Revista Època - 06/10/2013
Luiz Maklouf Carvalho
A Dilma vai ganhar no primeiro turno, em 2014, porque ocorrerá uma
antropofagia de anões. Eles vão se comer, lá embaixo, e ela sobranceira,
vai planar no Olimpo.
A previsão é do marqueteiro João Santana, o número um do PT, do prefeito
de São Paulo, Fernando Haddad, e da presidente da República, Dilma
Rousseff - a "selvagem da motocicleta", como divertidamente a chamou em
uma das duas entrevistas que concedeu a ÉPOCA. Os "anões", diz Santana,
são os candidatos Marina Silva, Aécio Neves, Eduardo Campos e, pelas
contas dele, José Serra. "O que menos crescerá, ao contrário do que ele
próprio pensa, é justamente Eduardo Campos", disse.
Santana faz parte, como consultor político informal de Dilma, da meia
dúzia de assessores que ela ouve mais, conhecida como "núcleo duro" do
governo. Além dele, formam o time os ministros Aloizio Mercadante
(Educação), José Eduardo Cardozo (Justiça), Fernando Pimentel
(Desenvolvimento), o ex-ministro Franklin Martins e o ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. Deles, o único que não é ou foi ministro nem
presidente da República é Santana. Ele compara Lula a Dilma da seguinte
forma: "Lula é vulcão. Dilma é raio laser". E se autodefine assim: "Sou
um dos últimos socialistas românticos e um dos primeiros socialistas
cibernéticos - ao mesmo tempo utópico e descrente; ao mesmo tempo sério e
debochado". Faz uma profecia para o Brasil: "Aqui ocorrerão, neste
século, as grandes tramas neopolíticas, neoestéticas e ciberétnicas.
Gosto muito da definição espiritualista, de que o Brasil é o laboratório
do espírito santo".
AUTODEFINIÇÃO
O marqueteiro João Santana em seu escritório, em São Paulo. “Sou um dos
últimos socialistas românticos e um dos primeiros socialistas
cibernéticos” (Foto: Mauricio Lima/The New York Times)
João Santana de Cerqueira Filho, baiano da cidade de Tucano (pois é...),
tem 60 anos, é vovô de três netos, com o quarto a caminho, e coleciona
feitos e números inusitados. Como marqueteiro, já ajudou a eleger seis
presidentes da República: Lula (reeleição, 2006), Mauricio Funes (El Salvador, 2009), Dilma Rousseff (2010), Danilo Medina
(República Dominicana, 2012), José Eduardo dos Santos (Angola, 2012) e
Hugo Chavez/Nicolás Maduro (Venezuela, 2012). É um recorde mundial. Vale
lembrar que Lula foi reeleito depois do escândalo do mensalão. O
marqueteiro contou a ÉPOCA que foi ele quem convenceu o PT a lançar a
quarta candidatura de Lula, no começo de 2001, momento em que até o
próprio Lula não estava animado com a ideia. "Naquela época, o Duda
(Mendonça, então sócio majoritário de Santana, com quem ele rompeu
depois) defendia os nomes do Suplicy ou do Tarso Genro", afirma.
(Mendonça não quis dar entrevista a ÉPOCA.)
Santana pode chegar a sete presidentes eleitos, se confirmadas as
pesquisas no Panamá. O candidato José Domingo Arias, seu cliente, está
na liderança. As eleições serão em março de 2014. Santana está
concentrado nesse trabalho. Viaja com frequência para a Cidade do
Panamá, onde mantém uma equipe de 30 pessoas. Sua empresa continua a dar
assistência aos presidentes de Angola, El Salvador e República
Dominicana.
