| Para o Valor, de São Paulo
Anunciado no fim do mês passado, o acordo de união entre a
Penguin, do grupo britânico Pearson, com a Random House, do grupo alemão
Bertelsmann, pode abrir caminho para demais empresas do chamado "Big
Six" - as gigantes editoriais americanas Hachette, HarperCollins,
Macmillan e Simon & Schuster - buscarem novas fusões, de olho especialmente
em mercados potenciais como o brasileiro.
Para Sônia Machado Jardim, presidente do Sindicato Nacional
dos Editores de Livros (Snel) e vice-presidente do Grupo Record, o negócio, que
ainda tem de ser aprovado por agências reguladoras, é uma clara estratégia para
aumentar o poder de fogo com o varejo, em especial a Amazon e a iBookstore, que
estão por iniciar suas operações no Brasil.
"O varejo está faminto por descontos e melhores
condições de negociação e o mercado estrangeiro está fraco, então o Brasil
desperta cada vez mais a cobiça dos grupos estrangeiros que buscam aqui os
resultados que já não têm lá fora", diz Sônia.
O negócio bilionário, que deve criar o maior grupo editorial
do mundo, com vendas estimadas em quase R$ 8 bilhões anuais, favorece a
Companhia das Letras, editora que teve 45% de suas ações compradas pela Penguin
no ano passado. Sônia lembra que o mercado editorial brasileiro está altamente
competitivo, com disputas cada vez mais acirradas em leilões de direitos
internacionais.
"O Brasil está entrando no Primeiro Mundo no que diz
respeito à negociação de direitos, com adiantamentos altíssimos. É briga de
cachorro grande e, nesse cenário, quem for pequeno vai comer osso", afirma
Sônia, para quem a fusão naturalmente dará acesso privilegiado à empresa de
Luiz Schwarcz.
O editor da Companhia das Letras, no entanto, acredita que
ainda é um pouco cedo para falar sobre as consequências da fusão. "Os
possíveis benefícios que poderão ocorrer, como uma relação mais intensa com as
outras editoras do grupo, ainda não foram objeto de conversa entre nós, e só
deverão ser no encontro que teremos no dia 10 de dezembro. A aproximação, de
todo jeito, é boa. Sobretudo com a transferência do conhecimento que eles têm
do mundo digital. A Penguin sempre esteve na vanguarda disso", afirma Schwarcz.
No cenário atual, o Grupo Record é um dos candidatos
naturais a eventuais fusões e aquisições envolvendo grupos estrangeiros.
Segundo Sônia, a editora já sofreu "assédio" nos anos 1990 e 2000,
pela posição de liderança no mercado, com apetitoso catálogo de grandes
clássicos e vendas regulares para o governo.
"Sempre declinamos, mas não podemos esquecer que, no
mundo corporativo, tudo é vendável. Dependendo do parceiro, pode gerar
sinergias e nos fortalecer internacionalmente, o que é importante num setor que
vem se globalizando", diz ela.
Para Carlo Carrenho, fundador do PublishNews, newsletter que
é importante referência do mercado editorial no país, a lista de editoras
cobiçáveis inclui ainda a Ediouro, a Sextante, a Intrínseca, a Rocco e a Novo Conceito.
"A primeira coisa que os caras olham é a presença nas listas de mais
vendidos, depois, se as empresas contam com uma boa distribuição. Mais cedo ou
mais tarde vai cair a ficha e os outros grandes grupos também vão vir, seja
para uma joint venture, ou sozinhas, como fizeram a Planeta e a Leya ",
afirma Carrenho.
Pascoal Soto, diretor-geral no Brasil do grupo português
Leya e ex-diretor da Planeta Brasil, lembra que a experiência da
internacionalização do mercado de livros no Brasil é tardia, se comparada com a
Argentina, o México e até mesmo o Chile, mas inevitável. "Nós não vamos
ter tempo para respirar. E quem vai sofrer mais são as editoras pequenas, que
já têm grande dificuldade de negociar distribuição e espaço nas grandes cadeias
do varejo", afirma Soto.
Angel Bojadsen, da Estação Liberdade, editora de pequeno
porte e perfil mais literário, como a Companhia das Letras, afirma que a fusão
lá fora "mexe" com as empresas pequenas, sim. "Mas o que mexe
mais ainda são as mudanças no atacado e principalmente no varejo, com uma
profissionalização extremada, onde se quer lucro sobre cada produto, e não mais
com alguns [livros] bons de vendas cobrindo os mais difíceis", afirma
Bojadsen. "Aí fica difícil surgir um [James] Joyce, Guimarães Rosa ou
[William] Faulkner. Não é questão de bancá-los, eles nem veem a luz do dia.
Estamos vendo como fazer para ficarmos num mercado onde os pequenos não terão
mais vez. Você tem que se dar os meios de ser um 'player' aceitável para as
redes de livrarias, senão a marginalização é inevitável."
Pascoal Soto, da Leya, acredita que a globalização do setor
no país pode, no entanto, ser "promissora" para autores nacionais.
"A Leya deixa claro que investe em ficção e não ficção brasileiras.
Acredito que outros grupos estrangeiros com os pés aqui vão querer saber o que
está acontecendo também, vão atrás dos melhores e mais prestigiosos escritores,
e com armas de sedução fortes, como a chance de publicação nos EUA, no Reino
Unido, na Alemanha. É incontornável."
Já Carlo Carrenho, da PublishNews, não é tão otimista.
"Para a bibliodiversidade, pode ser ruim. De um lado temos o exemplo da
espanhola Santillana, que comprou 75% das ações da Objetiva, mas não
transformou a brasileira em mero entreposto. Por outro lado, temos o caso da
Planeta na Argentina, por exemplo. O que ocorre é um aumento da presença dos
autores estrangeiros no país e, em honrosas exceções, o caminho inverso,
sobretudo para a descoberta de novos escritores", avalia.
Schwarcz, da Companhia das Letras, discorda. "O contato
com a Penguin já gerou a venda de direitos de títulos de autores brasileiros da
Companhia, como Daniel Galera e Carola Saavedra, para editoras do grupo, como a
inglesa Hamilton e a americana Riverhead. Acho que haverá um incentivo nessa
direção", afirma o editor.
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