sábado, 4 de janeiro de 2014

Longa jornada sertão adentro - Carlos Herculano Lopes

Longa jornada sertão adentro 
 
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 04/01/2014


O romancista Marcelino Freire volta ao Nordeste em Nossos ossos (Edson Kumasaka/divulgação)
O romancista Marcelino Freire volta ao Nordeste em Nossos ossos

Depois de lançar livros de contos – entre eles Racif e Contos negreiros, vencedor do Prêmio Jabuti em 2006 –, Marcelino Freire estreia como romancista com Nossos ossos, que saiu pela Editora Record, consequência natural para quem, desde o início de sua escrita, revelou-se um grande contador de histórias. Talvez isso venha de herança antiga, adquirida na infância passada em Sertânia, no sertão de Pernambuco. Desde 1991, o escritor vive em São Paulo, onde trabalha como publicitário. Há algum tempo, ele organiza um dos mais charmosos encontros literários do país: a Balada Literária, realizada em livrarias e bares da Vila Madalena.

Entre boas gargalhadas, Marcelino jura: qualquer semelhança de sua própria vida com a “história autopornográfica” contada em Nossos ossos é mera coincidência. Mas, como literatura, vida e realidade se confundem, ele brinca: “Já fiz muitas loucuras por aí”.

Em ritmo frenético, esse denso romance de apenas 128 páginas fisga o leitor desde as primeiras linhas. Marcelino desenvolve um relato trágico em torno do protagonista Heleno. Ele se impõe a missão – talvez para dar vazão à culpa inconsciente – de levar o corpo de seu amante, um michê, de volta para casa em Poço do Boi, no interior de Pernambuco.

Dramaturgo que migrou para São Paulo, Heleno vai ao necrotério buscar o garoto assassinado. A tarefa não é fácil. “O moço que trabalha no IML olhou para mim sem saber como fazer para explicar, ninguém mostra um corpo morto sem autorização, é preciso um documento, o senhor sabe...”, descreve o narrador, perplexo.

Depois de cumprir todos os trâmites burocráticos, Heleno, acompanhado de um motorista de rabecão, inicia sua fantástica viagem de volta ao Nordeste com o propósito de entregar o corpo do rapaz à família. Sertanejos simples, os pais nem imaginam o que o filho fazia em São Paulo.

Como num filme, voltam à memória de Heleno as lembranças do menino pobre que foi, filho de família grande obrigada a enfrentar as dificuldades do sertão, onde a esperança, às vezes, não passa de miragem em meio ao sol de rachar.

O dramaturgo recorda sua vinda para São Paulo – assim como fizeram milhares de seus conterrâneos –, a luta para se impor na metrópole e o convívio com as pessoas que surgiram ao longo de sua aventura, à qual se lançou por não ter outra escolha. Mas agora isso pouco importa.

Por trás dessa história trágica, com a qual Marcelino Freire se firma como um dos melhores escritores de sua geração, está a mistura de amor, violência, realidade e fantasia. Assim como ocorre na vida.


nossos ossos
. De Marcelino Freire
. Editora Record, 128 páginas, R$ 28

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