Lugar de cinema é na rua
Gustavo Werneck
Estado de Minas: 07/06/2014
Gustavo Werneck
Estado de Minas: 07/06/2014
Brigitte Bardot, em E Deus criou a mulher, alimentou o sonho de muito jovem no escurinho do cinema |
Ando
com uma certa saudade dos cinemas de rua. Na verdade, sinto uma falta
danada. Eu sei que vocês vão dizer que shopping é mais seguro, tem praça
de alimentação, ar-condicionado central, enfim, todas as comodidades do
mundo, mas insisto que não aguento mais descer ou subir escada rolante
para ver um filme, pagar estacionamento caro para entrar na sala escura
ou ter o desprazer de assistir ao pessoal equilibrando baldes enormes de
pipoca e copos de refrigerante. E o pior, fazendo um barulho dos
diabos, achando que está em casa, enquanto você se concentra e entra no
clima.
Passei quase toda minha infância ao lado de um cinema, talvez por isso mesmo goste tanto da sétima arte – do prazer de comprar o ingresso, esperar com calma o começo da fita, ver os trailers nacionais e estrangeiros, saber das estreias, entrar de cabeça na história e comentar depois. Quando criança, logo na segunda-feira, chegava da escola e ia direto ver os cartazes escorados em cavaletes, o que passaria na matinê de domingo ou na chamada soirée de sábado, com filmes impróprios para menores de 18 anos. Hoje, qualquer adolescente tem tudo isso disponível em DVD, na internet e TV a cabo.
Minha imaginação voava, ficava louco para saber o conteúdo de um filme “impróprio” e chegava a fantasiar que tinha visto cenas “calientes” olhando secretamente por um buraco na parede: Brigitte Bardot em cenas de cama, como falavam os mais velhos, a “sombra” dos atores, pelados, num paredão de paraíso caribenho, a governanta beijando a boca de um menino. Tudo imaginação, como é próprio cinema. Na verdade, apenas repetia o que ouvia na conversa dos adultos. Mas causava o maior efeito entre os coleguinhas da escola.
Amigo dos filhos do funcionário do cinema – não me esqueço de Agnaldo, Ronaldo, Biluca e Agnaldo –, eu costumava passar na cerca de arame farpado, que separava os quintais vizinhos, e procurar, junto deles, pedaços de negativos de filmes antigos. Às vezes ficavam enterrados décadas. Era um garimpo cheio de emoção, pareciam pedacinhos da tela transformados em realidade. Sonhos na palma das mãos, pura magia nos fotogramas.
Não sou saudosista, não tenho vocação para ficar remexendo o passado, mas, na semana santa, estive no Rio de Janeiro e decidi assistir ao ótimo Hoje eu quero voltar sozinho no Cine Odeon, no Centro da cidade. Há anos não entrava num cinema assim, a última vez tinha sido em Belém (PA), lembro que era um filme com Nicole Kidman e Anthony Hopkins. Dessa vez agora, foi uma alegria ouvir o prefixo e admirar a cortina se abrindo. Isso mesmo, com prefixo – no cinema da minha infância, era o tema do bíblico Êxodus, que “tocava” antes de as luzes se apagarem.
Aí começava o Canal 100, com notícias da semana e os melhores lances das partidas de futebol, com aquela música que se tornou quase um hino nacional de tão empolgante. Sempre viajando pelo interior a serviço do Estado de Minas, não me canso de admirar cidades que têm cinema de rua – para quem se esqueceu ou nunca ouvir falar, são as construções específicas para os filmes, como são os teatros para a apresentação dos dramas e comédias. É bom lembrar que não vale enquadrar nessa categoria as salas agrupadas em galerias, muitas delas do tamanho de um ônibus! Já vi fila na porta do cinema de Ouro Preto, na Rua São José, e admiro a ideia do cine-teatro Vitória, de Santa Bárbara, que divide espaço com a Câmara Municipal.
Parabéns para aqueles empresários que resistem bravamente e seguem mostrando os filmes na “sala grande”, como grandes espetáculos. Belo Horizonte já teve alguns maravilhosos, como o Cine Palladium, considerado em priscas eras um dos melhores do país. Com o tempo, uns viraram igreja evangélica, outros, estacionamento ou viraram fumaça, deixando um esqueleto de concreto na paisagem urbana.
