Traduzidos por Júlio Castañon Guimarães, poemas de Paul Valéry exibem força e beleza em sua busca pela perfeição. Edição brasileira reúne versos de Album de vers Anciens e Charmes
Walter Sebastião
Estado de Minas: 04/01/2014
Paul Valéry diz que o ato de escrever exige reflexão, e não a inscrição maquinal de palavras |
Os poemas de Paul Valéry (1871-1945) são, digamos, bifrontes. Às vezes, parecem antiquados bibelôs – charmosos, mas de afetado preciosismo formal e com excessivo apego a motivos convencionais. Ao mesmo tempo, revelam um pensar que dialoga sibilinamente com estéticas modernas, em especial aquelas ligadas ao planejamento – seja da composição, de efeitos ou de versos. De um lado está a busca obsessiva, e algo monótona, pela perfeição; de outro a materialidade do poema, da palavra e das estruturas literárias, com singular e fascinante compreensão do fazer poético. As duas faces, indissociáveis, estão em qualquer texto de Valéry, oscilando para um ou outro aspecto de acordo com a tradução.
Esse perfil – desenhado com alguma implicância deste articulista com o poeta (talvez por não lê-lo em outra língua que não o português) – faz com que textos do autor francês ganhem beleza e força em leituras guiadas por intérpretes sensíveis. Um exemplo: Fragmentos do Narciso e outros poemas (Ateliê Editorial), traduzido e organizado por Júlio Castañon Guimarães.
O volume traz versos de dois livros: Album de vers Anciens (1920) e Charmes (1922). Castañon explica que os textos são bastante diversos entre si, embora vindos de volumes que têm o mesmo caráter. A reunião busca uma forma inicial de leitura da poesia de Valéry que dê margem a outras, sobretudo a partir da criação de um contexto que articule os poemas e sua história.
As transformações desses poemas se deram pela busca da perfeição, mas também revelam percurso tumultuado (escrita, reescrita, montagem e remontagens). Tal situação ganha leitura atenta e minuciosa, usada para abordar a poesia e a poética de Valéry. De modo suave, mineiro, Castañon não entra em aspectos que, de acordo com estudiosos, são mitos sobre o francês, tachado como poeta difícil, neoclássico e formalista (o que ele é mesmo). Em vez de polemizar, o tradutor procura entender esses aspectos na obra do autor. E não deixa de registrar a dica de Judith Robison-Valéry para que os poemas sejam lidos sem atentar para o que se diz deles, descobrindo-se “a voz humana, vibrante, próxima”.
Os artigos de Júlio Castañon conduzem o leitor a observações arrojadas – entre elas a de que Paul Valéry é um poeta experimental ou de que, para ele, traduzir e escrever um poema é a mesma coisa. Mais até, segundo o próprio poeta: “Escrever o que quer que seja, na medida em que o ato de escrever exige reflexão, e não inscrição maquinal e sem parar de uma palavra interior inteiramente espontânea, é um trabalho de tradução exatamente comparável ao que opera a transmutação de um texto de uma língua para a outra”.
Pode-se discordar das opiniões de Paul Valéry. Ou não entendê-las inteiramente. Mas é impossível resistir à presença quase hipnótica que tais comentários criam. As reflexões do escritor em Fragmentos do Narciso… deixam a vontade de ler em português pelo menos uma antologia da obra que é fonte de muitas dessas considerações: os cadernos do poeta, cerca de 250 deles escritos entre 1894 e 1945.
Para quem quiser conhecer a prosa crítica de Valéry, vale lembrar: a Editora 34 lançou no Brasil o livro Introdução ao método de Leonardo da Vinci. O assunto é Leonardo, mas o texto é puro Valéry.
FRAGMENTOS DO NARCISO E OUTROS POEMAS
. De Paul Valéry
. Tradução: Júlio Castañon Guimarães
. Ateliê Editorial, 128 páginas, R$ 40
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