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Dilma e Lula
Presidente dá passo arriscado ao comandar defesa enfática do mentor, pois acusações de Marcos Valério ainda carecem de investigação
Ela alcançou, agora, o Palácio do Planalto. E quem avocou o assunto para o centro do poder foi a própria presidente Dilma Rousseff.
Ungida por Lula como sucessora, ela parece ter concluído que chegou a hora de sair em defesa enfática do mentor, ora enredado no mensalão. Coisa que Dilma se abstivera de fazer, até aqui, mantendo a imprescindível equidistância de primeira mandatária com relação ao julgamento, por outro Poder da República, do caso de desvio de recursos públicos para comprar apoio do Congresso ao primeiro governo Lula.
"É sabida a minha admiração, o meu respeito e a minha amizade pelo presidente Lula", afirmou Dilma em Paris, em rara declaração sobre política doméstica dada em solo estrangeiro. E arrematou: "Eu repudio todas as tentativas -e esta não será a primeira vez- de tentar destituí-lo da imensa carga de respeito que o povo brasileiro lhe tem".
O que parece ter motivado a presidente a dar o passo temerário foi a conjugação, em manchetes sucessivas, de duas revelações particularmente danosas para a reputação de seu antecessor.
Primeiro, a divulgação da Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, que expôs as negociatas de pessoa íntima de Lula -Rosemary Noronha- no governo federal. Depois, a confirmação do conteúdo do depoimento do operador do mensalão, Marcos Valério, dado ao Ministério Público Federal em setembro (depois de condenado pelo STF, mas antes de ser apenado com mais de 40 anos de prisão).
Valério arrastou Lula para o fulcro do mensalão. Ainda que a credibilidade do empresário seja duvidosa, tantas são as contradições e reviravoltas em seus testemunhos, só uma investigação séria das alegações poderá dissipar suspeitas que pairam sobre a participação de Lula no esquema.
Dilma disse ao diário francês "Le Monde" que ela e seu governo não toleram corrupção, mas que não se devem confundir investigações com caça às bruxas. Assim como seus ministros, que saíram em defesa concertada do prócer petista, dá indicação de que tem Lula na conta de cidadão especial, fora do alcance da lei e da Justiça.
Não há lugar para isso na República. Ao avalizar a conduta de seu correligionário e padrinho, antes de qualquer investigação, a presidente se apequena aos olhos de quem lhe atribuía a disposição de romper com a corrupção política.
Lei seca e dura
Um dos principais defeitos da chamada lei seca está prestes a ser corrigido pelo Congresso Nacional.Foi aprovado anteontem na Comissão de Constituição e Justiça do Senado um projeto de lei que autoriza a utilização de qualquer meio de prova para atestar a embriaguez do motorista ao volante, como testemunhos de policiais e exames clínicos -que, hoje, não são aceitos pela Justiça.
Com a mudança, desaparece a necessidade de comprovar "concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas". A ultrapassagem desse limiar, decidiu o Superior Tribunal de Justiça em março, só pode ser aferida com o teste do bafômetro ou um exame de sangue.
Ocorre que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Hoje, se um motorista se recusa a soprar o bafômetro ou a ceder sangue, não há como comprovar que ele transpôs o limite tolerado.
É necessário, pois, retirar a lei seca desse impasse, a fim de restaurar seu louvável propósito: combater a trágica combinação de bebida com volante. Motoristas embriagados respondem por parte considerável das cerca de 40 mil mortes anuais no trânsito no país.
Segundo um estudo da Faculdade de Medicina da USP, com base em dados de 2005 do IML de São Paulo, 44% dos 3.042 condutores mortos no Estado haviam ingerido álcool antes de dirigir. Especialistas estimam cifras até maiores.
Os legisladores agiram com a intenção correta, portanto, quando aprovaram a lei seca em 2008. No ímpeto punitivo, porém, deixaram abertas brechas que, como se previa há quatro anos, terminaram por dificultar a aplicação da lei.
Agora que se dispõem a corrigir aquele equívoco, os parlamentares poderiam aproveitar para retirar da norma seu caráter draconiano. Prescrever detenção de seis meses a três anos para o motorista que simplesmente dirigir embriagado é um exagero. Punições desse tipo deveriam incidir somente em casos de acidentes com vítimas.
O endurecimento administrativo que os legisladores também propõem, por outro lado, parece um caminho adequado -a multa passa de R$ 957,70 para R$ 1.915,40.
Embora nem todas as correções desejáveis tenham sido feitas, os parlamentares ao menos facilitaram a aplicação da lei. O projeto, se aprovado no plenário do Senado, irá à sanção presidencial. Não parece haver obstáculos para que isso ocorra na semana que vem, a tempo de a nova norma regular o trânsito já nas festas de fim de ano.
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