domingo, 30 de dezembro de 2012

Pressão em todas as idades - Rebeca Ramos‏

Jovens, elas escutam da mãe que não podem engravidar e das amigas que precisam perder a virgindade. Adultas, precisam ser liberais mesmo sem conhecer o corpo 

Rebeca Ramos
Estado de Minas: 30/12/2012 

A sentença vem ainda na infância. “Espera-se das mulheres que elas sejam heterossexuais e, quando atinjam a puberdade, se transformem em alvos sexuais”, relata a enfermeira Silvéria Maria dos Santos, coordenadora do Grupo de Promoção da Saúde Sexual e Reprodutiva do Hospital Universitário de Brasília (HUB). Constatada a primeira menstruação, as meninas são informadas que viraram “mocinhas” e que, a partir daquele momento, podem engravidar. Logo, terão de ser mais cuidadosas com os homens. Dificilmente o adulto, a mãe na maioria dos casos, diz à adolescente que ela poderá escolher o papel sexual que vai desempenhar ou fala sobre como vivenciar essas escolhas. 


“A cobrança que a sociedade faz das mulheres é muito díspar”, crítica Silvéria. De acordo com ela, ao longo da vida, a sexualidade feminina se transforma em um conjunto de experiências carregadas de dúvidas e de pressões sociais. O problema, diz Silvéria, é que muitas guardam para si que os sentimentos não combinam com as atitudes cobradas. E sofrem com isso. A enfermeira atende, por exemplo, grávidas que nem sabem como alcançar o orgasmo e mulheres que só transam para satisfazer o parceiro. 


A estudante Cláudia*, de 22 anos, sucumbiu às pressões. Há menos de um mês, ela se “guardava” para a primeira relação sexual, quando o sentimento e o cuidado mútuo teriam que ser recíprocos. A escolha causava surpresa aos conhecidos da garota. Eles avisavam que ela esperava uma história restrita aos filmes de romance. “Tive a primeira relação sexual e tô (sic) namorando. Se não rolasse… Além disso, podia acabar o mundo”, justifica, fazendo referência à não cumprida profecia maia sobre a semana passada. 


Silvéria avalia que o que aconteceu com Cláudia é comum entre as adolescentes. À medida que uma amiga transa, as outras são inclinadas a resolver essa “pendência”. A especialista alerta que as meninas precisam ser questionadas sobre como, quando e por que querem viver a sexualidade. “Ouço queixas de meninas que se arrependeram de ter tido a relação sexual quando eram muito novas por motivos banais. Elas acreditam que, se tivessem amadurecido, talvez hoje teriam uma outra relação com o sexo”, conta.

Orgasmocracia Na fase adulta, o equilíbrio da sexualidade é comprometido pela orgasmocracia, que prega que toda mulher precisa atingir o clímax em todas as relações sexuais. Filmes, livros e revistas reproduzem manuais, mas esquecem de destacar que o orgasmo depende das vivências, da fisiologia e dos valores de cada mulher, por exemplo. “Só se fala disso e a mulher que não tem tanta facilidade (de atingir o orgasmo) se acha problemática. O prazer não é um livro de receita”, afirma Mariana Casanova, fisioterapeuta especializada em disfunções pélvicas, urológicas, mastologia e obstétricas. 


Para se satisfazer sexualmente, explica Mariana, a mulher deve estar bem com o corpo e com a mente. “Mas ela é cobrada de forma irresponsável, vai para a cama se cobrando um orgasmo. Isso, obviamente, não pode fazer bem”, ressalta. A especialista explica que o clitóris precisa ser estimulado, mas “se não houver uma relação por inteiro, plena e relaxada”, nada surtirá efeito. 