Quanto Santana fatura com todo esse movimento? "São números
confidenciais, que só interessam à empresa", diz. Mas ele próprio já
informou, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, que a campanha de
Dilma Rousseff custou R$ 42 milhões - sem especificar os percentuais de
despesa, a maior parte, e de lucro. Os números disponíveis no site do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que a Pólis Propaganda e
Marketing, sua empresa, recebeu, do PT nacional, R$ 13,7 milhões em
2006, R$ 9,8 milhões em 2008, R$ 42 milhões em 2010 e R$ 30 milhões em
2012. Um total de R$ 95,6 milhões. É o que há no TSE até 2012. Não
existe TSE ou semelhantes para as campanhas internacionais. De vez em
quando, sai um número que Santana não confirma nem desmente, como os US$
65 milhões de faturamento na campanha presidencial de Angola - aí
incluídos os custos, a exemplo dos demais números citados. No ano
passado, com seis campanhas simultâneas, a Pólis empregou
temporariamente um batalhão de 700 funcionários. Seus braços direito e
esquerdo, na Pólis, além da sócia e mulher, Mônica Moura, são os
marqueteiros Marcelo Kertész e Eduardo Costa.
No caso da presidente Dilma, Santana e a área de comunicação do governo
dizem que ele trabalha de graça. Em 9 de fevereiro de 2011, Santana e
seu diretor de criação, Kertész, assinaram, com a Presidência da
República, um termo de cessão de direitos de uso da marca e do slogan
"Brasil - país rico é país sem probreza", criado por ambos. A ministra
da Comunicação Social, Helena Chagas, não quis falar sobre Santana. A
presidente Dilma também não. O escritor e marqueteiro baiano Marcelo
Simões, amigo antigo, admirador e ex-colaborador da Pólis, afirma que
Santana ficou milionário. "Bota aí uns US$ 50 milhões, para mais", diz.
Santana ouviu esse número duas vezes. Apenas riu, gostosamente, e
carimbou Simões com dois ou três palavrões dos que se dizem na
baianidade.
Já veio a público que Santana tem um bom apartamento num bairro chique
de Salvador, uma casa de oito quartos na Praia de Interlagos, Bahia,
outra, futurista, na Praia de Trancoso, uma fazenda em Tucano e outra em
Barreiras, cidade vizinha. Viaja com frequência para o exterior -
principalmente Nova York e Paris, algumas vezes por ano. "Adoro essas
duas cidades e já não sou um turista acidental", diz. Em janeiro
passado, levou a família - 13 pessoas - para 20 dias de férias em
Barbados, uma ilha no Caribe. Ultimamente, mora em São Paulo, onde fica a
sede da Pólis, com 20 funcionários fixos (a empresa tem filial em
Salvador). Depois de alguns anos morando em bons hotéis, mudou-se com a
mulher para um apartamento de 280 metros quadrados, por enquanto
alugado, no bairro de Vila Nova Conceição. Em Brasília, aonde vai quando
a presidente o chama -não diz com que frequência -, hospeda-se em
hotel.
Santana já se casou com sete mulheres. Sua sócia e faz-tudo Mônica
Regina Cunha Moura é a sétima. "É a grande mulher da minha vida", diz
ele. Antes de Mônica, ou MM, como ela assina os e-mails, os amigos o
chamavam de Dom João VI. O casamento-namoro vai para 15 anos. Jantam
fora praticamente todos os dias, nos melhores restaurantes, com os
melhores vinhos, escolhidos, às vezes, no aplicativo que ela guarda no
iPhone. Santana é muito de frutos do mar - com predileção pelo tirashi,
da cozinha japonesa, que leva fatias cruas de peixe sobre uma tigela de
arroz. MM é ele, para todas as tarefas práticas que possam existir:
contatos com imprensa, advogados, clientes, fornecedores, meia dúzia de
secretários domésticos, problemas com filhos (e suas mães), netos,
sogra, logística. É tudo com ela. Para esta reportagem, Santana só
apareceu depois de dois meses, diversos telefonemas, dezenas de e-mails e
torpedos - todos com ela.
Mônica já não estranha as muitas excentricidades do marido - entre elas a
relação espiritual que Santana tem com Ettore Majorana. A internet
informa que Majorana foi um físico italiano. Estudioso da energia
nuclear, desapareceu misteriosamente em 1938, com 32 anos. É uma espécie
de Dana de Tefé da física, por assim dizer. "Tenho uma relação
misteriosa e cotidiana com ele", diz Santana, ao relembrar que o jovem
cientista existiu. É o Santana dos espíritos e do candomblé, de
confessada forte influência, pé de pato, mangalô, três vezes. Numa
entrevista a ÉPOCA, quando achou que falava mais do que pretendia,
Santana fez uma pausa, acendeu a luz alta dos grandes olhos verdes,
disse "Você tem um omulu..." -e continuou a falar. (Majorana
desapareceu, livro do escritor italiano Leonardo Sciascia, está
disponível nos sebos virtuais.)
