Zero Hora - 14/12/2012
Sempre recordo uma frase que dizia aos meus alunos durante nossas aulas
de língua portuguesa (e por que não dizer também de cidadania), nos
constantes esforços para educá-los em relação ao uso de termos
politicamente corretos: “Existem maneiras e maneiras de se dizer a mesma
coisa; o que muda é tão somente a forma como nos manifestamos”.
Dessa forma, uma expressão grosseira como um “Cale a boca” tem o
mesmo objetivo que um “Por favor, faça silêncio”. O que se modifica,
porém, é a intenção e cortesia (ou falta dela) na comunicação: a
abordagem em si pode causar um efeito transformador ou devastador,
sobretudo se levarmos em consideração as funções da linguagem: referente
(assunto), mensagem (a conversa), emissor (quem fala), receptor (quem
ouve), código (linguagem, ou seja, a própria língua portuguesa em si) e
canal (o meio, o contexto).
Sem esquecer, é claro, do fato cultural, pois todo ser humano
acumula conhecimento porque criou e emprega a linguagem, dentro de um
contexto social no qual o sujeito esteja inserido, uma vez que a
linguagem humana está sempre em processo contínuo de evolução e, por
essa razão, em constante mudança.
Segundo Faraco & Moura (in Língua e Literatura – 4º volume),
entende-se por cultura “todo fazer humano que pode ser transmitido de
geração a geração, através da linguagem. A cultura é a soma de todas as
realizações do homem”. Nessa perspectiva, há de se considerar que a
problemática da falha de comunicação não está propriamente contida na
forma como nos manifestamos, mas, sim, na forma como os outros recebem
aquilo que é dito.
Existe um adágio popular que diz que somos responsáveis por aquilo
que falamos e não por aquilo que os outros entendem. Nesse contexto,
venho refletindo há algum tempo sobre levantar muros (vivermos isolados
em defesa daquilo em que acreditamos e defendemos com veemência) e
construir pontes (mediar nosso conhecimento e aceitarmos a visão do
próximo em busca do equilíbrio de ideias e da boa convivência em grupo).
Essa inquietação de professora (ou educadora, se o termo for mais
apropriado e socialmente aceito) irrompeu de maneira tal, que
ultrapassou a barreira do pensamento íntimo, ao acompanhar a recente
“gafe” cometida pela presidente Dilma Rousseff, durante seu
pronunciamento na 3ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com
Deficiência. O equívoco na troca do termo “pessoa” por “portadora”
desencadeou uma reação de protesto por parte do público, só desfeita por
uma autocorreção em tempo, seguida de aplausos após o reconhecimento do
erro pela própria presidente. Certamente, Dilma não teve intenção de
ofender ninguém, até porque essas expressões vêm sofrendo modificações
ao longo do tempo que mesmos os eruditos obedientes à norma culta podem
se confundir.
O atual contexto social denota uma era de avanços tecnológicos cada
vez mais amiúde, fora do alcance das camadas populares, bem como da
recente reforma ortográfica e da linguagem internauta. Há uma linha
tênue que separa o conhecimento empírico daquele que é oriundo de
teorias e conceitos universais (muitos deles já caracterizados como
obsoletos), e a ruptura desses paradigmas que nos fazem temer o emprego
inadequado de expressões que possam ser interpretadas como
discriminatórias ainda é um processo em construção para a maioria das
pessoas.
Talvez a palavra em si não seja o essencial. Talvez os gestos, as
atitudes, a empatia e a certeza de que todos somos iguais nas diferenças
é que seja o verdadeiro canal de comunicação... A forma como nos
tratamos mútua e reciprocamente é que definirá se realmente vivemos em
um contexto que exclui e aprisiona ao levantar muros ou nos aproxima e
liberta ao construir pontes.
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