O dilema do prisioneiro
SÃO PAULO - Leitores ficaram bravos com a Folha por causa do editorial em que ela defendia que os mensaleiros não fossem para a cadeia, já que seus crimes não envolveram violência física. Acompanho a posição do jornal, mas admito que a questão é espinhosa. Tratamos aqui de um dos mais complicados problemas filosóficos da atualidade.
Por que prendemos alguém? De uma perspectiva racional, há dois objetivos. A reclusão tira o criminoso de circulação, impedindo-o de voltar a delinquir, e serve de exemplo para que outros não o imitem. O problema é que, na maioria dos casos, podemos obter o mesmo efeito sem recorrer à prisão. Banir o sujeito do mercado evita que ele volte a cometer fraudes financeiras, e multas milionárias são um bom freio a imitadores.
Essa hipotética solução, porém, não satisfaz à maioria. Aqui saímos do terreno da racionalidade para adentrar no reino das intuições morais. Em nossas mentes, o facínora que comete o delito intencionalmente merece um castigo especial.
A dificuldade é que ainda não conhecemos suficientemente bem o cérebro para definir o que leva alguém a perpetrar um crime, mas já sabemos o bastante para dizer que a noção de intencionalidade com a qual nosso senso comum opera está errada. Uma série de experimentos neurocientíficos nos deixa perto de concluir que o livre-arbítrio é uma ilusão. Se aceitamos essa tese, a pena reservada ao sujeito que assassina a mulher não deveria ser diferente da do que a mata acidentalmente, e contra isso nossas mentes se revoltam.
O paradoxo é inevitável. Um direito que ignore as intuições de seus jurisdicionados seria um fracasso, mas tampouco podemos abandonar a missão civilizacional de reduzir o sofrimento evitável. Resta lapidar o paradigma, tornando cada vez mais raras as penas privativas de liberdade, que não se distinguem muito da vingança, mas num ritmo que não destrua a credibilidade da Justiça.
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