Os números também são superlativos no que tange às (p)referências
culturais de Santana, definidas por ele como "maravilhosamente
caóticas". Na literatura, citou 56 autores, 14 deles brasileiros, entre
aqueles que fazem ou fizeram seu deleite. Na música, relacionou 80
compositores e/ou intérpretes. A maioria faz parte do cânone universal,
ou nacional (leia a relação em epoca.com.br). Um ou outro pede um
passeio no Google, caso do compositor erudito Arvo Part, de 78 anos, da
Estônia (nascido em 11 de setembro, já que Santana é de ver omulus...).
No estilo brega, diz que adora Waldick Soriano - de "Eu não sou cachorro
não-, sempre querido dos que farrearam em casa de mulher, prostíbulo,
cabaré e lupanares. De um deles, em Porto Alegre - tempos em que fazia a
campanha do peemebedista Antônio Britto contra o vitorioso bigodudo
petista Olívio Dutra -, Santana escorraçou da mesa um colega que
desrespeitou uma estonteante profissional.
Há um João Santana romancista - e nessa área os números também falam
alto. Ele classificou o órgão sexual feminino em nada menos de 14 tipos,
cada qual com sua detalhada e criativa descrição. São eles: "abóbada
azulada", "brasa endiabrada", "mamãe eu quero", "de siri", "gaita de
fole", "dedo de veludo", "Vênus de Apuleio", "menina fujona", "grota
oceânica", "arco-íris", "alicate" "serpente alada", "porta de cadeia" e
"rainha". A única descrição possível de citar em ÉPOCA é a arco-íris:
"Coberta por uma pequena selva respingada de gotas tímidas, que se abrem
suspeitas de segredos, loucas para se revelar". As outras - e
muitíssimo mais - estão no romance Aquele sol negro azulado, o único de
Santana até aqui, lançado em 2002, disponível on-line.
Santana escolheu, para a primeira entrevista, um estrelado restaurante
nos Jardins, área nobre da capital paulistana. Era uma agradável tarde
de sábado. Chegou, baianamente, irradiando simpatia. Um blazer
azul-marinho com botões dourados rodeava uma barriga que, vá lá, sempre
poderia ser maior. Calça jeans, camisa de listras verticais e sapatênis,
todos de boas marcas, completavam sua ladina figura (no sentido em que
Rubem Braga chamou Vinícius de Moraes, ambos na lista dos 56 autores).
Uma das características mais singulares de Santana é que ele não termina
todas as frases de forma inteligível. "Tenho um circuito neural rápido,
tzzzzwzq, tclixzhchcz, querwtzch, tryzwrrrs (barulhos de circuito
neural rápido). Qualquer pessoa que convive ou conviveu comigo sabe
disso." Diz que a presidente Dilma brinca com ele devolvendo fins de
frases igualmente incompreensíveis, que ambos entendem. "Meu cérebro
produz algumas coisas muito rápidas, e essa é a fimção nossa, como
marqueteiros, um termo que adoro, um nome simpático. Apesar de toda a
carga pejorativa que tentam impor, acho bonito. Parece coisa de
sambista. Sinto como se fosse o sambista da política. Me sinto na Lapa
de Noel, fazendo política na Lapa..."
No restaurante, Santana relembra a infância em Tucano, no sertão de
Canudos, a 250 quilômetros de Salvador, àquela época com 3 mil
habitantes. Foi o filho do meio do segundo casamento do fazendeiro,
beneficiador de sisal, dono de cartório e depois prefeito João Santana,
"muito autoritário". Seu pai já morreu. Sua mãe, dona Helena, que mora
em Salvador, abastecia a casa com publicações do "sul", como a revista O
Cruzeiro e livros das Edições de Ouro. Santana conta que estudava -
"até latim grego" -, lia, dirigia o DKW desde os 9 anos e soprava
saxofone alto na Filarmônica São José. O maestro era João Neves, de
resto oficial de justiça no cartório paterno. Ele diz que aprendeu
hipnotismo em dez lições, e praticou, até com levitação. "Adorava
provocar dor de dente nas meninas." Até hoje é adepto da quiromancia - a
leitura das mãos. Em 1965, com 12 anos, mudou-se para Salvador. Vida de
colégio interno, o marista Vieira, onde ganhou o apelido que até hoje
carrega: Patinhas. Não por ser pão-duro - é até mão aberta. Mas por
exercer "com tirania fiscal única" o posto de tesoureiro do grêmio
estudantil.
