Zero Hora 14/12/2012
Virei um moloide, depois que meu filho nasceu. Não foi de uma hora para
outra. Um analista amigo meu, certa feita, disse-me que o ser humano “é
muito lento”. Bom. Sou ainda mais lento. A mudança vai acontecendo,
acontecendo e, de repente, acontece quase que sem que eu perceba. Aí se
transforma em crise. Que se transforma em dor. Por que não mudei
racionalmente, inteligentemente, ponderadamente, para evitar todo esse
processo doloroso?
Maldição.
Mas, como dizia, fui me amolentando aos poucos, após me tornar pai.
Hoje sou um molenga completo, sobretudo no que se refere a crianças.
Aqueles meninos de cabecinha redonda e grandes olhos tristes que passam
fome no Chifre da África, basta vê-los por 10 segundos na TV e já me
marejam os olhos. As crianças de países árabes que fogem de bombardeios
puxadas pela mão da mãe, assistir a essas cenas me deixa com uma bola na
garganta.
Mas não precisa ser uma tragédia internacional. Pode ser uma
decepção arrabaldina. Agora mesmo, 462 crianças de creches e escolinhas
iam se apresentar no Araújo Vianna, e não puderam. Ensaiaram desde
outubro para o grande dia, vibrantes de expectativa.
Chegado o grande dia, a Secretaria de Educação cancelou a
apresentação porque faltaram “parceiros” para bancar os gastos com
limpeza, segurança e transporte. Na página 42 da Zero de ontem há uma
foto das meninas de cinco anos de idade sentadas no chão, com asinhas
coloridas coladas às costas, elas que seriam borboletas no teatro. Uma
delas, Sara, está com os bracinhos cruzados em frente à barriga, fitando
o vazio. Com olhos rasos d’água, ela disse para a mãe:
– Nunca mais vou dançar.
Uma história trivial, mas me comoveu. Suponho que a Secretaria de
Educação tenha coisas mais importantes com que se ocupar. Orçamentos.
Calendários. Folhas de pagamento. A desilusão de quatrocentas e tantas
crianças não entra nesses cálculos, nem pode ser medida. A despesa não
havia sido prevista? Não foram encontrados patrocinadores? Paciência,
cancele-se a apresentação, o choro das crianças não vai tirar a
secretaria do prumo.
Muito racional. Eu, se fosse secretário ou prefeito, não conseguiria
agir assim. Eu suspenderia todas as minhas tarefas do dia e daria um
jeito de manter o espetáculo e não decepcionar as crianças. Sei que não é
impossível. Quando se quer, é possível, e eu quereria. Seria uma
tolice, talvez. Seria uma ação motivada pela emoção, não pela razão. Que
fazer?
Virei, realmente, um moloide.
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