Sebastião Salgado durante a abertura da exposição Gênesis, no Museu Nacional de Singapura |
Sebastião está de volta. Aproximadamente 13 anos depois da conclusão da sua última série de imagens, Êxodos (2000), Sebastião Salgado impressiona o mundo outra vez com Gênesis, seu novo trabalho, cujas imagens apresentaram novidades significativas com relação ao estilo pelo qual ficou mundialmente conhecido. O projeto Gênesis durou cerca de oito anos e custou algo em torno de oito milhões de euros. Nesse período, Salgado e sua equipe fizeram inúmeras viagens e várias fotografias foram publicadas em revistas e jornais internacionais, dando uma prévia daquilo que está sendo apresentado no livro e nas imagens que estão correndo o mundo em exposições.
A palavra gênesis vem do grego e significa “origem”, “nascimento”, “criação”, e nomeia o primeiro livro da Bíblia. Segundo Salgado, a escolha desse nome não está ligada ao tema bíblico, mas ao início da Terra na “versão científica”, quando ela teria sido moldada por erupções e terremotos que acabaram por dar origem à vida. Apesar dessa declaração, é impossível não estabelecer ligações entre essas imagens e esse momento da narrativa judaico-cristã, especialmente no trecho anterior à aparição do primeiro homem, quando a Terra era um paraíso – literalmente.
Nesse conjunto de fotografias, Salgado decidiu deixar de lado a sua conhecida opção pelo registro estético do sofrimento dos mais necessitados, direcionando suas lentes para a causa ecológica. Tal mudança de enfoque, do trágico em favor de um estilo mais épico, foi uma forma de reinventar-se. Essa transformação começou a se desenhar no final da década de 1990, quando o intenso contato com os problemas sociais com os quais conviveu durante toda sua carreira o levou à beira de uma depressão.
Por uma infeliz coincidência, justamente nesse momento, Salgado precisou voltar à sua terra natal, Aimorés (MG), para cuidar da fazenda dos seus pais e ali encontrou devastada a terra em que viveu sua infância. Esse fato contribuiu para agravar seu estado psicológico, mas com a ajuda de sua esposa, Lélia Wanick, conseguiu reagir a esses revezes e juntos criaram o Instituto Terra, por meio do qual recuperaram a vida nesse lugar. O sucesso dessa experiência deu novo ânimo a Salgado e lhe despertou o interesse por fotografar paisagens, animais e comunidades que ainda não haviam sofrido as consequências negativas da sociedade de consumo – ali começava o projeto Gênesis.
Em 2004, Salgado partiu em busca desses lugares em que a presença do homem ainda não havia causado mudanças relevantes no hábitat. A intenção do fotógrafo brasileiro foi revelar o que ainda havia de “puro” no planeta, pretendendo assim despertar a consciência das pessoas para a necessidade de proteger esses lugares majestosos ameaçados pela ganância dos homens e pelo consumo desenfreado. As viagens começaram com visitas às tartarugas das ilhas Galápagos e às baleias na costa da Argentina, se estenderam à África e à Oceania, chegando à Sibéria, onde registrou a vida dos netnets e suas renas. Ao todo, foram 32 países visitados pelo fotógrafo e sua equipe – parte dessas imagens deu origem ao livro de mesmo nome do projeto.
Apesar de Salgado afirmar que as mudanças no seu trabalho estão relacionadas à sua experiência com o Instituto Terra, algumas pessoas acreditam que essa alteração ocorreu devido ao fato de o fotógrafo brasileiro ter se cansado de ser alvo de críticos de várias áreas relacionadas à imagem. Ao longo da sua carreira, Salgado tem colecionado não apenas aplausos e prêmios, mas também censuras e polêmicas em relação à sua opção estética. A apreciação negativa ao seu projeto fotográfico se manifestou com mais vigor principalmente após Êxodos. Seus críticos podem ser divididos basicamente em dois grupos: aqueles que o acusam de tirar vantagem da desgraça dos menos favorecidos e aqueles que o repreendem por esvaziar o poder revolucionário que uma imagem trágica possuiria.
A pensadora norte-americana Susan Sontag defende a ideia de que as imagens de Salgado, por terem grande veiculação, acabam por despotencializar a tragédia, o estranho, o drama, na medida em que a exibição da sua coleção de pessoas em situações degradantes banalizaria essa situação trágica, anulando seus efeitos. Segundo Sontag, o choque causado por fotos desse tipo teria uma espécie de “prazo de validade” e a exposição prolongada na mídia enfraqueceria esse potencial, já que as pessoas poderiam se “habituar ao horror de certas imagens”. Jean-François Chevrier, professor da Escola Nacional Superior de Belas Artes (Paris), afirma que em Êxodos Salgado cria um “esteticismo vaidoso” que poderia levar à anestesia da realidade; enquanto que Natacha Wolinski, crítica de arte independente, repreendeu publicamente Salgado por apresentar belas imagens de cenas revoltantes. Segundo Wolinski, o fotógrafo brasileiro estaria tirando vantagem das desgraças dessas pessoas para “servir à causa da beleza como se autorizasse a beleza a tirar proveito do sofrimento”.
Ao criar Gênesis, é pouco provável que Salgado esteja fugindo das recriminações que lhe foram endereçadas ao longo da sua carreira. De todo modo, agora seus críticos não terão do que reclamar, já que nessa nova série a pobreza e a desgraça dos menos favorecidos deram lugar à beleza e à pujança da natureza. Em Gênesis, Salgado deixou de lado a denúncia das consequências de um mundo desigual para concentrar-se na apresentação de um planeta ainda intocado, preocupando-se com aspectos geométricos da imagem, como nunca fizera antes. Se houve mudanças relevantes com relação à forma e ao tema, no que diz respeito ao seu discurso, vamos perceber que nada se alterou: continua sendo crítico em relação à maneira como percebe o homem se relacionando com seu hábitat. Ao mudar o tema das suas fotos, elas não deixaram de ser belas e seu projeto continua sendo o de sensibilizar o público para combater o mundo do consumo e suas consequências, mas não mais pela divulgação de imagens trágicas e, sim, por imagens épicas.
. André Melo Mendes é professor do curso de comunicação social da UFMG.
GÊNESIS
Exposição de fotos de Sebastião Salgado. Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard e Espaço Mari’Stella Tristão do Palácio das Artes. Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. De 4 de junho a 24 de agosto. De terça-feira a sábado, das 9h às 21h; domingo, das 16h às 21h. Entrada franca.
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