O Globo - 03/11/2012
O POETA JORGE SALOMÃO COMPLETA 66 ANOS HOJE, COM FEIJOADA EM SANTA
TERESA, E ANUNCIA O LANÇAMENTO DE UM LIVRO SOBRE SEU IRMÃO WALY
WALY E Jorge Salomão, no Rio, no final dos anos 80
NA CASA em Santa Teresa: colete indiano comprado em Nova York
BETY ORSINI
orsini@oglobo.com.br
Não estranhe se você passar por uma rua de Santa Teresa, às cinco da manhã, e der de cara com um homem cor de sapoti, meditando completamente nu. Há muito tempo o poeta, letrista e agitador cultural Jorge Salomão se despiu literalmente de qualquer tipo de censura. Hoje, quando comemora 66 anos bem vividos, com feijoada no Bar do Mineiro, usando sandália de couro comprada na Bahia e roupa estilo marroquino, ele aproveita para anunciar seu novo projeto: um livro sobre o irmão Waly Salomão que, em maio, completa 10 anos de morte: “Duas ou 3 coisas que sei dele ou Waly, Waly”.
— Não é uma biografia, é um retrato poético com fatos de nossas vidas, um retrato à moda de Gertrud Stein, escritora que gostávamos muito. O livro terá depoimentos de Gil, Bethânia, Gal, Antonio Cícero, Macalé, Melodia e outros. — Você sabia que foi o Waly quem descobriu o Melodia? E que foi ele também quem inventou o nome Dunas do Barato? — conta, orgulhoso.
Dois anos mais novo do que o irmão que partiu (Waly faria 68 anos em setembro), Jorge é de uma família grande: oito filhos, quatro homens e quatro mulheres. O pai Moustapha Hage Suleiman era sírio, veio para o Brasil aos 12 anos, mas quando chegou na Alfândega, escreveram o nome dele errado: Maximino Hage Salomão:
— Ele que era sírio virou judeu (risos). Minha mãe Elizabete Dias Salomão, sertaneja de Nova Itarana, era poetisa, tocava bandolim e tinha um temperamento incrível. Quando o Waly terminou o curso de Direito, ele voltou a Jequié, onde meus pais moravam, e rasgou o diploma, teatralmente, na frente da minha mãe: ‘Meu Deus, tanto esforço para nada...’ e depois mamãe caiu na risada.
Ele lembra que a infância em Jequié foi deliciosa. Ele e Waly faziam teatro com os primos e liam sem parar.
— O Waly queria que, aos 12 anos, eu lesse Dostoiévski. Comecei com “Irmãos Karamazov” e quase enlouqueci. Era pesado demais. Eu estava numa onda gostosa lendo romances nordestinos de Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz. Minhas primeiras efervescências sexuais aconteceram lendo Jorge Amado — confidencia.
A morte do irmão deixou sequelas, mas não tirou sua alegria de viver:
— Depois de três meses a ficha caiu, lágrimas do tamanho de laranjas começaram a brotar dos meus olhos.
SONHANDO COM HARÉM E FRUTAS
Quando chegou ao Brasil, o pai trabalhava como mascate. Vendia de panos a remédios. Tempos depois abriu a Loja Samira — batizada assim em homenagem a uma das filhas.
— Jequié era uma cidade de pequenos latifundiários, mas nossa família era de classe média. Estudávamos em colégio público, mas o que nos ajudou muito é que meus pais adoravam ler e meu pai falava línguas. Ouvíamos rádios estrangeiras, acompanhamos muito esse período da Rádio Nacional. Lá em casa o rádio era disputado.
Próxima parada: Salvador. Waly foi na frente, Jorge um ano depois.
— Era uma cidade menor, imunda, mas parecia um embrião a explodir. Foi lá que Waly conheceu Caetano, Gal e Bethânia, que já estavam começando a fazer pequenas apresentações em galerias de arte da cidade.
Para Jorge, foi uma experiência incrível. Nos primeiros dias, ele ficou hospedado numa pensão, que não fornecia comida e lhe indicaram uma senhora que dava almoços.
— Bati na porta e quando ela abriu quem estava na minha frente? Glauber Rocha, um dos meus ídolos. E assim conheci e fiquei amigo de dona Lúcia (a tal senhora dos almoços) e sua filha Anecy Rocha. Eu estava no primeiro ano clássico do Colégio Estadual da Bahia, o famoso Central, e no primeiro dia de aula sentei numa cadeira e conheci uma menina que viria a ser Dedé Veloso — conta ele, que tem seis livros publicados, um deles, “Conversa de mosquitos”, em homenagem ao irmão.
