DE SÃO PAULO
Leia trechos da entrevista com o secretário municipal da Cultura, Carlos Augusto Calil.
(MM)
Houve um retrocesso enorme da reforma proposta por Juca Ferreira para a de Ana de Hollanda. Foi uma grande falácia a argumentação dela [de que um ente privado não pode ser fiscalizado pelo poder público]. É um órgão excessivamente poderoso e arbitrário.
Direitos autorais
A nova lei em discussão deve mudar algumas coisas: pedir que se passem 70 anos desde a morte de um autor para que sua obra entre em domínio público é muito. Talvez um prazo de 20 anos seja mais razoável, para garantir o sustento de uma geração [de descendentes] apenas.
Vale Cultura
Não vai redistribuir renda na área da cultura, que é uma ilusão que os artistas têm. Vai ajudar a aumentar o acesso a musicais da Broadway, ao Cirque du Soleil, a livros de autoajuda. Não dá e não se pode controlar como o Vale Cultura será usado. Por isso, peças de teatro continuarão sem público, assim como os filmes brasileiros.
Subprefeituras
Elas não estão preparadas para a descentralização [prevista pelo prefeito eleito Fernando Haddad]. Pratico-a de maneira contrária à própria orientação da prefeitura, que quer tudo centralizado no gabinete do secretário. As subprefeituras não têm fôlego para atuar como miniprefeituras. Isso não deu certo.
Relevância do Brasil
A cultura brasileira está domesticada por causa das leis de incentivo. Estamos ficando para trás. Salvo exceções, não é vista lá fora. Não tem filme brasileiro em Paris ou Nova York.
SP foi discriminada por Brasília, diz Calil
Secretário da Cultura deixa cargo após oito anos e afirma que governo federal não ajudou cidade por razões políticas
"Juca é uma pessoa generosa, muito aberta e experiente", afirma, sobre seu sucessor, do governo Haddad (PT)
"Fomos bloqueados em relação a patrocínios feitos pela Petrobras. Fomos discriminados claramente e politicamente, exceto via edital", afirmou, em entrevista àFolha.
Calil deixará o cargo no próximo dia 31 após oito anos de trabalho em administrações quase sempre encabeçadas por partidos de oposição ao Planalto. Em 2011, o prefeito Gilberto Kassab deixou o DEM e fundou o PSD, legenda "nem de esquerda, nem de direita", segundo o próprio.
Calil acha que a gestão municipal teve dificuldade em canalizar recursos federais porque São Paulo ficou muito tempo no cadastro dos inadimplentes com a União -o que impedia o repasse de verbas.
Por ter ocupado cargos estratégicos nas prefeituras dos adversários Marta Suplicy (PT) e José Serra (PSDB), Calil diz ter "apanhado" dos dois lados. "Tucanos dizem que sou petista; petistas, que sou traíra. Segundo um amigo, periga de eu ter razão. Paguei pela independência."
DEPAUPERADA
Calil afirma que, em 2005, encontrou a Prefeitura de São Paulo "depauperada". "Bibliotecas não tinham banheiro, manutenção ou sequer catálogo dos livros. Reformamos 41 das 55 bibliotecas. Houve uma revolução na infraestrutura dos programas de leitura da cidade."
Segundo ele, o orçamento da pasta, que gira em torno de R$ 370 milhões por ano, não permite que haja um aumento no número de equipamentos culturais na cidade.
"É ilusório achar que, havendo aumento no orçamento, você o terá à sua disposição para gastar. Existe algo infernal chamado contingenciamento. Além do mais, a pressão aqui não é dos leitores para [a secretaria] comprar livros [para as bibliotecas], mas [dos artistas] para financiar filmes e peças."
Desde a semana passada, a equipe de Calil trabalha na transição de governo com o entourage do futuro secretário da Cultura, Juca Ferreira, ex-ministro (2008-2010).
"Juca é uma pessoa generosa, muito aberta e experiente, com uma visão de Brasil acima dos pequenos interesses e brigas. E, sobretudo, vai poder trazer muito dinheiro federal, coisa que eu não consegui", avalia Calil.
Entre os desafios que aponta para seus sucessores está o de incrementar a influência da prefeitura sobre a gestão do Masp (que recebe recursos do município). "Só queria que o Masp fosse transparente. Se fosse uma fundação, teria de ter conselho deliberativo, com regras de acesso públicas. Aquilo é uma caixa-preta."
CINEMA BRASILEIRO
Diretor da Embrafilme (estatal que incentivava a produção cinematográfica do país) entre 1979 e 1986, Calil afirma que hoje o país não produz filmes que o público deseje ver.
"Não dá para falar em problemas de distribuição ou exibição, mas sim em falhas de produção. O modelo brasileiro é equivocado porque ninguém precisa buscar remuneração no público [para recuperar investimentos]."
O erro do cinema nacional, ele observa, é o de "renunciar previamente ao contato com o público".
Em 2013, Calil voltará a se dedicar exclusivamente à universidade. Ele leciona na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.
FORÇA E FRAQUEZA DA GESTÃO CALIL
- Reforma do sistema municipal de bibliotecas
- Criação e consolidação da Virada Cultural
- Novos critérios para a concessão de incentivo fiscal
FRAQUEZA
- Falta de poder político para aumentar o orçamento da pasta de Cultura em SP
- Implantação incompleta da Fundação Theatro Municipal
- Casas de Cultura de SP continuaram fora da alçada da pasta, sendo geridas por subprefeituras
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