Paloma Oliveto
Estado de Minas: 14/12/2012
Aos 24 anos e com diversos troféus de concursos de beleza na bagagem, a modelo e miss americana Allyn Rose anunciou, no mês passado, que tirou as duas mamas para prevenir o câncer. Logo depois, foi a vez de Sharon Osbourne, de 60, mulher do cantor Ozzy Osbourne, fazer o mesmo. Nenhuma das duas foi diagnosticada com qualquer tipo de tumor maligno – elas tomaram a drástica decisão por serem portadoras de genes que podem levar ao desenvolvimento da doença. Embora a estratégia seja recomendada em alguns casos, a oncologista Sarah Hawley, pesquisadora da Faculdade de Medicina da Universidade de Michigan, alerta que, nos Estados Unidos, 70% das cirurgias do são desnecessárias. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) não tem dados estatísticos sobre mastectomia.
Em um painel apresentado durante o Simpósio de Qualidade de Tratamento da Sociedade de Oncologia Clínica Americana, Sarah demonstrou que, levadas pelo medo de recorrência do câncer, muitas mulheres que tiveram tumor em um seio optam por retirar completamente a mama saudável mesmo que o risco de sofrerem novamente da doença seja muito baixo. “A mastectomia profilática contralateral pode ser recomendada para mulheres com as mutações genéticas BRCA1 ou BRCA2 ou com um forte histórico familiar, e que já foram diagnosticadas com câncer de mama e/ou de ovário”, diz. Contudo, em um estudo que ela fez com 2.245 pacientes, a médica constatou que a maioria das mulheres que se submeteram ao procedimento radical bilateral não precisava ter feito a cirurgia.
No estudo, as pacientes foram acompanhadas do diagnóstico inicial a quatro anos depois do procedimento. Todas elas fizeram algum tipo de cirurgia: lumpectomia, mastectomia unilateral ou mastectomia dupla (veja infografia). Das 1.446 que não sofreram recorrência no fim do período pesquisado, 505 haviam considerado a retirada de ambas as mamas e 108 chegaram a fazê-la. Dessas, 75, ou 70%, não tinham fatores de risco que justificassem esse tratamento. Elas foram movidas apenas pelo medo.
“Baseada no nosso estudo, acredito que grande parte das mulheres com risco genético faz a mastectomia profilática bilateral, mas a quantidade de pessoas que não apresenta esses fatores e opta pela cirurgia é ainda maior”, avalia a oncologista. “Acho que o medo de recorrência é um forte motivo para essa escolha. Porém, remover o seio saudável não reduz a chance de o câncer voltar. O que a cirurgia faz é diminuir o risco de um novo tipo de câncer surgir, mas apenas no caso de quem tem as mutações ou um forte histórico familiar. Na minha opinião, muitas mulheres querem se sentir em paz e acreditam que isso só será possível se retirarem as duas mamas”, ressalta.
Diversos estudos mostram que, na população em geral, a prevalência das mutações nos genes BRCA 1 e BRCA 2 é, respectivamente, de 0,11% e 0,12%. Esses índices sobem no caso de mulheres com pelo menos três casos familiares de câncer de mama e/ou ovário, passando para 12,8% e 16%. Ser portadora dos genes defeituosos, contudo, não significa que a pessoa, necessariamente, terá câncer de mama algum dia, embora os riscos sejam altos: entre 50% e 80% até os 70 anos. A pesquisadora, contudo, é contra a mastectomia quando a mulher é portadora das mutações, mas não tem a doença caso da miss Allyn Rose e de Sharon Osbourne.
Vulneráveis Para Todd Tutlle, chefe de cirurgia oncológica da Universidade de Minnesota, os Estados Unidos passam por uma “epidemia” de mastectomias desnecessárias. Ele foi o primeiro pesquisador do país a investigar os padrões nacionais do procedimento e, em 2007, publicou o resultado do estudo no Journal of Clinical Oncology.. Após analisar dados detalhados de 16 estados americanos, Tutlle constatou que entre 1998 e 2003, das 152.755 mulheres diagnosticadas com câncer de mama nos estágios 1 e 2, 59.460 fizeram mastectomia de apenas uma mama, enquanto 4.969 optaram por retirar os dois seios mesmo sem indicação clínica para isso. O percentual de pacientes que precisavam realizar o procedimento em uma mama mas removeram também a saudável subiu de 4,2% em 1998 para 11% em 2003.
“Com certeza esse índice está ainda mais alto agora. Acredito que isso se deve a uma série de fatores. Cada vez mais surgem informações disponíveis na imprensa, principalmente na internet, sobre os riscos associados às mutações. Além disso, as técnicas de reconstituição mamária melhoraram bastante, assim como as de mastectomia, o que pode encorajar mais as pacientes”, diz.
O cirurgião oncológico enfatiza que boa parte das mulheres que optam pela retirada dos dois seios faz isso em um momento de grande vulnerabilidade. “Particularmente, acho que elas não devem ser aconselhadas a tomarem uma decisão tão radical rapidamente. O melhor é tratar a doença e, só depois, começar a pensar nessa possibilidade”, defende. Sarah Hawley concorda: “Os médicos e cirurgiões têm de estar certos de que a mulher que está pensando em fazer esse procedimento realmente entende os riscos e benefícios associados a ele, particularmente o fato de que a cirurgia não reduz as chances de recorrência local, apenas de um novo câncer primário. O aconselhamento genético é importante para as pacientes saberem se realmente têm algum fator de risco que justifique a cirurgia.”
Professor de radiologia oncológica da Universidade da Pensilvania, Robert Prosnitz lembra que as pacientes se preocupam muito com o aumento da expectativa de vida, sem pensar na qualidade que terão. Autor de um estudo que investigou o benefício da mastectomia preventiva, ele afirma que nos casos em que não há riscos genéticos e familiares em jogo, retirar também o seio saudável não traz nenhum ganho em termos de longevidade. Já a qualidade de vida das mulheres que fazem essa opção sofre, sim, um grande impacto. “Essa é uma cirurgia necessária em casos recomendados, mas totalmente inútil em grande parte das vezes. Pode ser até mais arriscado. Muitas pacientes têm um excelente prognóstico e, mesmo assim, querem remover as duas mamas. Elas devem ser lembradas que a cirurgia é muito agressiva e que as complicações da operação podem ser mais perigosas que o próprio câncer”, afirma.
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