, a coisa por lá é mais complexa. “A chegada de um brasileiro a uma universidade europeia não é simples. Ele precisa dominar perfeitamente o idioma, tem que se integrar na comunidade; há vários crivos. As exigências são maiores. Em todo caso, acho muito interessante ser esse brasileiro com olhar externo. Acho que o deslocamento geográfico ajuda a ter outra percepção. Talvez seja até o nosso diferencial”, frisa Leonardo, responsável também pelo blog de estudos lusófonos etudeslusophonesparis4.blogspot.com.br.
Vivendo na Dinamarca há cinco anos, onde a comunidade brasileira não é grande mas significativa, o professor associado de estudos brasileiros na Universidade de Aarhus, o carioca (de família de mineira) Vinicius de Carvalho considera desafiador e ao mesmo tempo motivador ser brasilianista naquele país. “O que acho interessante é que, de uma perspectiva das ciências sociais, vamos alargando os horizontes de estudar o Brasil para outras áreas das ciências humanas. Com isso, a definição do termo brasilianista também vem se alargando e dando dimensão muito plural a esse grupo de estudiosos”, pontua Vinicius, que é diretor e coordenador do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Aarhus, que foca na formação de profissionais que sejam mediadores entre o Brasil e a Dinamarca.
Palavra de especialista
Joâo Cezar de castro Rocha
Professor associado de literatura comparada da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)
Evasão de cérebros
“Pela primeira vez, foi feito levantamento de estudos da literatura brasileira no exterior e conseguimos mapear quem são esses estudiosos. Chamou a atenção que a maioria deles nasceu no Brasil. Além da formação e da perspectiva brasileira, por circunstâncias de vida, eles foram morar no exterior. Boa parte também está frequentemente no Brasil e tem controle absoluto do nosso cotidiano. Até porque hoje há facilidade maior nesse sentido. Não há mais essa imensa distância, essa nostalgia. Essa evasão de cérebros sempre existiu. Muitos dos principais intelectuais europeus foram para os Estados Unidos. Mas, no passado, eram os grandes nomes, aqueles com carreira já feita, como Adorno, Hannah Arendt e Horkheimer. Nos últimos 20 anos, surgiu uma possibilidade nova e aumentou significativamente o número de pesquisadores que começam a carreira justamente no exterior.
E isso não ocorre só com os brasileiros; é um fenômeno global. Hoje, temos completa solidez das instituições acadêmicas, a facilidade para viagens, pessoas que transitam com grande fluência em vários idiomas. E isso implica um outro tipo de relacionamento. Mais do que um olhar exótico, esses estudiosos permitem reatar um elo inesperado de continuidade com a lírica do exílio. Boa parte da cultura brasileira foi pensada no exterior, seja com Gonçalves Dias, seja com Gilberto Freyre, seja com Sérgio Buarque de Hollanda, que estavam todos fora. Há uma longa tradição de se pensar o Brasil à distância. E esses novos ‘brasilianistas’ são uma força importante de renovação do nosso pensamento sobre a literatura. Não estão presos a grupos, panelinhas e, justamente por conta da distância, têm maior independência e autonomia.”
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