Revista Veja - 06/10/2013
Não creio que a gente ande tão ruim de português por causa das redes
sociais, dos torpedos no celular. Essa reclamação tem cheiro de mofo.
O interessante é que, embora digam que se lê pouco, as editoras vendem
mais que nunca, bienais e feiras ficam lotadas, e mesmo assim não
conseguimos nos expressar direito, nem oralmente nem por escrito. Se
lemos mais, por que escrevemos e falamos mal?
Penso que, coisas verificadas há trinta anos em meus tempos de
professora universitária, andamos com problema de raciocínio. Não
aprendemos a pensar, observar, argumentar (qualquer esforço maior foi
banido de muitas escolas), portanto não sabemos organizar nosso
pensamento, muito menos expressá-lo por escrito ou mesmo falando. "Eu
sei, mas não sei dizer", "Eu sei, mas não consigo escrever isso"" são
frases ouvidas há muito tempo, tempo demais.
A exigência aos alunos baixou de nível assustadoramente, e com isso o
ensino entrou em queda vertiginosa. Tudo deve parecer brincadeira. Na
infância, ensinam a chamar as professoras de tias, coisa com que, pouco
simpática, sempre impliquei: tias são parentes. Professoras, ou o
carinhoso profes, ou pros, são pessoas que estão ali para cuidar, sim,
mas também para educar já os bem pequenos. Modos à mesa, civilidade,
dividir brinquedos, não morder nem bater, socializar-se enfim da maneira
menos selvagem possível.
Depois, sim, devem educar e ensinar. Sala de aula é para trabalhar:
pátio é para brincar. Não precisa ser sacrifício, mas dar uma sensação
de coisa séria, produtiva e boa.
Por alguma razão, lá pela década de 60 inventamos - melhor: importamos -
a ideia de que ensinar 6 antipático e aprender, ou estudar, é crueldade
infligida pelos adultos. Tabuada, nem pensar. Ortografia, longe de nós.
Notas, abolidas: agora só os vagos conceitos. Reprovação seria o
anátema. É preciso esforçar-se, e caprichar, para ser reprovado.
Resultado: alunos saindo do ensino médio para a faculdade sem saber
redigir uma página ou parágrafo coerente e em boa ortografia em seu
próprio idioma!
O acesso à universidade, devido a esse baixo nível do ensino médio,
reduziu-se a um facilitaris-mo assustador. Hordas de jovens entram na
universidade sem o menor preparo. São os futuros bacharéis que não vão
passar no exame da Ordem. Na medicina e na engenharia, o resultado pode
ser catastrófico: ali se lida com vidas e construções. Em lugar de
querer melhorar o nível desse ensino, cogita-se abolir o exame da Ordem.
Outras providências desse tipo virão depois. Em vez de elevarmos o
nível do ensino básico, vamos adotar o método da não reprovação. Em
lugar de exigirmos mais no ensino médio, vamos deixar todos à vontade.
pois com tantas cotas e outros recursos vão ingressar na universidade de
qualquer jeito.
Além do ensino e do aprendizado, facilitamos incrivelmente as coisas no
nível da educação, isto é. comportamento, compostura, postura, respeito,
civilidade.
Alunos comem, jogam no celular, conversam, riem na sala de aula - na
presença do professor que tenta exercer sua dura profissão - como se
estivessem no bar. Tente o professor impor autoridade, e possivelmente
ele. não o aluno malcriado. será chamado pela direção e admoestado. Caso
tenha sido mais severo, quem sabe será processado pelos pais.
Não estou inventando: nesta coluna não escreve a ficcionista, mas a observadora da realidade.
A continuar esse processo antieducação, e nos altos escalões o desfile
de péssimos exemplos, impunidades, negociatas e deboches - além do
desastroso resultado do julgamento do mensalão, apesar de firulas
jurídicas -, teremos problemas bem interessantes nos próximos anos em
matéria de dignidade e honradez. Pois tudo isso contamina o sentimento
do povo. que somos todos nós, e pior: desanima os jovens que precisam de
liderança positiva.
Resta buscar ânimo em outras pastagens, para não desistir de ser um cidadão produtivo e decente.
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