Neville D'Almeida lança o romance A dama da internet, pensado como roteiro para cinema. Diretor de A dama do lotação, escritor aposta na onda erótica com tempero bem brasileiro
Mariana Peixoto
Estado de Minas: 19/12/2012
Trinta e quatro anos separam Solange de Luísa. Mas alguns fatos as unem. O principal deles é o trauma que ambas sofrem na noite de núpcias. Solange é estuprada pelo marido. Luísa não chega a tanto, mas sua primeira noite depois de casada deixa muitíssimo a desejar. A partir disso, cada uma tenta trabalhar sua sexualidade de uma maneira. Solange começa a fazer sexo com desconhecidos que encontra na lotação. Luísa, depois de descobrir-se traída, decide se vingar do marido utilizando as redes sociais como arma.
Solange é A dama do lotação, personagem-título da novela homônima de Nelson Rodrigues que ganhou vida na figura de Sônia Braga, levando, em 1978, 6,5 milhões de pessoas aos cinemas (está entre as 10 maiores bilheterias da cinematografia brasileira). Luísa é A dama da internet (Casa da Palavra), por ora com forma apenas no papel. A dupla de “damas” traz ainda em comum o nome de Neville D’Almeida. O cineasta, também artista plástico, ator e roteirista, estreia agora como romancista com A dama da internet.
E avisa: mesmo com as similaridades, cada uma fala a língua de seu próprio tempo. “Comparada com Solange, Luísa é uma mulher cerebral, que está em busca da libertação existencial. Para Luísa, o sexo é meio que consequência. Ela vai além dele, não é esquizofrênica como a outra”, afirma Neville, belo-horizontino de 71 anos, radicado há meio século no Rio de Janeiro.
De leitura rápida e fácil, A dama da internet mostra uma garota aparentemente comum que sonha com o tradicional “felizes para sempre” dar uma virada na vida. Tem o casamento dos sonhos com o homem que sempre quis, vai morar em casa em condomínio, com tudo à disposição. Mas as coisas não saem como o previsto e, a partir do momento em que Luísa engendra vingança contra o marido traidor, ela também descobre um mundo novo graças à internet, sem as amarras a que estava acostumada.
Pano para manga para uma continuação ele tem, mas antes espera que a saga de Luísa chegue aos cinemas. A narrativa, por sinal, nasceu de um roteiro, que Neville começou a trabalhar há cinco anos. “Pensava até em publicá-lo como roteiro. Quando recebi o convite (do empresário Ricardo Amaral, curador da editora Casa da Palavra), precisei de 30 segundos para aceitar.” Fez várias adaptações, criando novos personagens e situações. A escrita, como não poderia deixar de ser, é muito cinematográfica.
Mas o sexo, mesmo que presente nas quase 200 páginas do romance, é mais sugerido do que colocado em prática. “Ainda que a dramaturgia sexual exista o tempo inteiro, o que mais atrai a personagem é o poder da mulher, que é uma coisa quase sexual. Esse tipo de prazer é até mais duradouro”, finaliza.
Três perguntas para...
Neville D’Almeida
Romancista e cineasta
A dama da internet está sendo lançado no fim de um ano marcado pela explosão editorial do chamado pornô light através de Cinquenta tons de cinza. Houve alguma influência disso para o seu romance?
Não. Eu dei uma olhada nesse 67 tons de azul marinho (risos). Li umas 60 páginas, mas só isso. Nunca pensei dessa maneira, ainda que ache bacana essa coincidência. Mas o meu livro tem um padrão existencial. Nos outros, é a mesma história sempre: um homem bonito transando com uma mulher chata. Não dão tesão, pois são histórias de como o dinheiro compra tudo. O conceito desses livros é do século passado. Essa ideia de sempre dá para comprar uma mulher é secular.
Como você analisa a sexualidade na literatura brasileira?
Existe aquela irresponsável, de autoajuda, e existe outra, totalmente sexualizada, mas sem nenhuma profundidade. Ela está ligada à indústria do corpo, do cosmético, da operação plástica. Isso não resolve nada, pois não toca na questão mais importante, que é existencial. Para mim o sexo está resolvido: a mulher quer ser como o homem. Ela hoje admite a possibilidade de encontrar na noite um cara que a atrai e fazer sexo com ele. Mas o que não está resolvido e que ainda paira no ar é a culpa. Acho que o próximo passo é que a mulher consiga fazer sexo sem sentir culpa.
Navalha na carne, seu último filme, já tem 15 anos. Sente muita dificuldade em lançar filmes?
O cinema brasileiro é totalmente irresponsável, de apadrinhamento, cartorial. Hoje, não é preciso que um filme dê certo. Você só precisa de boas amizades nas comissões. Todo mundo já ganha antes. Existem bons cineastas que lutam por bons resultados, como Sérgio Rezende, José Padilha, Marcos Prado. Há outros, como Cláudio Assis e o Fábio Carvalho, aí de Minas, que gosto muito e ninguém fala dele. Sou recordista do cinema brasileiro. Entre 1978 e 2010, vendi dez milhões de ingressos como A dama do lotação (1978), Os sete gatinhos (1980) e Rio Babilônia (1982). Então, como um cineasta com esse méritos está sem filmar? Por incompetência desses produtores despachantes que fazem esse cineminha chapa-branca. Pois vou voltar ao cinema comercial com A dama da internet. Não será um filme, mas um acontecimento cinematográfico.
TRECHO
“Luísa continuou da mesma maneira que estava. Sem calcinha, sentada na espreguiçadeira, esperando. Gaspar continuava tentando se soltar, mas aos poucos se dava por vencido. Sabia que não conseguiria escapar dessa. Depois de alguma espera, finalmente a campainha da suíte tocou. Luísa vestiu um roupão e foi atender a porta, como se estivesse em sua casa, recebendo uma amiga para tomar um café. Gina entrou nervosa, enlouquecida, e viu seu marido amarrado na coluna, com uma calcinha na boca. Foi para cima de Luísa.”
