folha de são paulo
Malditos fios
Reforma da Faria Lima mostra como a cena muda quando somem a horrenda fiação aérea e seus postes
Vou descendo a pé pela agradável e arborizada Sampaio Vidal, no Jardim Paulistano, até chegar à esquina da Faria Lima. É hora do rush. Carros e ônibus movem-se pela avenida a velocidade de galinhas. Pessoas transitam para lá e para cá, helicópteros cruzam o céu e rapazes afrouxam as gravatas nas mesinhas da happy hour.Há alguma coisa diferente, entretanto, nessa característica cena paulistana -e não são apenas as novas e civilizadas calçadas, a iluminação reformada ou as bicicletas que já circulam pela ciclovia do canteiro central.
É que a Faria Lima, do Itaim à Rebouças, não tem mais fios. Sem eles e seus horrendos postes, a escala muda, o olhar acalma e a paisagem urbana desanuvia.
Em São Paulo, o bônus visual do enterramento da fiação é potencializado pela limpeza anterior, quando a prefeitura, numa investida de vanguarda, baniu outdoors, restringiu drasticamente a publicidade no espaço público e regulamentou o uso comercial das fachadas.
A cidade que se realça quando cai a crosta da poluição visual pode não ser o melhor exemplo de acerto arquitetônico, mas a limpidez -já por si um ganho- também deixa ver belezas insuspeitadas, bons edifícios e situações urbanas cosmopolitas.
A revalorização do espaço público traduz-se também em ganhos econômicos. Isso aconteceu, por exemplo, em ruas comerciais, como a Oscar Freire. Depois do "tapa" urbanístico por que passou nossa via Montenapoleone, floresceu como nunca um centro de comércio de rua sofisticado e civilizado. E os efeitos se irradiaram pelas alamedas vizinhas.
Pena que os malditos fios da Eletropaulo ainda poluam mais ruas e avenidas do que se poderia esperar. "Malditos fios da Eletropaulo" é o mote de uma campanha bacana que o jornalista Leão Serva vem fazendo pelo Instagram. Desde o ano passado ele já postou mais de 400 imagens de lugares em que a fiação aérea interfere de maneira grosseira no visual da cidade.
Leão lembra que o município tem uma lei (de 2005) que determina padrões anuais de enterramento dos fios. O problema é que o cumprimento da legislação esbarrou numa questão básica -quem paga a conta. A prefeitura tem seus limites e prioridades orçamentárias, e a Eletropaulo alega restrições financeiras e dificuldades para repassar os custos ao consumidor. Recentemente a empresa estimou em R$ 100 bilhões o valor para o enterramento de toda a fiação de São Paulo.
A crer nessa estimativa, a soma é mesmo alta. O Orçamento municipal do próximo ano, para que se tenha uma ideia, é de R$ 40 bilhões. Mas o enterramento dos fios não precisa ser feito na cidade inteira, de uma só vez e pago por apenas um dos envolvidos. Há formas de escalonar e ratear despesas.
A Eletropaulo, diga-se, costuma culpar São Pedro quando a eletricidade é interrompida pelas quedas de árvores em dias de chuva -se fosse subterrânea, a fiação estaria mais bem protegida. A empresa, no entanto, lucra com os postes, que aluga para concessionárias de telefonia e TV a cabo. E nada se paga para explorar o espaço aéreo da cidade.
Já é hora de São Paulo dar um passo e criar um programa realista para o enterramento de fios. Já se vão mais de cem anos desde que a Ligth, em 1905, acendeu as primeiras luzes elétricas em vias públicas da cidade. De lá para cá plantou-se na Pauliceia uma floresta de postes, que sustentam milhares de quilômetros de fios.
Malditos fios.
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