Em junho, quando as manifestações de rua abalaram o país, a presidente
Dilma convocou Santana. De olho na televisão, almoçaram no dia 17, com
Carlos Augusto Montenegro e Márcia Cavallari, do Ibope, que monitorava a
movimentação. "Ninguém entendia o que estava acontecendo", diz Santana.
Na noite do mesmo dia - quando mais de 100 mil pessoas ocuparam o
centro do Rio de Janeiro -, o jantar, com TV, reuniu a presidente, o
marqueteiro e o, no momento, mais poderoso integrante da meia dúzia de
conselheiros palacianos: o ministro Mercadante, da Educação. "Já ficou
claro que a crise seria maior do que a gente tinha imaginado", diz
Santana. Ele é muito cioso, quase temeroso, em contar o que Dilma disse
ou deixou de dizer nessa e em qualquer outra ocasião. Sabe que ela não
suporta leva e traz. Faz um comentário genérico sobre a postura dela na
crise junina - quando chegou a cair 27 pontos nas pesquisas: "Ela tem
uma capacidade muito forte de resistir a uma situação de crise. A Dilma é
f... Ela fica surpresa, sim, mas jamais intimidada".
Santana detectou, em sua cadeia de pesquisas, que junho poderia
acontecer? "Não. É impossível", responde. Não é uma falha do marqueteiro
político? "Não. Acontecimentos dessa natureza só podem existir porque
são imprevisíveis. Pesquisa não pode detectar fatores vulcânicos. É
igual um terremoto. Você sabe que pode acontecer, mas nunca saberá o
dia, nem a intensidade. Se, uma semana antes, perguntassem, para as 400
mil pessoas que foram às ruas, se elas iriam, a resposta seria não." Em
julho, quando uma pesquisa do Datafolha mostrou uma queda de 21 pontos
na popularidade de Dilma, apontando segundo turno em 2014, Santana disse
à Folha de S.Paulo: "Essa pesquisa tem o valor de uma vaia em estádio.
Não passa de catarse temporária. Redobro a aposta: Dilma ganha no
primeiro turno".
No sábado de agosto, durante o almoço com ÉPOCA, as pesquisas apontam
forte subida de Dilma - 38% de avaliação "ótimo" ou "bom". Santana está
feliz. "Nas minhas pesquisas, ela já está com 43 - e subirá mais",
afirma. Para explicar seu prognóstico, usa a nomenclatura do
neurobiologista português Antônio Damásio, "um dos caras mais geniais
que eu já li". Nesse caso, a referência é o livro Em busca de Spinoza:
prazer e dor na ciência dos sentimentos, que diz reler pela terceira
vez. Damásio trata, filosoficamente, das diferenças entre os sentimentos
e as emoções.
- Junho era emoção, espasmo. Não foi modificado o sentimento das pessoas
em relação a Dilma. Uma semana antes, minhas pesquisas mostravam que os
atributos dela, a maioria, eram extremamente positivos. É honesta? Tem
comando? Mais de 70%. O governo está gerindo bem? Está, com problemas
aqui e ali, mas está. Confirmava a série histórica, e batia com a
pesquisa de 15 dias antes. Então, não poderia ser algo em relação a ela,
Dilma, mas à posição no cargo. Há estudos mostrando que, na estrutura
republicana federativa, a crise bate mais fortemente lá em cima - mas é
lá em cima também que começa a se dissolver. Por isso, ela se recuperou
tão rápido.
