Brasileiros publicam artigo na Science em colaboração com estrangeiros sobre coleta inédita de insetos em florestas tropicais
Lilian Monteiro
Estado de Minas: 14/12/2012
Desde a década de 1980, uma pergunta inquieta o mundo científico: quantas espécies de artrópodes há no planeta? Indagação das mais pertinentes porque 95% dos espécimes animais são desse grupo. Portanto, não há nada no ecossistema que exista sem os insetos. A pergunta parece simples, mas esconde tamanha complexidade que é impossível uma resposta precisa. Por outro lado, ninguém até agora tinha tentado responder quantas espécies de artrópodes têm numa floresta. Papel que coube a um grupo de cientistas de instituições de pesquisa e ensino superior do Brasil, sendo dois de Minas Gerais, em colaboração com estudiosos estrangeiros, e que publica hoje artigo na revista Science com dados inéditos de avaliação do número de espécimes de insetos existentes nas florestas tropicais. A pesquisa envolve o trabalho de mais de 100 cientistas, de 21 nacionalidades, feito considerado inédito.
Na floresta San Lorenzo, no Panamá, onde pesquisaram os brasileiros, 25 mil espécimes de artrópodes foram estimados num espaço de 6 mil hectares, indicando a riqueza da biodiversidade. “Se isso tudo de espécime define o ecossistema, como esperar que o ecossistema funcione sem eles?”, questiona o doutor em ecologia pelo Imperial College, no Reino Unido, professor Sérvio Pontes Ribeiro, docente do Departamento de Biodiversidade, Evolução e Meio Ambiente da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).
Do ponto de vista evolutivo, todo funcionamento da floresta tem os insetos como atores. Seja na reciclagem, quando a árvore envelhece, é brocada, as folhas caem e os nutrientes voltam para o solo, quem começa o processo são os artrópodes, que contam com a ajuda de micro-organismos para sua finalização. No solo, os insetos reciclam os nutrientes diretamente via fragmentação e início da decomposição da matéria orgânica vegetal, alimentado-se de fungos. Mas é lá no dossel da floresta, no topo das árvores, que eles comem as plantas, promovendo a evolução das respostas adaptativas dos espécimes vegetais.
Outra grande contribuição desses milhares de bichinhos é no regime de chuvas. Elas são influenciadas pela complexa vida da floresta: quando o inseto age sobre as folhas, compostos orgânicos voláteis são liberados pelas árvores. Esses gases vão para a atmosfera, interferindo no ciclo das precipitações. Para se ter ideia, nada menos que 40% da chuva do Sudeste vêm da Região Amazônica.
A pesquisa foi desenvolvida em uma floresta de grande porte nos arredores do canal do Panamá, no Parque Nacional de San Lorenzo. No processo de identificação de nada menos que 500 mil espécimes coletados, os pesquisadores escolheram grupos taxonomicamente iguais ou similares. “A maioria dos espécimes não tem nome porque é humanamente impossível. No entanto, consegue-se “definir os grupos mais importantes, mesmo sem nome científico formalizado, porque são os mais ricos em espécimes.”
Assim, definiu-se os dípteros (moscas e mosquitos), coleópteros (besouros), lepidópteros (mariposas) e hymenópteros (vespas, abelhas e formigas), no total de 6 mil espécimes identificados. “Com a ressalva de que o processo é amostral, sistemático, repetitivo e com cálculo matemático. No fim, na floresta San Lorenzo, que tem 6 mil hectares, “foram estimados 25 mil espécimes de artrópodes. E é justamente essa é uma das grandes descobertas do trabalho”, pontua Pontes Ribeiro, que contou com a ajuda dos colegas brasileiros Evandro Gama de Oliveira, doutor em zoologia pela Universidade do Texas e professor no Centro Universitário UNA, em Belo Horizonte; Jacques Delabie, doutor em entomologia pela Université Paris VI, pesquisador do Centro de Pesquisas do Cacau e professor da Universidade Estadual de Santa Cruz em Ilhéus (BA); e Wesley Duarte da Rocha, mestre em zoologia pela instituição baiana.
As amostras foram colhidas no Panamá entre 2003 e 2004. Para o desenvolvimento do trabalho, o professor Sérvio conta que primeiro foi montado um protocolo e para uma única floresta foi feito um comparativo da fauna de solo e dossel por amostragem para triagem, identificação e estimativa de número de espécimes. Além do Panamá, o estudo está sendo desenvolvido, nos mesmos moldes, em áreas da Austrália, Ilha de Vanuatu e França. Esses trabalhos são desenvolvidos por cientistas da Alemanha, Austrália, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Itália, México, Noruega, Portugal, República do Panamá, República Tcheca e Suíça, cujos resultados serão divulgados posteriormente.
Os pesquisadores das instituições brasileiras atuaram principalmente nas expedições de campo, especificamente na coleta de insetos herbívoros, de mariposas e de identificação de formigas.
A segunda grande descoberta do trabalho, conforme Pontes Ribeiro, foi “entender que em uma hora de coleta você pode ter 60% do total de espécimes que a floresta tem. O que significa que a maioria dos espécimes está distribuída em uma grande extensão territorial e não restrita espacialmente”, analisa. Assim, são duas as condições para a conservação da biodiversidade: a primeira é que “as unidades não podem ser pequenas ou parte corre o risco de extinção”. E, a segunda, é que as reservas sozinhas não darão conta de preservar tamanha riqueza natural: “É importante integrar as unidades de conservação. A atividade humana tem de ser menos impactante e degradante ao meio ambiente. O Código Florestal precisa ser mais agressivo. Há negociação de coisas inegociáveis. O posicionamento firme não é para favorecer ambientalistas ou produtores, mas para o bem da humanidade”, diz o professor, enfatizando que “o mundo evoluiu com os insetos”. Quanto ao preconceito ao se falar de insetos, sempre relacionados às pragas, o professor ensina: “As pragas são minoria e só explodem quando os demais espécimes se extinguem”.
DIFICULDADE NO TOPO Sérvio Ribeiro destaca que uma das dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores foi chegar ao topo das florestas tropicais (árvores entre 35 e 40 metros de altura), uma área pouco estudada devido às dificuldades de acesso, mas que contém imenso potencial para a pesquisa científica, dada a diversidade biológica e o ecossistema que sobrevive acima do topo da vegetação. “É um ambiente que se distingue do solo pela alta incidência de luz solar, um hábitat distinto, mais seco e estressado. Chamamos de cerrado do alto da floresta”, conta. Por isso, o projeto teve uma série de particularidades, como uso de técnicas de escalada, treinamento com profissionais da área, uso de balões, guindastes, balsas de dossel e outros instrumentos que visaram ao melhor aproveitamento da coleta de insetos existentes no topo da floresta de San Lorenzo.
“Ao calcularmos que a floresta San Lorenzo produz acima de 25 mil espécimes de artrópodes, isso implica que para cada espécie de planta vascular, ave ou mamífero neste local, você vai encontrar 20, 83 e 312 espécimes de artrópodes, respectivamente. Ou seja, se há interesse em conservar a diversidade da vida na Terra, é obrigatório conservar os artrópodes”, conclui o pesquisador Sérvio Ribeiro.
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