O GLOBO - 06/10/2013
Nunca
este instante deste domingo, neste jornal de domingo existiu antes ou
voltará a existir, ainda que o próximo possa ser bastante parecido
Domingão
de sol ou de chuva, não sei, hoje é quinta-feira. Sei é que neste
instante deste domingo, neste jornal de domingo sendo lido agora, neste
instante, este instante é agora. Todo domingo, gostando-se ou não, é
domingo. Nascem Domingas e Domenicos. Inevitável este instante deste
domingo, agora. Cada palavra revelando-se nesta página deste jornal,
deste domingo, neste instante deste domingo, sendo lida, agora, no
instante em que está sendo lida, é esta palavra, neste instante. Nunca
antes deste instante houve este instante deste domingo.
Domingo é
dia de domingo, não há disfarce para este instante de agora deste
domingo. O jornal de domingo não foi feito no domingo, mas é domingo
quando, neste instante deste domingo, cada palavra é lida neste
instante, nem antes nem depois do instante em que este domingo está
sendo este domingo, agora. Domingas e Domenicos sendo velados. Nunca
este instante deste domingo, neste jornal de domingo existiu antes ou
voltará a existir, ainda que o próximo possa ser bastante parecido.
Enquanto
está sendo lido o jornal de domingo deste domingo, neste instante de
agora, este instante de agora está sendo este instante de agora. É
domingo enquanto este instante de agora neste jornal de domingo está
sendo este instante de agora deste domingo, enquanto Domingas e
Domenicos estão sendo concebidos.
Cada palavra sendo lida neste
jornal de domingo deste domingo, neste instante, agora, é lida enquanto
este instante está sendo este instante. No instante de agora, este
instante, neste instante, neste jornal de domingo, é o instante, neste
instante.
A palavra sendo lida neste jornal de domingo, porque
cada palavra só é palavra neste instante de agora em que está sendo
lida, cada palavra lida neste jornal de domingo deste domingo, enquanto
agora está sendo agora, irrecuperavelmente agora, cada palavra sendo
lida agora neste instante, nesta contracapa do Segundo Caderno do jornal
de domingo, só é palavra por estar sendo lida, agora.
É agora
que este instante está sendo agora. Neste jornal de domingo deste
domingo, este instante, no instante em que cada palavra é a palavra
lida, e só assim ela é palavra, ela, a palavra é o instante de agora
neste jornal de domingo, deste domingo. Amanhã, segunda-feira, o jornal
de domingo não deixará de ser o jornal de domingo. Poderá ser o jornal
de ontem, mas não escapará de ser jornal de domingo e é nesse escaninho
dos acervos em que vai jazer. Os que escrevem para o jornal já vivem
normalmente atormentados desde que Rubem Braga disparou “escrever para o
jornal é como escrever na areia”. Imagina no domingo. Todo mundo espera
alguma coisa de um sábado à noite quando o jornal de domingo já está
consumado. Como este instante, consumido, neste instante, agora. Há quem
leia o jornal de domingo já no sábado, mas será este domingo neste
instante, este, de agora, ainda que o jornal já esteja lido, o horóscopo
dissecado, as palavras-cruzadas feitas. Nada se sabe do instante
seguinte, a não ser que virá. E que já foi.
Nenhuma outra espécie
de vida sobre o planeta está neste instante lendo o jornal de domingo
porque para nenhuma outra espécie de vida sobre o planeta é domingo, ou
deixa de ser. O jornal de domingo, neste instante sendo lido por um
espécime da única espécie que lê o jornal de domingo, procurando por
alguma coisa que não saberia nomear e que talvez seja por isso mesmo que
procura a cada página, instante por instante. Um exemplar da espécie
que está destruindo o até então único planeta que conhece bem e do qual
necessita para sobreviver. Os golfinhos por exemplo, não leem os
classificados do jornal de domingo, as crônicas mal traçadas ou o
caderno de esportes, estão muito ocupados em ser golfinhos.
Todo
mundo espera alguma coisa do jornal de domingo. Deste jornal de domingo,
deste domingo, neste instante, de agora. Neste, este. Este.
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