Patinhas é o nome com que Santana virou verbete no prestigioso
Dicionário Cravo Albim da Música Popular Brasileira, disponível na
internet. Foi fundador e letrista do grupo Bendegó, com os parceiros
Winston Geraldo Guimarães Barreto, o Gereba, que segue músico em
Salvador, e José Ventura dos Santos, o Kapenga, funcionário de Santana
em São Paulo. Nos velhos tempos, Patinhas conviveu com Caetano, Gilberto
Gil e muitos outros "bichos-grilos" do que viria a ser o tropicalismo.
Patinhas gostava de chocar (ontem como hoje). Contam que uma vez, na
casa de Caetano, copinho de cachaça equilibrado no joelho - "nunca
deixou cair!", diz Gereba -, quis constranger o grupo perguntando quem
se masturbava (com outra palavra, é claro). As respostas foram saindo,
tímidas e confrangidas. Até que Caetano fez a mesma pergunta ao próprio
Patinhas. "Não abro mão", respondeu, zás-trás, para a gargalhada geral. E
virou mais um copinho da bebida que ainda hoje curte (e coleciona).
Eram anos de ditadura, década de 1970. Patinhas aderiu aos sentimentos e
emoções da guerrilha cultural, em sentido amplo. Deixou crescer o
cabelo, à black power. Pelos relatos, fumou toda a maconha que pôde,
viciou-se em nicotina (até quatro maços por dia), experimentou muitos
cogumelos alucinógenos do sertão, fez viagens místicas e psicodélicas,
jogou-se na música e na filosofia eubiótica (ou arte de bem viver) do
suíço-baiano Walter Smeták, guru dos tropicalistas. Santana o incensa
até hoje: "Foi meu pai espiritual. Ensinou-me a virar os olhos para
dentro da cabeça e o ouvido para dentro do silêncio da alma".
Como jornalista, teve "um tremendo lado moleque", expressão do
jornalista Antônio Risério, amigo e colaborador. Uma vez, atrapalhou
completamente uma visita do então presidente Sarney, hoje presidente do
Senado, ao Mercado Modelo, em Salvador. Na hora em que Sarney chegou, um
ator comediante localmente bem conhecido comandava uma balbúrdia de fãs
pedindo autógrafo. Santana é quem armara tudo, caladinho. Outra vez, na
época das Diretas Já, quando Paulo Maluf visitava Salvador, mandou
fazer uma camiseta. No aeroporto, pediu a uma fotógrafa (sua namorada,
para variar) que entregasse a camiseta a Maluf, como presente dos
jornalistas da Bahia. Então candidato ao colégio eleitoral, Maluf a
recebeu, dobrada, deu aquele indefectível sorriso e, sem atentar na
inscrição, abriu um "Diretas Já" que foi parar na imprensa.
Sua primeira e rápida incursão como publicitário foi na agência
Standard, do então rebelde, comunista e ex-exilado Sérgio Amado. O
cliente era a cadeia de lojas Tio Correa, um varejista daqueles tempos
como as Casas Bahia. "Vá direto no barato", foi o slogan criado por
Patinhas. Era um pleonasmo vicioso. "Ele sempre foi talentoso", diz
Amado, hoje presidente da Ogilvy Group Brasil.
Do time publicitário que não trabalha para o governo, ele não é o único
dos centroavantes a elogiar Santana. "João é um cara que sabe se
colocar", afirma Nizan Guanaes, presidente do Grupo ABC, o maior grupo
brasileiro de marketing, onde pontifica a agência África. "O Tio Correa
dobrou as vendas, mas o barato bom era o outro", diz Santana, com uma
espontânea risada de baiano folgado. Conta que parou com os exageros
quando nasceu sua primeira filha, Suriá Luirí, hoje com 37 anos. Ela
mora com o marido nos Estados Unidos. É mãe de Natália, de 3 anos, e
carrega a próxima neta de Santana, que nasce neste outubro. (Aylê Axé,
seu outro filho, de 35 anos, mora em Salvador e trabalha com o pai. Ele
tem os filhos João Pedro, de 14 anos, e Manuela, de 4, capa do celular
de Santana.)
