sábado, 3 de novembro de 2012

Nosso fim do mundo - Zuenir Ventura


O Globo 03/11/2012

Vizinho do mar, que amo tanto quanto temo, fiquei assustado vendo as imagens do furacão Sandy devastando a Costa Leste dos EUA. A água do mar inundando túneis e estações do metrô, Times Square deserta, a Bolsa fechada, pacientes tendo que abandonar o hospital, apagão, falta de transporte, o caos. Como tudo isso podia estar acontecendo na talvez mais vibrante capital do mundo, transformada em cidade fantasma de um dia para o outro? Um pesadelo me assaltou:
E se os maias tiverem razão nas suas profecias de fim do mundo? E se um dia uma dessas supertempestades desembestadas resolver varrer a nossa orla? Sei que moro num país tropical abençoado por Deus, que nos poupou desses tormentos — terremotos, vulcões, tsunamis, ciclones, furacões. Mas nunca se sabe até quando.
Diante do formidável espetáculo das forças da natureza em fúria não havia como não lembrar a crônica “Ai de ti, Copacabana”, de Rubem Braga, uma maldição bíblica em prosa poética com acentos apocalípticos. “Já movi o mar de uma parte e de outra parte, e suas ondas tomaram o Leme e o Arpoador, e tu não viste este sinal; estás perdida e cega no meio de tuas iniquidades e de tua malícia.”

Um meteorologista já avisou que a tendência é piorar. Essas ocorrências fariam parte da crescente onda de desequilíbrios climáticos dos quais ninguém estará livre. Esta semana, em Curitiba, por exemplo, onde eu estava e onde jamais senti calor, a temperatura chegou a 35°, a mais elevada nesta época do ano desde 1936. Em Londrina e Maringá foi pior: mais de 38°. Será que seria um “sinal”, ou seja, a contagem regressiva do que os maias previram para o dia 21 de dezembro? “É chegada a véspera de teu dia”, continua o velho Braga, “e minha voz te abalará até as montanhas. E os escuros peixes nadarão nas tuas ruas e a vasa fétida das marés cobrirá tua face.”

Mas me tranquilizei. Assim como Copacabana sobreviveu incólume às premonições do grande cronista, nós estamos transformando a anunciada tragédia final na comédia “Como aproveitar o fim do mundo”, de Fernanda Young e Alexandre Machado. Aliás, não é a primeira vez que isso acontece. Nos anos 30 houve ameaça parecida, e quem deu a resposta foi Assis Valente na voz de Carmen Miranda no clássico “E o mundo não se acabou”. Ela cantou:

Beijei na boca de quem não devia

Peguei na mão de quem não conhecia

Dancei um samba em traje de maiô.

Enfim, fez tudo o que era então desatino. “E o tal do mundo não se acabou.” Aqui tudo termina em samba ou em riso, até o mundo. l

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