Cientistas da USP usam raios gama para 'envelhecer' a aguardente de maneira rápida e sem passar por barris de madeira; eles dizem que não há risco de contaminação da bebida durante o processo
GIULIANA MIRANDADE SÃO PAULO
Pesquisadores brasileiros deram um jeito de "turbinar" a fabricação da cachaça ao eliminar sua etapa mais demorada: o envelhecimento em barris de madeira, que pode levar mais de três anos. Usando radiação gama, cientistas da USP criaram um "envelhecimento" similar e que só leva poucos minutos.
O método ainda é restrito aos laboratórios, mas os cientistas acreditam que ele possa ser usado para acelerar a produção de aguardente e talvez até diminuir seu custo.
A fabricação é a mesma. A diferença é que, depois de destilada, em vez de ir para os barris envelhecer, a cachaça já é engarrafada.
Os recipientes com a pinga passam então por um aparelho chamado irradiador. Lá, as garrafas são atingidas por raios gama. Essa radiação ioniza os átomos da cachaça e desencadeia as reações químicas, que aconteceriam de maneira bem mais lenta pelo método tradicional com a madeira.
Nesse ponto, há mudanças na acidez, no teor alcoólico e em vários outros aspectos da aguardente.
SEGURANÇA
A quantidade de radiação, de 0,3 quilogray por dose, é considerada baixa pelos físicos, mas equivale à exposição de um indivíduo a aproximadamente 10 mil tomografias computadorizadas.
Ainda assim, o coordenador do projeto diz que não há risco de contaminação da cachaça irradiada.
"Isso não acontece. A bebida pode ser consumida logo depois. O problema é que muita gente confunde irradiação com contaminação", explica Valter Arthur, do Laboratório de Radiobiologia e Meio Ambiente do Cena (Centro de Energia Nuclear na Agricultura) da USP.
Um inconveniente do método é que, ao contrário dos barris, a irradiação não altera as cores do líquido, que permanece transparente.
"E tem muita gente que faz questão da a coloração amarelada", relata Arthur.
Para contornar o problema, os pesquisadores criaram uma espécie de repouso "estético". Eles deixaram a bebida cerca de seis meses em barris de amendoim apenas para "pegar a cor" desejada.
Os pesquisadores estão trabalhando também com a adição de essências e outros elementos para incrementar ainda mais a bebida e suas possibilidades de coloração. Já foram testados, entre outros, urucum e ipê.
Para a técnica chegar à indústria, no entanto, é preciso investimento alto. Um irradiador custa em média US$ 3,5 milhões. Por isso, segundo Arthur, o mais provável seria a criação de centros que poderiam irradiar a cachaça para vários fabricantes.
A equipe do projeto também diz que praticamente não há diferença no gosto da bebida. Em um teste com 40 estudantes da USP, eles não detectaram diferenças aparentes entre a cachaça tradicional e a "radioativa".
O sommelier de cachaça Jairo Martins, no entanto, discorda. "Essa cachaça ainda tem de melhorar. A acidez ainda está muito forte."
Especialista no assunto e criador do site "O Cachacista", Martins provou uma amostra da aguardente irradiada a convite da Folha.
"Não substitui o envelhecimento em barril. Pode acelerar o processo, mas somem todas as peculiaridades que a madeira proporciona", diz.
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