Silvéria ressalta que existem zonas erógenas desconhecidas pelas mulheres e que podem proporcionar muito mais prazer. “As mulheres reclamam tanto da sociedade ser machista, mas elas mesmas se contradizem quando se permitem acreditar que só podem se satisfazer sexualmente com a penetração”, diz. Ela ressalta que é importante avaliar se a iniciação e a prática sexual têm relação com a vontade própria ou se é por interesse da família, da sociedade ou da religião.
A especialista propõe que as pessoas invistam mais no autoconhecimento e no fortalecimento da sexualidade. Segundo ela, o sexo envolve questões delicadas, como a troca de valores e de energias. “É a junção de duas pessoas, duas intenções, dois tipos de carência e de consciência. Espero que os jovens entendam isso e passem a viver o sexo no momento esperado por eles, não naquele que foi imposto”, reflete. 


Já os adultos, tanto homens quanto  mulheres, precisam deixar de lado a ansiedade e entender que a relação sexual depende do parceiro, das experiências vividas, do momento, do local, uma série de fatores que não são matemáticos. “Ejacular não é orgasmo, mas nos habituamos a parar a relação depois da ejaculação, sem esgotar o prazer. Prova disso é pouco tempo depois a pessoa querer mais, ainda não estar satisfeita”, ilustra. 


Desejo durante toda a vida

A educação recebida e a religiosidade estão entre os fatores que levam idosas à abstinência sexual, segundo estudo desenvolvido na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Embora o desejo acompanhe a mulher durante a vida toda, a maioria não deixa de fazer sexo ou diminui a frequência por causa da idade. Elas fazem isso por causa de uma série de fatores. Os anos não interferem na sexualidade”, avalia Mário Roberto Agostinho da Silva, autor do estudo e coordenador do Núcleo de Atenção ao Idoso (NAI) da UFPE.


A ausência de preliminares, o câncer de próstata, o alcoolismo, o relacionamento extraconjugal e a violência física ou psicológica também estão entre as situações apontadas pelas participantes do estudo como causadoras da falta de sexo. Foram ouvidas 276 idosas de 15 grupos de convivência da Região Metropolitana do Recife, com idade entre 60 e 91 anos. Sessenta e nove por cento das entrevistadas declararam que sentiam desejo sexual. Mas a vontade não significa que elas ainda estão transando. Apenas 33% das ouvidas afirmaram ter tido relações sexuais nos últimos seis meses anteriores à pesquisa. Das 27 entrevistadas que relataram se masturbar, três disseram que se sentiam culpadas por estar “pecando”.


Da quantidade à qualidade

Um problema a ser resolvido. Foi assim que Patrícia*, aos 16 anos, encarou a perda da virgindade. Por isso, acredita ela, a primeira relação foi tão “sem graça”, com uma pessoa de quem ela não gostava. “Conheci meu primeiro namorado sério, o segundo homem com quem transei e que me ensinou a buscar meu prazer. Ele me estimulava”, lembra 


Fetiches pouco tradicionais, brincadeiras eróticas e “inovações” passaram a fazer parte da rotina sexual de Patrícia. “Nada muito trash”, diz. “O que ele fez foi fazer eu me sentir segura.” Tanta confiança levou Patrícia a relações pouco proveitosas. “Transava com todo mundo sem pensar. Era como se fosse uma coisa natural: saiu, ficou, beijou e transou. Tive muitas relações boas, algumas ruins e poucos arrependimentos”, conta. Hoje, aos 32 anos, ela acha que passou por um período de autoafirmação, como se quisesse mostrar a todos que, como é dona de seu corpo, poderia transar com quem quisesse.


 Com o tempo, a quantidade deixou de ser importante e deu lugar à qualidade. “Descobri que a inteligência está intimamente ligada ao sexo bom. Inteligência no sentido de sagacidade, perspicácia, agilidade de pensamento. Entrei na fase dos jogos sexuais. Passei a dar importância para o conhecimento, a conversar e a sedução”, ressalta. “Quando descobrimos quais são os limites pessoais e entendemos que o sexo e o sentimento podem até ser bons juntos, mas conseguem andar sozinhos, tudo fica mais simples. O prazer, nesse caso, é consequência”, destaca.


* Nomes fictícios

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