Famoso por imersões nos personagens, ator vive agora Abraham Lincoln
Dono de dois Oscar e favorito para mais um, britânico encarnou o presidente americano até fora das filmagens
Divulgação | ||
Daniel Day-Lewis como o presidente Abraham Lincoln |
"Oi, meu nome é Daniel." A apresentação não é carregada de ironia. Daniel Day-Lewis se apresenta realmente como um ser humano normal e sorridente, apesar de a imprensa britânica adorar passar um verniz de loucura em seu filho pródigo.
Daniel pode ser uma fachada para o homem que quebrou as costelas ao se recusar a sair do personagem paralítico de "Meu Pé Esquerdo" (1989) ou o que morava em uma tenda no meio do deserto durante as filmagens de "Sangue Negro" (2007) -ele venceu o Oscar pelos dois filmes.
Para viver o presidente Abraham Lincoln (1809-1865) no período da aprovação da lei de abolição da escravatura no drama "Lincoln", de Steven Spielberg, que estreia em janeiro, Lewis manteve seu método de imersão completa.
Despediu-se do roteirista Tony Kushner, que adaptou parte da obra "Team of Rivals: The Political Genius of Abraham Lincoln", de Doris Kearns Goodwin, um dia antes de começar a rodar, pois só queria contato com Spielberg.
"A experiência de viver um líder do mundo livre já é solitária, imagine essa pessoa no meio da Guerra Civil", diz Day-Lewis à Folha, poucas horas antes de ser escolhido melhor ator pela Associação de Críticos de Nova York.
"A solidão foi algo que Steven me permitiu, mas foi paradoxal porque minha cumplicidade com ele era absoluta."
Nas filmagens, o ator mais premiado de sua geração não saía do personagem, falando com o sotaque que retirou de suas pesquisas e até escrevendo e assinando como o presidente, morto em 1865.
"Preciso criar uma ilusão para mim na esperança de criar para o espectador. Sei que a voz que encontrei para Lincoln levantou interesse, mas ela é um reflexo profundo de cada personagem que faço. Se tenho sorte, os sons acham o caminho para mim."
"Para minha sorte, não há gravações de Lincoln, então ninguém pode afirmar, categoricamente, que não estou soando como ele. O que fiz foi ouvir gravações de pessoas que viveram nos mesmos condados que ele."
CONSTRUÇÃO
Essa construção começou um ano antes de Spielberg gritar "ação" no set de filmagens. O cineasta e Kushner foram até Wicklow Mountains, na Irlanda, onde o ator mora em um sítio com a mulher, Rebecca, e os filhos de 10 e 14 anos.
A dupla queria convencer o ator de que ele seria capaz de viver um político quase beatificado nos Estados Unidos.
"Quem não gostaria de ser mudado pela experiência de viver Abraham Lincoln?"
No primeiro dia no set, o ator apareceu de barba e bem mais magro, mas não gosta do assunto. "As performances são medidas pelo peso ultimamente. Ganhar ou perder peso não tem a mínima importância desde que [Robert] DeNiro fez 'Touro Indomável'. Faz parte do trabalho."
A razão de evitar o assunto é a perseguição dos tabloides ingleses, que transformam os métodos de atuação de Daniel Day-Lewis em excentricidades. Em "Lincoln", o fato de assinar mensagens com as iniciais do presidente virou notícia na Inglaterra.
"Eu não sou maluco", exclama o ator. "Mas é verdade que gasto boa parte da minha energia bloqueando a minha visão periférica para me conectar ao mundo que criei."
O astro admite que as extravagâncias eram maiores quando os filhos eram pequenos e "não entendiam o que o pai fazia". "Agora é um jogo, mas sei que há limites."
Tanto sabe que é o primeiro a tirar um sarro da própria imagem. Assim que chegou às filmagens, notou que o motorista designado para levá-lo estava nervoso com as regras impostas por seus chefes -possivelmente temendo irritar Lincoln/Day-Lewis.
"Eu falei: 'Quero que você fale para seus chefes que eu estou exigindo ser levado de charrete para as filmagens. E que você precisa de uma licença especial para isso", brinca Day-Lewis, gargalhando com a lembrança.
A imersão valeu a pena. O inglês corre como favorito ao Oscar. Mas, nem por isso, muda seu modo de trabalhar. Não tem projeto para os próximos anos e Day-Lewis deve reaparecer só em 2015.
"É meu ritmo. Se eu notar que preciso sustentar minha família, dou um jeito", afirma. "Talvez fosse trabalhar como operário e continuaria fazendo meus filmes a cada três anos. Do contrário, perderia o entusiasmo."
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