Pode até soar anacrônica essa ideia da volta dos grandes cinemas. Mas nada pior do que sair da sala escura e dar de cara com lojas iluminadas, gente passando carregada de sacolas, homens e mulheres saindo da academia de ginástica, enfim, a ficção transformada em realidade em pouco mais de um minuto. Filme é para durar algum tempo na cabeça, é como se a gente acordasse lentamente de um sonho bom – se o filme for bom, lógico. Acho que só mesmo um cinema, na verdadeira acepção da palavra, pode proporcionar esse prazer. Do contrário, vira mais um produto de consumo, feito para durar até a loja mais próxima. Ou liquidação.
Passei quase toda minha infância ao lado de um cinema, talvez por isso mesmo goste tanto da sétima arte – do prazer de comprar o ingresso, esperar com calma o começo da fita, ver os trailers nacionais e estrangeiros, saber das estreias, entrar de cabeça na história e comentar depois. Quando criança, logo na segunda-feira, chegava da escola e ia direto ver os cartazes escorados em cavaletes, o que passaria na matinê de domingo ou na chamada soirée de sábado, com filmes impróprios para menores de 18 anos. Hoje, qualquer adolescente tem tudo isso disponível em DVD, na internet e TV a cabo.
Minha imaginação voava, ficava louco para saber o conteúdo de um filme “impróprio” e chegava a fantasiar que tinha visto cenas “calientes” olhando secretamente por um buraco na parede: Brigitte Bardot em cenas de cama, como falavam os mais velhos, a “sombra” dos atores, pelados, num paredão de paraíso caribenho, a governanta beijando a boca de um menino. Tudo imaginação, como é próprio cinema. Na verdade, apenas repetia o que ouvia na conversa dos adultos. Mas causava o maior efeito entre os coleguinhas da escola.
Amigo dos filhos do funcionário do cinema – não me esqueço de Agnaldo, Ronaldo, Biluca e Agnaldo –, eu costumava passar na cerca de arame farpado, que separava os quintais vizinhos, e procurar, junto deles, pedaços de negativos de filmes antigos. Às vezes ficavam enterrados décadas. Era um garimpo cheio de emoção, pareciam pedacinhos da tela transformados em realidade. Sonhos na palma das mãos, pura magia nos fotogramas.
Não sou saudosista, não tenho vocação para ficar remexendo o passado, mas, na semana santa, estive no Rio de Janeiro e decidi assistir ao ótimo Hoje eu quero voltar sozinho no Cine Odeon, no Centro da cidade. Há anos não entrava num cinema assim, a última vez tinha sido em Belém (PA), lembro que era um filme com Nicole Kidman e Anthony Hopkins. Dessa vez agora, foi uma alegria ouvir o prefixo e admirar a cortina se abrindo. Isso mesmo, com prefixo – no cinema da minha infância, era o tema do bíblico Êxodus, que “tocava” antes de as luzes se apagarem.
Aí começava o Canal 100, com notícias da semana e os melhores lances das partidas de futebol, com aquela música que se tornou quase um hino nacional de tão empolgante. Sempre viajando pelo interior a serviço do Estado de Minas, não me canso de admirar cidades que têm cinema de rua – para quem se esqueceu ou nunca ouvir falar, são as construções específicas para os filmes, como são os teatros para a apresentação dos dramas e comédias. É bom lembrar que não vale enquadrar nessa categoria as salas agrupadas em galerias, muitas delas do tamanho de um ônibus! Já vi fila na porta do cinema de Ouro Preto, na Rua São José, e admiro a ideia do cine-teatro Vitória, de Santa Bárbara, que divide espaço com a Câmara Municipal.
Parabéns para aqueles empresários que resistem bravamente e seguem mostrando os filmes na “sala grande”, como grandes espetáculos. Belo Horizonte já teve alguns maravilhosos, como o Cine Palladium, considerado em priscas eras um dos melhores do país. Com o tempo, uns viraram igreja evangélica, outros, estacionamento ou viraram fumaça, deixando um esqueleto de concreto na paisagem urbana.
Pode até soar anacrônica essa ideia da volta dos grandes cinemas. Mas nada pior do que sair da sala escura e dar de cara com lojas iluminadas, gente passando carregada de sacolas, homens e mulheres saindo da academia de ginástica, enfim, a ficção transformada em realidade em pouco mais de um minuto. Filme é para durar algum tempo na cabeça, é como se a gente acordasse lentamente de um sonho bom – se o filme for bom, lógico. Acho que só mesmo um cinema, na verdadeira acepção da palavra, pode proporcionar esse prazer. Do contrário, vira mais um produto de consumo, feito para durar até a loja mais próxima. Ou liquidação.
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