Memória de pedra
Pesquisa sobre arquitetura de Belo Horizonte dá origem a guia que destaca construções do período eclético e do conjunto modernista da Pampulha. Autores já têm material para o segundo volume
Walter Sebastião
Estado de Minas: 24/05/2014
Museu de Arte da Pampulha, quando ainda abrigava o cassino, destinação original da obra de Niemeyer |
Palácio da Liberdade, de José de Magalhães, é um dos exemplos do ecletismo das construções da praça |
“Nos gostaríamos que esse guia fosse usado especialmente pela população de Belo Horizonte. Pode ajudar a ter mais carinho com a cidade”, observa Alejandro Pérez-Duarte, professor de teoria e história da arquitetura da Fumec. É dele, com equipe de alunos, publicação que propõe percepção mais apurada da paisagem construída na capital de Minas Gerais, o Guia arquitetônico de Belo Horizonte (C/Arte). É volume de bolso, que traz análise de 26 edificações, com fotos, plantas, mapas, endereços, horários de funcionamento dos locais e também páginas em branco para anotação durante visitas.
O guia, conta Pérez, não cobre toda cidade, mas os edifícios que o grupo considera mais representativos. A seleção foi feita por meio de pesquisa de mais de dois anos para organização de banco de dados sobre arquitetura em Belo Horizonte. Os resultados estão disponíveis no endereço guiaarqbh.wordpress.com. O trabalho foi feito com o objetivo de difundir o conhecimento da cultura arquitetônica da cidade. “Temos pesquisas importantes, mas carecemos de difusão”, observa o professor. “Qualquer edifício é interessante quando se mergulha nele”, interpreta. Para Alejandro Pérez, toda construção traduz o pensamento de uma época.
Belo Horizonte, de acordo com o autor, tem duas faces: a neoclássica e eclética, bem representada pelos edifícios da Praça da Liberdade; e a moderna, explicitada nos prédios de Niemeyer, que formam o conjunto da Pampulha. De um lado, está produção mais tradicional, com edifícios que misturam elementos de vários estilos e épocas; de outro, arquitetura bem brasileira, inovadora, que, se hoje é celebrada, já foi motivo de muita polêmica. “Como Belo Horizonte não parou no tempo, há novas faces da cidade em desenvolvimento”, anuncia.
Alejandro Pérez é mexicano, tem 40 anos, é doutor em teoria e história da arquitetura. Morou oito anos em Barcelona (Espanha), depois de formação feita no México. Vive e trabalha em Belo Horizonte desde 2006. Filho de arquitetos, respirou arquitetura em casa desde pequeno. “Mas me encontrei trabalhando com teoria”, diz. Ajudou na decisão de dedicar-se às ideias e história dos edifícios o curso de filosofia, iniciado e depois trocado pelo de arquitetura.
“Toda ação que traga mais conhecimento sobre as edificações é bem-vinda. Pode, inclusive, evidenciar relação mais forte com a arquitetura e a cidade”, afirma Alejandro Pérez. “Temos muitos prédios tombados, sem que se saiba quais são eles, o motivo do tombamento ou a importância do edifício para a cidade”, observa. Placas com informações nos imóveis poderiam ajudar a ampliar a compreensão do sentido da edificação na história da cidade. O professor conta que a pesquisa, que resultou na publicação, está bem avançada e continua sendo feita. E adianta que já existe material para o segundo volume do guia.
Alejandro Pérez-Duarte coordenou equipe formada por Débora Dornellas Martins, Isabella Azevedo Fiúza, Mariana Guimarães França, Maria Luiza Caus Mesquita, Carolina Soares Guimarães Coutinho, Daniel Soares Pinheiro, Maíra Paz Soares, Maria Luisa Machado Ribas de Castro, Paula Salum e Thaís Jahel Marigo.
No Centro de BH, o Museu de Artes e Ofícios, de Luiz Olivieri, é um marco arquitetônico da região |
Caminhos da cidade
O Guia arquitetônico de Belo Horizonte traz quatro sugestões de roteiro de passeio pela cidade observando os edifícios. São eles: Pampulha, Praça da Liberdade I e II e Centro. O primeiro deve ser feito de carro, devido à distância entre os prédios. Os outros podem ser feitos a pé. Confira indicações de Alejandro Pérez para cada um dos roteiros.
Pampulha
O arquiteto destaca o conjunto modernista e chama atenção especial para o Museu da Pampulha (1940), concebido para ser um cassino. Volumes claros ao longo de todo prédio desenvolvem oposição e diálogo entre formas geométricas e orgânicas. “É modernismo muito brasileiro. E que foi polêmico”, observa Alejandro Pérez, chamando atenção ainda para a Igreja de São Francisco, de 1943, que foi pivô de escândalo ao ser inaugurada.
Praça da Liberdade
O Palácio da Liberdade (1895), obra do arquiteto José de Magalhães (1851-1899), é eclético. O projeto articula fachada, que é representação do poder, com residência familiar. Como o local tem muitos prédios, os autores do guia dividiram o conjunto em duas seções: à esquerda e à direita do Palácio da Liberdade, visto de frente. De um lado está o CCBB (1926), do arquiteto Luiz Signorelli (1896-1964), a face mais clássica do conjunto. Exemplo da “boa mistura, como gostam os ecléticos”, é a antiga Secretaria de Obras Públicas (1895/97), também de José de Magalhães. À direita do Palácio da Liberdade, reveladora do mesmo aspecto e obra do mesmo arquiteto, está o Memorial Minas Gerais Vale (1895). Na mesma região, encontra-se também a Rainha da Sucata (1984), prédio de Éolo Maia e Sylvio de Podestá, sinalizando aparição do pós-moderno na cidade.
Centro
“O melhor ponto de partida para passeio no Centro, observando as várias faces da arquitetura de Belo Horizonte, é o Museu de Artes e Ofícios”, recomenda Alejandro Pérez. O museu é de 1922, projeto de Luiz Olivieri (1899-1937), e mostra a arquitetura eclética. O art-déco, com suas linhas já simplificadas, “meio caminho entre o século 19 e o moderno”, pode ser visto no Cine Brasil (1932), de Ângelo Alberto Murgel (1907-1978), e no Edifício Acaiaca (1934/1947), de Luiz Pinto Coelho. Entre os contemporâneos, é destacado o prédio do BDMG, na Rua da Bahia, de 1980, obra de Humberto Serpa, Marcus Vinícius Meyer, Márcio Pinto de Barros, William Ramos Abdalla. “A arquitetura de Belo Horizonte, depois dos anos 1950 e 60, tem preocupações que são comuns a muitas cidades. Atender a funções com eficiência, construção de espaços a baixo custo, criação de ícones e identidade em que a população se reconheça”, explica Pérez.
GUIA ARQUITETÔNICO DE BELO HORIZONTE
. Coordenado por Alejandro Pérez-Duarte Fernandéz
. Editora C/Arte, 150 páginas
Alexandre Guzanche/EM/D.A Press
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