Um extravagante conquista Nova York
Valério Fabris
Jornalista
Estado de Minas: 04/01/2014
A história mostra que os Estados Unidos, mesmo sendo um país pelo menos 50 anos mais jovem do que o Brasil, costuma antecipar o que, de algum modo, acontecerá por aqui. Aboliram a escravatura 25 anos antes, declararam a independência com 46 anos de vantagem. Em 2008, elegeram um presidente negro, que conquistou o segundo mandato quatro anos depois.
No primeiro dia deste 2014, consumou-se um fato, duplamente expressivo e insólito, que merece a atenção dos brasileiros. Foi empossado na Prefeitura de Nova York o democrata Bill de Blasio, 52 anos. Seu perfil em nada combina com a suposta índole conservadora dos americanos. Ainda assim, conquistou uma vitória acachapante sobre o republicano Joe Lohta, com 74,3% dos votos.
Bill de Blasio, advogado, é casado com Chirlane MacCray, negra, cinco anos mais velha do que ele, ex-lésbica. Filho de Warren Wilhelm, imigrante alemão, alcoólatra que se matou com um rifle. Por detestar o pai, trocou o nome de batismo, Warren Wilhelm Jr. Recuperou seu apelido de infância, Bill, juntando-o ao sobrenome da mãe, a imigrante italiana Maria de Blasio.
Chirlane e o novo prefeito de Nova York têm dois filhos: Dante, 16 anos, e Chiara, 18. A jovem Chiara passou por problemas com álcool e maconha. Em mensagem de vídeo, veiculada na televisão, Chiara relatou como venceu as drogas. Tudo contou a favor. A sintonia entre Bill de Blasio e os eleitores foi tão fina que as urnas deram-lhe 49 pontos percentuais sobre o oponente, a quem restaram magros 24,3% dos votos.
Mas a vida pregressa de Bill de Blasio inclui outros episódios nada convencionais, completamente fora do figurino normal dos americanos. Para a lua de mel, escolheu Cuba. Em 1988, ele foi à Nicarágua, lá apoiando a revolução sandinista. Tempos depois, trabalhou no comitê da campanha de Hillary Clinton ao Senado. Hillary o demitiu por fraco desempenho. Em determinado momento, foi despejado de um apartamento que alugara em Nova York, devido a alegados problemas contratuais.
Hillary e o marido, Bill Clinton, continuaram amigos do excêntrico Bill de Blasio. Obama também se juntou à senadora e ao ex-presidente na empreitada de devolver Nova York aos democratas. A reluzente cidade tem 8,2 milhões de habitantes, dos quais 2 milhões são negros. Outros 3 milhões são imigrantes, latinos em sua grande maioria, uma parcela dos quais, obviamente, tem filhos nascidos nos Estados Unidos.
Ao se fixar nesse vasto contingente humano, Bill de Blasio ignorou Wall Street, os endinheirados da cidade, as celebridades e os formadores de opinião. Contrapôs-se frontalmente a Michael Bloomberg, um prefeito que obteve sucesso em muitas áreas, destacando-se a redução da criminalidade de Nova York ao menor nível dos últimos 50 anos. Acontece que Bloomberg, um político independente, egresso do Partido Republicano, parece ter pisado fundo demais no controle das ruas, pelo menos no que se refere ao programa stop-and-frisk (deter e revistar). Nos seus três mandatos, o stop-and-frisk abordou 5 milhões de pessoas.
Bloomberg teria, por outro lado, feito pouco caso do fato de que, dos endereços residenciais de Nova York, dois terços são ocupados por inquilinos, a preços bem elevados. Bill de Blasio mostrou-se sensível às dores do povo. Prometeu agir no mercado imobiliário. Disse, também, que vai rever o stop-and-frisk. Já antecipou que cobrará mais impostos dos ricos para investir na educação. Durante a campanha, foi acusado de populista. Seja o que for, as lideranças democratas vão monitorar Bill de Blasio. Hillary, Bill Clinton e Obama avalizaram o extravagante.
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