Waly ficou em Salvador até 68 e dirigiu “Gal fatal”. Jorge ficou mais um ano e, na época, dirigiu “A alma boa de Setsuan”, de Brecht.
— Também ganhei prêmios com o espetáculo “O macaco da vizinha”, de Joaquim Manuel de Macedo, quando inseri música dos Beatles e dos Stones. Foi o maior auê em Salvador. Virei um superstar do teatro baiano — lembra Jorge que, nesse meio tempo, estudava Ciências Sociais e Filosofia.
Ele conta várias histórias engraçadas de Waly. Entre as preferidas, o fato de o irmão gostar de chamar alguém com o nome de outra pessoa bastante “manjada”.
— Ele desconcertava qualquer um. Não podia ver o Caetano que dizia, em alto e bom som: “Lá vem Lícia Fábio”, referindo-se a uma bem fornida promoter.
— O Caetano e todo mundo que estava em volta caíam na risada. Em público dava show com seus trocadilhos engraçadíssimos, mas sozinho era calmo, estudioso, pesquisador, criativo. Era de uma concentração absoluta e também explosivo quando queria.
Na vida pessoal, ele é um “querido” que, para sobreviver, circula pelas redações de jornais fazendo assessoria de imprensa para outros artistas.
Das drogas, não quer mais saber.
— Experimentei tudo: maconha, LSD, mescalina, cocaína, mas nunca entrei em bad trip.
Com as drogas, senti uma abertura gostosa no universo das percepções, mas hoje não uso mais nada. Enjoei do círculo vicioso das pessoas que trabalham com isso. Agora, minhas liberdades são para outras áreas.
E afirma que já transou com “meio Brasil” mas que hoje vive mais de paquera e sedução.
— Mas sempre fui elegante no quesito amor e sexo. Não gosto de disse me disse, acho uma baixaria. Tem gente que já nasce com esse defeito de fabricação, não é o meu caso. Eu gosto de usar o “brinquedo” com discrição. E sempre estabeleço um clima sensual nas minhas conversas.
Jorge
Salomão
-
“NÃO SE APAIXONAR É
ESTAR SEM GRAÇA PARA
A VIDA. NÃO TENDO
PEDOFILIA, NEM ESTUPRO,
TUDO VALE A PENA.”
Como todo mundo, Jorge também teve grandes paixões.
— Não se apaixonar é estar sem graça para a vida. Claro que as vezes não funciona, vira ilusão, mas esse movimento é da vida. Não tendo pedofilia, nem estupro, tudo vale a pena. Ninguém tem nada a ver com a sexualidade de ninguém.
Casamento só teve um. Durou 15 anos. Foi com a videasta Sonia Miranda, com quem teve o filho João, de 33 anos, que mora em Nova York, e pilota a banda de rock Andrews Gang.
— Vou muito para lá. João é a minha paixão e está famoso como grafiteiro, inclusive com exposições em duas grandes galerias.
Bem-humorado, Jorge se define como “um ser nu”. Adora chegar em casa, arrancar a roupa e ficar andando de cá para lá com os “brincos” ao léo.
— Andar pelado é melhor para falar no telefone, para meditar, para dormir, para tudo. Por isso nunca mais me casei. Sou meio tarado, tenho tesão o tempo todo e gosto de brincar bastante.
Ninguém me aguenta na cama.
Análise? Ele até tentou. Mas uma sessão com o psicanalista MD Magno, deixou Jorge apavorado.
— Logo que me separei fui nele. O homem me mandou deitar no sofá e ficou me olhando com um jeito terrível. Parecia que ia me devorar. Saí pela porta e nunca mais voltei. Acho que a psicanálise, como diziam os surrealistas, sistematiza o sistema motor dos burgueses.
Nem o tempo é capaz de derrubar o entusiasmo que Jorge tem pela vida.
— A idade nos dá um caráter mais bonito de sabedoria. Sinto alguns amigos vendo a idade e o tempo como se fossem um desastre, mas estou cada dia mais jovem, mais integrado com o mundo, sempre disposto a ver onde está o mais novo do novo. E continuo tendo sonhos. Um deles é ter um harém com mulheres e homens bonitos, música o tempo todo, erotismo e frutas à vontade.
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