Renan Damasceno
Estado de Minas: 24/05/2014
Ao menos 20 espécies podem desaparecer da fauna marinha brasileira nos próximos anos, e outras 35 correm risco de sofrer drástico declínio populacional, vítimas de pesca ilegal, poluição, turismo mal conduzido, ocupação irregular, entre outras interferências que colocam em perigo um dos ecossistemas mais ricos, porém fragilizados, da costa oceânica do país: os corais. As espécies vivem em recifes que vão do litoral maranhense até Santa Catarina, passando por regiões de alto atrativo turístico, como Fernando de Noronha (PE), Abrolhos (BA), Cabo Frio e Paraty, no litoral fluminense.
Na atual lista oficial de espécies ameaçadas de extinção no Brasil, elaborada em 2005, foram identificadas 20 espécies que habitam os corais e que dependem desses ambientes para procriar e sobreviver. Entre elas, seis espécies de estrela do mar e peixes, como canário-do-mar, grama, donzela de São Pedro, góbio-neón e peixe-borboleta de São Pedro, que colorem o mar, transformando os corais em um paraíso para mergulhadores.
Também vivem nesses ambientes, principalmente em regiões costeiras de profundidade, os tubarões-limão e o tubarão-lixa, este último, uma espécie mais amistosa e dócil, além de pequenos invertebrados, como ouriço-satélite e do-mar, verme-de-fogo, pepino-do-mar, anêmona-gigante e orelha-de-elefante.
No entanto, os corais vêm recebendo, nas últimas décadas, diversas pressões, como aquecimento global – que eleva a temperatura da água e diminui o pH, deixando o oceano mais ácido –, mineração, sedimentação e poluição, em razão das drenagens das bacias hidrográficas, ocupação e uso inadequado da zona costeira, resultado da expansão imobiliária e do turismo.
“O recife de coral é um ambiente onde todos interagem entre si, uma cadeia alimentar na qual as espécies dependem muito umas das outras. Se você tira um, pode reduzir e até matar a população. Existem peixes brasileiros que se alimentam dos corais. Se você remove os corais, que são a base do ecossistema, faz mal direta e indiretamente a todos”, explica o pesquisador Miguel Mies, doutorando em oceanografia na Universidade Federal de São Paulo com o tema de dissertação “Simbiose em recifes de corais”.
Para evitar o desaparecimento das espécies, desde o mês passado está sendo elaborado o Plano de Ação Nacional para Conservação dos Ambientes Coralíneos (Pan Corais). O documento – resultado de uma oficina que reuniu 100 especialistas das áreas governamentais e não governamentais no início de abril, em Arraial d’Ajuda (BA) –, ficará pronto em outubro, quando será publicada uma portaria no Diário Oficial da União. As ações de conservação contemplam as 20 espécies marinhas ameaçadas, além de outras 35 que devem ser beneficiadas, entre corais, peixes ósseos, elasmobrânquios, equinodermos e poliquetas. O evento foi organizado pelo Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Sudeste e Sul (Cepsul), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em parceria com o Projeto Coral Vivo.
“O Pan Corais não é uma legislação nova, mas uma regulamentação de ações. Muitas ações de conservação e preservação de ambientes coralíneos estão em andamento, mas precisam ser organizadas”, afirmou o biólogo marinho Clóvis Castro, coordenador-executivo do Pan Corais e coordenador geral do projeto. “É um plano continuado, a ser executado ao longo de cinco anos, por diversos atores, entre eles pesquisadores, pescadores, institutos, ONGs e iniciativa pública e privada”, lembra.
AÇÕES DE PRESERVAÇÃO A oficina que reuniu uma centena de especialistas no tema dos corais definiu e discutiu cerca de 200 ações, que passarão agora por refinamento. O documento, em forma de portaria, será publicado em outubro, mas, ao longo dos cinco anos, serão realizadas reuniões de ajustes e reavaliações. “Existe hoje recurso material e humano para a implementação das ações, mas está desorganizado. O Pan Corais não terá dotação financeira. A recomendação é que o governo utilize as verbas que já tem, como bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq), por exemplo”, recomenda Castro.
Há indicações de recifes profundos nas costas nordeste, sudeste e sul do país. No Pan Corais foram consideradas 18 áreas prioritárias, desde o Parcel de Manuel Luís, no Maranhão, até o Arvoredo, em Santa Catarina, além dos ambientes coralíneos de profundidade, que têm enorme importância ecológica, oferecendo inúmeros recursos biológicos e econômicos. Estes ambientes proporcionam um hábitat rico e fonte de alimentos para uma grande variedade de organismos, como peixes.
Das áreas indicadas, as regiões turísticas de Abrolhos e Fernando de Noronha já contam com programas de preservação. Outras, como Guarapari (ES), por exemplo, sofrem com a retirada de peixes e corais para finalidade ornamental. Em regiões portuárias, os corais estão suscetíveis ao derramamento de combustível ou a sofrer choques de navios.
“Estamos preocupados com a extração de calcário, que dizima ambientes coralíneos, e modalidades de pesca destrutivas, que muitas vezes, por descuido, arrastam a rede e destróem estruturas e comunidades de centenas de anos em segundos. Ainda há a preocupação com a retirada dos corais para a aquariofilia, o pisoteio pelo turismo. OU seja, esse ecossistema sofre várias pressões”, enumera Roberta Santos, coordenadora geral do Pan Corais e coordenadora do Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros Litoral Sudeste e Sul (Cepsul/ICMBio). Para ela, é importante envolver a sociedade na discussão. “Na oficina, tivemos a presença de pescadores que usufruem diretamente desse ambiente. Isso é muito importante. Não adianta fazer plano de pesquisador. A ideia é envolver representantes de associações que possam levar a discussão às comunidades.”
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