"João é muito de dizer o que pensa, sem ser puxa-saco", diz o radialista
Mário Kertész, o MK, dono de um popular programa de rádio da Bahia. MK
foi prefeito de Salvador, pelo então MDB, entre 1986 e 1988. A seu
convite, Santana largou o jornalismo - era o diretor de redação da
sucursal do Jornal do Brasil, em Brasília, subordinado ao jornalista
Ricardo Noblat - "Tocávamos de ouvido", diz o hoje blogueiro de O Globo -
e assumiu a Secretaria de Comunicação Social da prefeitura. Foi seu
batismo no marketing político. Circulava na prefeitura o publicitário
Duda Mendonça, que fizera a campanha de Kertész e continuava com a
conta, administrada pelo secretário de Comunicação Social. Deram-se bem -
mas cada um ficou cuidando da sua vida.
Santana voltou para o jornalismo, saiu e foi estudar um ano em
Washington. Na volta, dirigiu a sucursal da revista IstoÉ, em Brasília,
onde ganhou o Prêmio Esso de Reportagem em 1992, com os jornalistas
Augusto Fonseca e Mino Pedrosa, pela reportagem "Eriberto,
testemunha-chave", decisiva para o impeachment do presidente Fernando
Collor. Depois da folga sabática, decidiu-se pelo marketing político.
"Jornalismo não dá camisa a ninguém", dizia a quem perguntava se não
voltaria às redações. Queria ganhar dinheiro. Aceitou um convite de
Mendonça. Àquela altura, 1994, ele já conquistara a vitória do prefeito
Maluf contra o petista Eduardo Suplicy, nas eleições de 1992, em São
Paulo. Santana entrou na agência como contratado, depois virou sócio.
Trabalhou, ilustre desconhecido, na campanha que elegeu Celso Pitta e em
diversas outras, incluindo a segunda vitória de Antonio Palocci na
prefeitura de Ribeirão Preto, em 2000. Santana a dirigiu, venceu e
ganhou simpatia e confiança do quadro petista.
Lula já admirava Mendonça. Conheceram-se em 1994, pelas mãos do
jornalista Ricardo Kotscho. Desde então, ficara no ar o desejo de trazer
Mendonça para a campanha nacional. A preliminar com Palloci foi
determinante para que isso acontecesse. No final de 2000, Mendonça e
Santana jantaram na casa de Lula - presentes, ainda, Palocci e José
Dirceu. "Naquele momento, havia um descrédito absoluto em relação à
capacidade de vitória do Lula - até do próprio Lula. O Duda queria que o
candidato fosse o Suplicy ou o Tarso Genro. Coordenei as pesquisas,
quantis (quantitativas) e qualis (qualitativas), e os números deram
Lula, claramente. O Duda não acreditou e pediu para repetir. Repeti, por
amostragem, e veio uma onda gigantesca para o Lula. Fiz um diagnóstico,
analisando esses números. Duda era visto como malufista, então fui eu
que apresentei, primeiro ao Lula e à direção executiva, depois a uma
reunião ampliada do Diretório Nacional, com uns 30 caciques do PT.
Ficaram fascinados. Foi assim que a candidatura de Lula renasceu."
Lula ficou grato e convidou Santana para um bacalhau de botequim, só os
dois, segundo o marqueteiro. "Uns e outros aí queriam me rifar - e você
deu a pá de cal", disse Lula, segundo Santana. (Procurado por ÉPOCA, o
ex-pre-sidente Lula não quis dar entrevista.) Começaram a trabalhar na
pré-campanha de 2001. A estrela (e o patrão) era Duda - e Santana
começou a se incomodar. Ozeas Duarte, então integrante do Diretório
Nacional e coordenador de comunicação da campanha - há muito afastado do
partido -, foi um dos que perceberam a chateação de Santana. Uma vez,
quando Mendonça pensava, numa sala de porta fechada, com a luz vermelha
acesa, para ninguém entrar, Santana o apontou e disse a Duarte, azedo:
"Esse aí, se escrever mais de dez linhas, tem um curto-circuito".
Em 2001, quando a campanha de Lula começava a esquentar, a paciência de
Santana transbordou. A última gota foi o livro que Mendonça escreveu,
Casos & coisas. O já sócio Santana é citado seis vezes, de passagem,
uma delas assim: "Com seu jeito calado e avesso a badalações, João é
hoje um dos grandes nomes do marketing político brasileiro". O problema,
na ótica de Santana, é que Mendonça chamava para si 99% do trabalho que
todos faziam, incluindo as campanhas na Argentina, onde Mendonça mal
pusera o pé.