A DAMA DA INTERNET
. De Neville D’Almeida
. Editora Casa da Palavra
. 198 páginas, R$ 24,90.
Solange é A dama do lotação, personagem-título da novela homônima de Nelson Rodrigues que ganhou vida na figura de Sônia Braga, levando, em 1978, 6,5 milhões de pessoas aos cinemas (está entre as 10 maiores bilheterias da cinematografia brasileira). Luísa é A dama da internet (Casa da Palavra), por ora com forma apenas no papel. A dupla de “damas” traz ainda em comum o nome de Neville D’Almeida. O cineasta, também artista plástico, ator e roteirista, estreia agora como romancista com A dama da internet.
E avisa: mesmo com as similaridades, cada uma fala a língua de seu próprio tempo. “Comparada com Solange, Luísa é uma mulher cerebral, que está em busca da libertação existencial. Para Luísa, o sexo é meio que consequência. Ela vai além dele, não é esquizofrênica como a outra”, afirma Neville, belo-horizontino de 71 anos, radicado há meio século no Rio de Janeiro.
De leitura rápida e fácil, A dama da internet mostra uma garota aparentemente comum que sonha com o tradicional “felizes para sempre” dar uma virada na vida. Tem o casamento dos sonhos com o homem que sempre quis, vai morar em casa em condomínio, com tudo à disposição. Mas as coisas não saem como o previsto e, a partir do momento em que Luísa engendra vingança contra o marido traidor, ela também descobre um mundo novo graças à internet, sem as amarras a que estava acostumada.
Pano para manga para uma continuação ele tem, mas antes espera que a saga de Luísa chegue aos cinemas. A narrativa, por sinal, nasceu de um roteiro, que Neville começou a trabalhar há cinco anos. “Pensava até em publicá-lo como roteiro. Quando recebi o convite (do empresário Ricardo Amaral, curador da editora Casa da Palavra), precisei de 30 segundos para aceitar.” Fez várias adaptações, criando novos personagens e situações. A escrita, como não poderia deixar de ser, é muito cinematográfica.
Mas o sexo, mesmo que presente nas quase 200 páginas do romance, é mais sugerido do que colocado em prática. “Ainda que a dramaturgia sexual exista o tempo inteiro, o que mais atrai a personagem é o poder da mulher, que é uma coisa quase sexual. Esse tipo de prazer é até mais duradouro”, finaliza.
Três perguntas para...
Neville D’Almeida
Romancista e cineasta
A dama da internet está sendo lançado no fim de um ano marcado pela explosão editorial do chamado pornô light através de Cinquenta tons de cinza. Houve alguma influência disso para o seu romance?
Não. Eu dei uma olhada nesse 67 tons de azul marinho (risos). Li umas 60 páginas, mas só isso. Nunca pensei dessa maneira, ainda que ache bacana essa coincidência. Mas o meu livro tem um padrão existencial. Nos outros, é a mesma história sempre: um homem bonito transando com uma mulher chata. Não dão tesão, pois são histórias de como o dinheiro compra tudo. O conceito desses livros é do século passado. Essa ideia de sempre dá para comprar uma mulher é secular.
Como você analisa a sexualidade na literatura brasileira?
Existe aquela irresponsável, de autoajuda, e existe outra, totalmente sexualizada, mas sem nenhuma profundidade. Ela está ligada à indústria do corpo, do cosmético, da operação plástica. Isso não resolve nada, pois não toca na questão mais importante, que é existencial. Para mim o sexo está resolvido: a mulher quer ser como o homem. Ela hoje admite a possibilidade de encontrar na noite um cara que a atrai e fazer sexo com ele. Mas o que não está resolvido e que ainda paira no ar é a culpa. Acho que o próximo passo é que a mulher consiga fazer sexo sem sentir culpa.
Navalha na carne, seu último filme, já tem 15 anos. Sente muita dificuldade em lançar filmes?
O cinema brasileiro é totalmente irresponsável, de apadrinhamento, cartorial. Hoje, não é preciso que um filme dê certo. Você só precisa de boas amizades nas comissões. Todo mundo já ganha antes. Existem bons cineastas que lutam por bons resultados, como Sérgio Rezende, José Padilha, Marcos Prado. Há outros, como Cláudio Assis e o Fábio Carvalho, aí de Minas, que gosto muito e ninguém fala dele. Sou recordista do cinema brasileiro. Entre 1978 e 2010, vendi dez milhões de ingressos como A dama do lotação (1978), Os sete gatinhos (1980) e Rio Babilônia (1982). Então, como um cineasta com esse méritos está sem filmar? Por incompetência desses produtores despachantes que fazem esse cineminha chapa-branca. Pois vou voltar ao cinema comercial com A dama da internet. Não será um filme, mas um acontecimento cinematográfico.
TRECHO
“Luísa continuou da mesma maneira que estava. Sem calcinha, sentada na espreguiçadeira, esperando. Gaspar continuava tentando se soltar, mas aos poucos se dava por vencido. Sabia que não conseguiria escapar dessa. Depois de alguma espera, finalmente a campainha da suíte tocou. Luísa vestiu um roupão e foi atender a porta, como se estivesse em sua casa, recebendo uma amiga para tomar um café. Gina entrou nervosa, enlouquecida, e viu seu marido amarrado na coluna, com uma calcinha na boca. Foi para cima de Luísa.”
A DAMA DA INTERNET
. De Neville D’Almeida
. Editora Casa da Palavra
. 198 páginas, R$ 24,90.
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