terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Vida real - Denise Fraga

FOLHA DE SÃO PAULO

A mesa amarela
Fosse domingo, Natal ou qualquer ocasião de comemoração, lá estava ela, centopeia de nossas pernas
A casa da minha infância tinha uma mesa amarela. Era a casa de minha bisavó, uma casa antiga com abacateiro no quintal e uma penca de tios, primos e agregados.
A importância dessa casa na minha vida é fundamental. A importância dessa mesa na vida dessa casa também. Era uma mesa comum, forrada de fórmica amarela e que aumentava de tamanho nos almoços de domingo, quando eram usadas as duas tábuas extras camufladas debaixo do tampo. Fosse domingo, Páscoa, Natal ou qualquer ocasião que justificasse comemoração, lá estava ela, firme e forte, centopeia de nossas muitas pernas.
No dia a dia, a mesa servia de bancada às costuras de minha bisa, que eram devidamente retiradas para as refeições, incluindo o lanche da tarde. O curioso é que, apesar do tamanho da casa, de haver uma sala de estar, ninguém saía de lá. Chegava-se e já se ia puxando uma cadeira da mesa amarela para se sentar, com refeição ou não. A mesa tinha poder. Depois dos almoços de domingo, víamos a noite chegar ainda sentados à sua volta.
Quando pequena, passei muito tempo ali embaixo, escutando conversa de adulto e desamarrando cadarços. Era nessa mesa que tia Sofia batia a pesada massa do pão da Páscoa e rolava as laranjas depois de cada almoço. Sobre sua fórmica amarela, meu tio fechava o caixa da loja, minha prima corrigia as provas de seus alunos, eu fazia as minhas lições, minha bisa cortava os vestidos, contava-se o dinheiro da igreja e tio Fausto dividia comigo melancias inteiras.
Ali me compreendi pessoa deste mundo, percebi que fazia parte de um todo, ouvi muitas histórias e vi lágrimas sendo enxugadas. Se não tenho berço, tenho mesa. O tempo passou e a casa da minha infância precisou ser vendida. Sabendo do meu amor pela mesa amarela, minha querida tia Ivone telefonou: "Denise, a casa nova é pequena. Você quer a mesa?". Chorei.
Uma caminhonete veio do Rio para São Paulo transportando uma única e banal mesa de fórmica amarela. O almoço de Natal é feito em nossa casa. Começou há alguns anos com oito pessoas. Depois que chegou a mesa, esse número cresce ano após ano.
Hoje vamos usar as duas tábuas e ainda juntá-la à mesa da cozinha para acomodar 22 pessoas. É o poder mágico da mesa amarela e de todos que se sentaram nela. Me ensinaram que mesa é um traço de união. Une nossos pés, liga com seu tampo nossos corações e põe nossos olhos frente a frente para que não esqueçamos da força que temos juntos. Feliz Natal!

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