Como já estava no limite, Santana teve outro zás-trás. Foi à casa de
Mendonça e disse com todas as letras, sem maior alteração, que pularia
fora, porque não aguentava mais trabalhar com ele. Mendonça ofereceu
mais 11% de sociedade além dos 9% que o parceiro tinha. Santana
ofendeu-se - e não voltou atrás. Disse a Mendonça que iria a São Paulo
explicar a situação a Lula, sem criar problemas para a continuidade da
campanha. Mendonça não acreditou. Foi exatamente o que Santana fez, sem
choro, sem vela e sem retaliação. Mendonça chegou a oferecer até
recompensa para quem o trouxesse de volta - US$ 10 mil mas logo
desistiu.
Com Mônica de esteio, fundou a Pólis, arrebanhou uma parte dos clientes
de Mendonça - principalmente os argentinos - e conseguiu outros, como o
petista Delcídio Amaral, de Mato Grosso do Sul (eleito senador em 2002,
numa campanha em que começou com 3%). Delcídio lembra uma noite fria, em
que os dois tomavam uísque 12 anos e banho de piscina em sua casa de
Campo Grande. "Ele nunca duvidou que eu fosse ganhar", diz. "João é um
cara de convicções, que faz o marketing do bem, sem bruxaria e dossiês."
O primeiro colo que Santana procurou depois do rompimento com Mendonça -
tirante o de Mônica, sempiterno - foi do também ex-jornalista,
marqueteiro e depois consultor de crises Mario Rosa, então parceiro de
Mendonça. "Eram dois machos alfa, que não cabiam no mesmo bando", diz
Rosa. "João estava sofrido, mas era um cara de Tucano, de farra, de
energia vital." Poderiam ter sido sócios, meio a meio, mas Rosa achou
que, tendo dispensado Mendonça, não seria com ele, ainda uma promessa,
que Santana compartilharia o mando.
Santana remou seu barco e deu sorte nas pescarias, principalmente em
águas platenses. Não fez um só movimento em direção ao presidente
eleito, Lula, ou ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Passou 2003,
2004, e chegou 2005, com as CPIs, a denúncia do mensalão e a maior crise
política do governo petista. O PT nacional chamara, para abafar o
incêndio, o também ex-jornalista baiano e marqueteiro Edson Barbosa, o
Edinho, dono da Link Propaganda, que hoje atende o governador Eduardo
Campos (pois é...). São de Edinho os primeiros vídeos a estilizar o
"nunca antes da história deste país", ladainha do ex-presidente Lula.
Várias vezes eles estiveram em vias paralelas, em campanhas, Edinho
antes, Santana depois. E assim também seria em 2005. "O João é
pensamento crítico, comunicação coordenada", diz Edinho. "Tem um
portfólio encantador - e não é um prestidigitador."
Em agosto de 2005, Santana estava em Córdoba, no maior frio. Viu, pela
internet, o depoimento franco de Mendonça à CPI dos Correios. "Fiquei
estarrecido. "O governo acabou, pensei." Dias depois, recebeu um
telefonema do assessor do presidente, Gilberto Carvalho, hoje ministro
da Secretaria-Geral da presidente Dilma. "O Lula quer saber se você pode
vir a Brasília falar com ele", perguntou Gilberto Carvalho. "Foi o
Palocci que falou com o Lula", disse Carvalho a ÉPOCA. "O João veio e
provocou um impacto imediato, porque trouxe muita convicção de que era
possível reverter a crise. Eu ficava desconfiado, porque confesso que
não tinha muita certeza. Mas ele devolveu a confiança, fez o próprio
Lula recobrar o ânimo, e acertou a mão." O que Santana trouxe de
novidade, na leitura de Carvalho, foi a inclusão das conquistas sociais
do governo numa narrativa publicitária audaciosa, com foco nas mídias
regionais. Houve um momento difícil, diz ele: "Quando houve o escândalo
dos aloprados e o Alckmin acabou indo para o segundo turno, o João ficou
muito mal, completamente nocauteado, bem perdido. Aí, já foram o Lula e
o Palocci que o reanimaram".
