Autor da série de fotografias Genesis, exposta no Palácio das Artes, defende a preservação da natureza
Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 07/06/2014
(Alexandre Guzanche/EM/D.A Press)
Mineiro de Aimorés, no Vale do Rio Doce, e atualmente um dos fotógrafos mais celebrados do mundo, Sebastião Salgado esteve em Belo Horizonte esta semana, na companhia de sua mulher, a arquiteta Lélia Wanick, para a abertura da exposição Genesis, que até 24 agosto poderá ser vista na Grande Galeria e na Sala Mari’Stella Tristão, do Palácio das Artes. Estão à mostra 245 fotos em preto e branco, dividas em cinco seções geográficas, através das quais são reveladas paisagens e povos que ainda estão às margens da chamada civilização moderna. Preocupado com a preservação do planeta, que segundo ele anda muito castigado, Sebastião e Lélia (curadora da exposição) há 15 anos criaram, em Aimorés, em uma antiga fazenda da família, o Instituto Terra, de preservação ambiental. De lá para cá, já foram plantadas no local mais de 2 milhões de mudas de árvores da mata atlântica. Atualmente, Sebastião Salgado está com três projetos em andamento: um sobre o café, outro com populações indígenas do Brasil e o terceiro sobre a preservação do Rio Doce. “É um dos rios mais importantes do Sudeste brasileiro que está morrendo, e não podemos deixar que isso aconteça, daí a nossa luta para mantê-lo vivo, para preservar as suas nascentes”, disse o fotógrafo, em entrevista ao Pensar.
Depois da maratona de exposições de Genesis, quais são suas próximas frentes?
Já estou terminando outro projeto, que iniciei em São João do Manhuaçu, no Vale do Rio Doce, também em Minas, e é sobre o café. Volto para a França daqui a alguns dias e passo a Copa do Mundo lá. Gosto muito de futebol. Nesse período não viajo, pois quero assistir a todos os jogos do Brasil. Esse projeto do café já está praticamente terminado, e vem sendo realizado em parceria com uma empresa da Itália. Fiz fotos sobre o café também na Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Etiópia, Índia, China e, logo depois da Copa, já tenho uma viagem programada para a Tanzânia e outra para a Ilha de Sumatra, na Indonésia. Mas esse projeto nasceu aqui em Minas, em São João do Manhuaçu.
É uma história sobre a origem do café?
Não. É sobre as pessoas que trabalham com o café. Quando alguém compra um quilo de café, a ideia que se tem é que o pé nasceu ali mesmo, perto do supermercado ou no armazém da esquina. Não é nada disso. Só para se ter uma ideia, depois do petróleo, o café é um dos negócios que envolvem mais gente e mais dinheiro no mundo. É um produto importantíssimo. Em Minas, por exemplo, e no Espírito Santo também, milhares de pessoas dependem diretamente do café para sobreviver. Meu trabalho não tem nada a ver com os grandes produtores do café ou com as indústrias que o processam, mas com as pessoas que trabalham diretamente com ele nas lavouras: as pessoas comuns, os pequenos proprietários, os operários. Esse trabalho fica pronto no final do ano e a Lélia já está começando a pensar o livro, que deve sair no ano que vem. Logo depois, começo a deslanchar um projeto sobre as populações indígenas do Brasil.
Com que povos indígenas você vai trabalhar?
Estou atuando em conjunto com a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o trabalho envolve principalmente populações indígenas isoladas, que ainda existem no Brasil. São dezenas de tribos. Tenho um ótimo diálogo com a Funai e nosso foco maior é trabalhar com as tribos que estão tendo suas terras e culturas ameaçadas, em decorrência do avanço do homem branco e dos seus interesses e que ao mesmo tempo ainda estão conseguindo manter suas tradições. Recentemente estive no território dos ianomâmis, em Roraima, e voltei muito preocupado, pois o senador Romero Jucá (PMDB-RR) apresentou um projeto que visa permitir a exploração mineral no território, que só no Brasil é de 9 milhões de hectares, mais 8 milhões na Venezuela. Se esse projeto passar, não tem outro jeito: acaba com a terra e com a cultura deles. Será uma tragédia. No Brasil, eles são cerca de 20 mil índios e na Venezuela 16 mil. Dentro do mundo ianomâmi, que é imenso, existem cerca de quatro dialetos e eles têm uma cultura riquíssima.
É uma ameaça real?
Com certeza. No início dos anos de 1980, eles já sofreram muito com a invasão dos garimpeiros em suas terras, em busca de ouro, e esse contato foi muito ruim para eles, que morreram aos milhares de envenenamento por causa do mercúrio despejado nas águas, de febre e em decorrência de algumas chacinas que foram cometidas. Existe outra proposta em tramitação, feita pelo agronegócio, que é de retirar da Funai o direito de fazer a demarcação das terras indígenas. E também de tirar da Presidência da República o direito da homologação, o que seria inconstitucional. Eles querem que esse direito passe para a Câmara dos Deputados: serão eles que irão decidir o que é terra indígena ou não. E se isso passar, acaba com tudo, inclusive com a floresta amazônica. E é contra isso que todos devemos lutar, para que esses povos e a Amazônia sobrevivam.
