sábado, 3 de novembro de 2012

Apesar de fragilidades, "Era Meu esse Rosto" resulta impactante


CRÍTICA ROMANCE
Trama memorialística de Marcia Tiburi tem ótima concepção e boa realização, mas é enfraquecida por narrador masculino
LUÍS AUGUSTO FISCHER
ESPECIAL PARA A FOLHA
O romance ainda tem muitas tarefas e incontáveis possibilidades. Tarefas como a de explorar a experiência vivida no Brasil, entre os da cima, como fez Machado de Assis, e os de baixo, como fez Graciliano Ramos.
Possibilidades que Marcia Tiburi apresenta em "Era Meu esse Rosto", seu quarto romance, numa carreira que tem combinado, com ótimos resultados, o debate filosófico exigente e a vocação inegável para o relato romanesco inventivo.
Agora temos um narrador-memorialista, que se move em duas pistas alternadamente. Numa, revisita a casa de sua infância, no contexto dos imigrantes italianos no sul do país.
Na outra pista, visita uma cidade italiana, em busca de informações que aclarem a origem de seu avô, que de lá veio para viver a aventura da América.
O narrador é homem, detalhe que o livro faz questão de marcar e que talvez seja sua fraqueza maior, num romance que tem ótima concepção e boa realização.
É que toda a sensibilidade do narrador, em seu trabalho de memória, depende de aspectos especificamente femininos, não masculinos.
Vê-se isso em cenas magníficas, como, por exemplo, na narrativa de um parto da avó. Reivindicando a perspectiva masculina, o romance de alguma forma fragiliza seu legítimo empenho.
Tudo fica, assim, um pouco nebuloso nessa busca pelo passado, mesmo que narrado com segurança de linguagem e beleza nas imagens, resultando num conjunto forte, até impactante, em seus melhores momentos.
O romance filia-se à linhagem de Raduan Nassar em "Lavoura Arcaica", romance com o qual guarda mais de uma similaridade estrutural, além de compartilhar a danação do protagonista.
Mas o que naquele romance é trágico (o confronto com o totem paterno) aqui é, por assim dizer, apenas dramático, embora com material humano suficiente para os abismos da suprema transgressão masculina.
O vezo filosofante do personagem ao mesmo tempo atenua a fragilidade ontológica do narrador e acentua a densidade das cenas e problemas, resultando em um experimento que merece ser conhecido, ainda mais numa carreira literária que tem tudo para alcançar o mais alto.
LUÍS AUGUSTO FISCHER é professor de literatura na UFRGS e autor de "Filosofia Mínima" (Arquipélago Editorial).
ERA MEU ESSE ROSTO
AUTOR Marcia Tiburi
EDITORA Record
QUANTO R$ 34,90 (208 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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