Lula reeleito, Santana levou para o governo o jornalista Franklin
Martins. Para prestigiá-lo, pediu que Lula transformasse em Ministério a
Secretaria de Comunicação Social. Martins aceitou. Hoje ex-ministro,
ele faz parte da meia dúzia que a presidente consulta, e até convida
para maiores responsabilidades. "Não somos divergentes, e sim
complementares", diz Santana sobre Martins. "O João tem o toque de
Midas eleitoral", diz Martins. "Desde o governo Lula, nós tocamos de
ouvido."
"A selvagem da motocicleta" foi a primeira expressão de Santana quando
entrou na conversa o passeio de moto que Dilma fizera, driblando a
segurança, em agosto passado. "Achei sensacional, mas não tive nada a
ver com isso. Se eu tivesse dado a ideia, ela não toparia. No íntimo,
ela é isso, muito bem-humorada .
Os dois se conheceram quando Dilma era ministra - e Santana foi ao
gabinete, com um funcionário da Pólis, ouvir uma explanação sobre um
programa do governo que queria divulgar. Simpatizaram. Tiveram um
atrito, no começo de 2010, quando a ministra já era o "poste" que ele
precisava iluminar. "Aí a relação ficou péssima, tivemos discussões
muito fortes. Foi assim durante sete meses, até maio de 2010. O Lula é
que ajudava", diz. O pior dia foi durante um almoço na casa de Dilma.
Santana leria uma proposta de roteiro para um primeiro programa de TV,
em que ela começaria a aparecer mais. Estavam presentes os ex-ministros
Palocci, Márcio Thomaz Bastos e José Dirceu, o então presidente do PT,
Ricardo Berzoini, o assessor e hoje chefe do gabinete pessoal de Dilma,
Giles Azevedo. Feita a leitura, Dilma não gostou. "Ela reclamou. Achou a
presença dela muito light, disse que deveria ter maior protagonismo. Eu
disse que o protagonismo tinha de ser gradativo, aos poucos. Fui
sintético, mas muito deselegante. Tive de ser duro com ela. O Zé Dirceu
até tomou um susto com a minha reação", diz Santana.
Ele não é de maiores detalhes sobre seu trabalho com Dilma. O programa
Mais Médicos, como foi? "É claro que fui consultado, ajudei, embasado
nas pesquisas, mas o Mais Médicos é uma decisão corajosa de Dilma Vana
Rousseff, com o apoio fortíssimo do (ministro da Saúde, Alexandre)
Padilha." Sobre o discurso de Dilma na ONU, contra a espionagem dos
Estados Unidos, ele não quis dizer nada. Respondeu sobre o que ela fez
na visita do papa - aquela extensa peroração sobre o governo. "Este não
fui eu", diz. "E eu não iria naquela linha."
A segunda entrevista com Santana, no dia 10 de setembro, é no mesmo
restaurante agradável, ao cair de uma tarde querendo esfriar. Santana
pede um dry martini, seu drinque predileto, no limite de dois. Tem o
cuidado de escolher o gim, no caso inglês, embora defenda que o melhor é
uma marca russa. Elogia muito Euclides da Cunha e Os sertões, que
afirma ter lido aos 12 anos e diz reler até hoje. "Tucano é no sertão de
Canudos", diz. Lembra que o avô materno, Jonas, mulato de muita
coragem, combateu Lampião na força policial. Comenta o filme Hannah
Arendt, que diz tê-lo levado às lágrimas, discorre sobre seus autores
prediletos no marketing político, entre eles o russo Serguei
Tchakhotine, autor de A mistificação da massa pela propaganda política.
No restaurante, Santana pega uma folha de papel. Desenha um retângulo
vertical em toda a metade esquerda, e quatro quadrados sobrepostos na
metade direita. "Esse espaço de cá - o do retângulo - é 200% Dilma,
preserva-díssimo. O de cá - os quadrados - tem um espaço muito pequeno
para os três candidatos da oposição. Se tiver um quarto, porque eu acho
que o Serra vai entrar, ainda é melhor para Dilma. Nenhum deles invadirá
a área dela - muito menos Eduardo Campos. E acabou, não vou falar mais
nada, a minha emoção é não falar.
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