Em meio a essas ameaças contra o homem e a natureza, você ainda continua mantendo a esperança?
As coisas estão ficando muito complicadas. Acho que se não mudarmos o nosso comportamento vai ser muito difícil sobreviver. Veja aqui em Minas. Vamos falar do Rio Doce: ele está morrendo, o Jequitinhonha também, o São Francisco, o Paraíba. Se hoje isso está complicado, imagine daqui há 20, 30 anos. As águas serão menores ainda e, daqui a 50 anos, elas vão acabar, não tenhamos dúvidas disso. Praticamente não iremos ter água para beber e nem para gerar energia elétrica, que também é uma coisa vital para a nossa sobrevivência. E então, como as coisas vão ficar? A única esperança, a meu ver, é voltarmos para a proteção do meio ambiente, para tentar preservá-lo, para poder recuperar as nascentes do rios e ajudar a manter a vida, como já começamos a fazer em relação ao Rio Doce.
Você e Lélia desenvolvem alguns projetos no Instituto Terra, em Aimorés, não é mesmo?
Se você plantar a floresta, ela nasce. Veja o que fizemos na Fazenda Bulcão, lá em Aimorés. Foi um grande sucesso e a floresta e os animais estão voltando. Antes, aquilo estava um deserto e hoje é um ecosisstema sofisticado. Um dos nossos projetos – e já contamos com o apoio do BNDES –, é recuperar todas as nascentes do Rio Doce. Devemos recuperar em torno de 370 mil nascentes. Vamos dar aos fazendeiros o arame, os mourões, as mudas e eles terão de plantar as árvores e cercar os olhos d’água para protegê-los das patas dos animais. A patada de um boi de 600 quilos pesa mais de 200, é mais forte do que uma mão de pilão batida no chão com força. Não tem nascente que resista. A presidente Dilma abriu as portas do BNDES para nós e encampou o projeto. Mas ele vai além disso: depois de recuperar o Rio Doce, pelo qual iremos lutar com todas as forças, vamos também tentar recuperar todos os rios do Sudeste do país. Estamos criando um novo viveiro em Colatina, no Espírito Santo, com capacidade para 5 milhões de mudas. Na Fazenda Bulcão, estão sendo preparados técnicos de recuperação de nascentes e os resultados estão sendo muito bons.
Como é esse projeto?
Damos aos jovens formação intensiva e cada garoto será o responsável por recuperar cerca de 150 nascentes em três anos. É claro que teremos resistência de alguns fazendeiros, mas tenho certeza de que, assim que os resultados forem aparecendo, a resistência irá desaparecer. O projeto já foi testado e conseguimos recuperar 1.200 dessas nascentes com o apoio da Vale e da Fundação Príncipe Alberto, de Mônaco. Também criamos um projeto com o Banco do Brasil, que se chama Arredonde. Se você vai ao banco e paga com o cartão de crédito, pode optar em doar os centavos que sobrarem na conta para o Instituto Terra, para nos ajudar. O governo do Espírito Santo está financiando o viveiro de Colatina e o governo de Minas, que havia prometido ajudar na formação dos técnicos, só ficou na promessa.
Além da questão ecológica, como você está vendo a realidade brasileira atual?
O país está passando por um momento muito importante. Depois da ditadura, vivemos uma espécie de letargia, em que as coisas não estavam muito claras. Mas agora as coisas estão mudando e as pessoas estão pedindo as contas, cobrando e pagando para ver. Está sendo feita uma espécie de auditoria no Brasil: é forte, é popular, às vezes é complicada, mas está acontecendo. E acho isso muito bom. O país está vivendo uma crise econômica, mas ela não é só nossa, é mundial. Está acontecendo o mesmo na França, na Espanha, em Portugal. Mas existe um problema. Nos últimos 500 anos, não criamos nenhuma infraestrutura no país, não nos preparamos para o desenvolvimento. Temos poucos técnicos capacitados, e o mesmo acontece com os professores, que não foram preparados adequadamente. E a educação aqui no país não existe, ela é uma mentira e não dá para fugir dessa realidade. O país começou a ir para frente, mas para deslanchar ainda vai demorar muito. Além do mais, somos um povo que necessita de autoafirmação.
No início da conversa você falou sobre o desejo de assistir aos jogos da Copa. Está acreditando no Brasil?
Tenho uma grande esperança de que vamos ganhar. Ganhar a Copa das Confederações foi importante, deu moral ao time. Mas o que me preocupa é que a Seleção é nova, pouco experiente, embora o time seja dinâmico. Fico pensando: se em algum jogo tomarmos dois gols, por exemplo, o que a garotada irá fazer para recuperar? Noventa minutos passam muito depressa. Mas o Felipão é um homem experiente e acho que vai conseguir passar a segurança necessária para os meninos. Estou muito esperançoso na vitória.
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