sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Ele falava, nós ouvíamos - Ruy Castro


Folha de São Paulo
RIO DE JANEIRO - A morte de Décio Pignatari, no domingo, me entristeceu. Não nos víamos há 17 anos. A última vez foi em 1995, na PUC de São Paulo, pouco antes de uma palestra que eu daria sobre meu livro "Estrela Solitária", a vida de Garrincha. Abraçamo-nos, rimos de alguma coisa, dissemos tchau e fui para a palestra. Em certo momento, vi Décio na plateia. Era uma novidade na nossa biografia: eu falando, ele ouvindo. Até então, desde 1968, quando nos conhecemos, tinha sido o contrário.
Fomos apresentados por José Lino Grünewald, no Parque Recreio, um restaurante do Flamengo. Difícil descrever o espaço então ocupado por Pignatari -poeta, pensador, professor, publicitário, polemista. O que não o impedia de ser generoso e gentil com um garoto de 20 anos. Mas Décio era generoso e gentil com todo mundo, exceto com as pessoas sobre quem formasse um juízo negativo -caso em que lhes dizia isso, na lata.
Dois anos depois, achei para ele, num sebo do Rio, a obra completa de seu herói, o filósofo e matemático americano Charles Sanders Peirce (1839-1914), em oito volumes. Em troca, Décio me presenteou com uma espécie de "melhor de Peirce", que usava para ler no avião. Naquela época, vinha ao Rio todas as quartas-feiras, para dar aula na Esdi (Escola Superior de Desenho Industrial), que ajudara a fundar.
Décio passava o dia na Esdi, na Lapa, e, à noite, ia para meu apartamento, na rua Marquês de Abrantes. Trazia uma garrafa de vinho, pedia Billie Holiday na vitrola e gostava de ver chegar jovens que eu convidava para escutá-lo.
Ali, entre rapazes e moças, alguns sentados no chão, Décio falava de como as escolas do futuro teriam computadores, de como o progresso produzia "desprodutos", de como o mundo logo deixaria de falar "europês" e de como Edgar Allan Poe, no século 19, já tinha adivinhado aquilo tudo.

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